Soja, gado, mas não só: por que Centro-Oeste cresce mais? ‘Há várias oportunidades de emprego’

Com o agronegócio como grande propulsor, região registrou aumento populacional acima da média nacional; movimento de interiorização também pressiona cidades pequenas

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Foto do author Marcio Dolzan
Foto do author José Maria Tomazela
Por Marcio Dolzan, Andreia Bahia e José Maria Tomazela
Atualização:

O Censo 2022 divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) nessa quarta-feira, 28, mostra que o Centro-Oeste foi a região com maior aumento proporcional de habitantes. A média anual foi de 1,2% ao ano, ante taxa brasileira de 0,52%, a menor dos últimos 150 anos.

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Por trás da alta, está o avanço do agronegócio, um dos motores do PIB que resistiram aos sobressaltos da economia nacional na última década. Para além das cifras e da população, o protagonismo crescente do interior do Brasil é cada vez mais evidente até no universo pop, com o sucesso da música sertaneja nos streamings e a frequência da região em novelas, a exemplo do remake de Pantanal (2022) e de Terra e Paixão (em exibição), ambas da TV Globo.

Filho de um assentado da reforma agrária, Gabriel França, de 21 anos, trocou o trabalho de tratorista em assentamentos do Pontal do Paranapanema, extremo oeste de São Paulo, por um emprego de operador de máquinas em uma cooperativa de Naviraí (MS). “Aprendi a dirigir trator no lote da minha família, em Marabá Paulista. Como o lote é pequeno, comecei a prestar serviços para outros assentados, mas ainda achei que era pouco.”

França fez cursos técnicos em Presidente Prudente e aprendeu a operar grandes máquinas agrícolas, incluindo colheitadeiras. Como sua região é mais voltada para a pecuária, ele enviou currículo para empresas agrícolas do Estado vizinho.

No fim de 2021, recebeu proposta da cooperativa e se mudou para Naviraí, que tem quase 50,5 mil habitantes, 8,7% a mais do que em 2020. “Atualmente trabalho com uma máquina que custa quase R$ 2 milhões”, diz ele.

“O agronegócio o grande propulsor”, afirma Cleberson Ribeiro de Jesuz, professor de Geografia da Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT). Mas não é o único, dizem os especialistas. O avanço do setor faz aumentar a oferta de emprego em outras áreas, como no funcionalismo público e no comércio local, por exemplo. Além disso, há uma busca por mais estrutura e qualidade de vida.

Agronegócio é destaque da economia de Goiás e contribui para o crescimento populacional do Estado Foto: Divulgação/SGG

“Há também a questão dos serviços que essas cidades oferecem. As pessoas saem das periferias das grandes cidades atraídas por melhor qualidade de vida”, acrescenta Ana Maria Nogales Vasconcelos, do Departamento de Estatística da Universidade de Brasília (UnB).

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Abadia de Goiás, por exemplo, ocupa o topo da lista de cidades com maior aumento de domicílios - quase triplicou em comparação ao Censo 2010 -, além de ter registrado a segunda maior taxa de crescimento populacional do País, atrás somente de Canaã dos Carajás (PA).

A maranhense Tchalene Ribeiro, de 31 anos, está no grupo dos novos moradores. Em 2018, ela deixou a cidade de Codó, onde nasceu, para tentar a sorte em Goiás. “No Maranhão não havia emprego e eu não fazia nada”, conta. Ela tinha dois filhos à época, um de dois e outro de sete anos, e se mudou inicialmente para Aparecida de Goiânia, na região metropolitana da capital, onde a irmã já morava.

Passados poucos meses, se mudou para Abadia de Goiás, a 22 km de Goiânia. “E não pretendo sair. Aqui há varias oportunidades de emprego e também muitos cursos gratuitos”. Ela concluiu o ensino médio e trabalha como vendedora autônoma na cidade, onde se casou e teve o terceiro filho.

Em fevereiro do ano passado, Tchalene buscou a mãe, Luzinete Tomas, de 55 anos, para tratar da saúde em Abadia de Goiás. “Porque o sistema de saúde aqui é muito melhor do que o do Maranhão.” Luzinete, depois, decidiu fixar moradia na cidade.

Abadia é um exemplo de cidade que não tem o agro como atrativo. O setor agrícola, aliás, representa 5% do orçamento do município. Quase metade da arrecadação vem de serviços, seguida da indústria metalmecânica.

Abadia de Goiás é um dos municípios que mais cresceram de acordo com o Censo IBGE 2022 Foto: Prefeitura Municipal de Abadia de Goiás

Já Querência (MT) viu sua população dobrar entre 2010 e o ano passado - salto de 13 mil para 26 mil habitantes - e é um símbolo da força dos grãos na mudança da população. Começou com a monocultura de soja, depois chegou a produção de milho e, agora, investe em projetos de irrigação a partir de poços artesianos. A cidade, a 927 quilômetros de Cuiabá, tem inclusive um aeroporto.

“Mostramos grandes oportunidades para empreendedores poderem investir”, afirma o prefeito Fernando Gorgen (União Brasil). O resultado é que a arrecadação cresce, assim como a demanda. “No SUS, temos cadastrados mais de 29 mil pessoas. É um desafio muito grande”, continua ele.

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“Se, por um lado, o crescimento populacional é importante para o município, por outro gera custo e gasto muito grandes. É preciso muita articulação, que acredito que a maioria dos municípios não tem”, diz Cleberson Ribeiro de Jesuz, professor da UFMT. Ele lembra que as cinco maiores cidades de Mato Grosso, incluindo Cuiabá, são ligadas ao setor produtivo. E um quarto das cidades tem menos de cinco mil habitantes.

“Os serviços de atenção à saúde e de educação muitas vezes não estão preparados para atender essa população”, afirma Ana Maria Vasconcelos, da UnB. “Vimos isso no passado: muitas cidades que se formaram no entorno das grandes metrópoles hoje apresentam grande pobreza.”

‘Terra e Paixão’ é nova aposta de novela rural da TV Globo Foto: João Miguel Júnior/TV Globo

Na contramão de outras regiões, capitais da região veem alta

Entre as 27 capitais, oito registraram queda da população, como Rio, Salvador e Belo Horizonte. Entre os motivos, estão a fuga da violência urbana, o crescimento das regiões metropolitanas, a crise econômica, as possibilidades do trabalho remoto e a busca por melhor qualidade de vida.

Já as capitais do Centro-Oeste, viram grandes altas em relação a 2010. São elas: Cuiabá (18,1%), Campo Grande (14,1%), Goiânia (10,4%), Brasília (9,6%).

Emerson Nobuyuki Itikawa, de 36 anos, é um dos que migraram para Goiânia no período. Ele vive lá desde janeiro de 2021, depois de passar em concurso para docente do Departamento de Física da Universidade Federal de Goiás (UFG).

De Presidente Prudente (SP), Itikawa estudou e iniciou a carreira em Ribeirão Preto e São Paulo, respectivamente. Mudou-se sozinho para a capital goiana, mas se casou lá. “Achei Goiânia uma Ribeirão Preto grande”, conta.

“Saí do cinza e da correria de São Paulo e fui muito bem-recebido nesta cidade super tranquila.” Entre as queixas, porém, está o déficit do transporte público. “Estranhei também o trânsito, meio caótico”, reclama ele.

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