STF prevê retomar julgamento sobre acidentes de avião: o que muda para o desastre de Vinhedo?

Supremo decidirá se relatórios de investigações de casos desse tipo podem ser usados em ações judiciais que buscam punir responsáveis; lei de 2014 restringiu acesso e uso a esses materiais

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Foto do author José Maria Tomazela
Atualização:
Acidente em Vinhedo matou 58 passageiros e quatro tripulantes Foto: Andre Penner/AP

O Supremo Tribunal Federal (STF) incluiu na pauta de julgamentos desta quarta-feira, 14, uma ação que questiona as restrições ao acesso e ao uso das investigações sobre acidentes aéreos como provas em processos judiciais. Na sexta-feira, 9, a queda de um avião da Voepass em Vinhedo, interior de São Paulo, deixou 62 mortos. A discussão da Corte pode interferir em eventuais processos das famílias das vítimas contra os responsáveis pelo voo.

A Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5667, movida pela Procuradoria-Geral da República, discute se as conclusões obtidas pelos peritos militares a partir dos destroços no local do acidente podem ser usadas em ações contra eventuais responsáveis pelo desastre e para indenização por danos.

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Em casos como o de Vinhedo, peritos do Centro Nacional de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (Cenipa), ligado à Força Aérea Brasileira (FAB), examinam os destroços atrás de evidências das causas do desastre. O objetivo não é apontar culpados, mas evitar que tragédias se repitam. O relatório preliminar sobre a aeronave da Voepass deve sair em 30 dias.

Os laudos da perícia militar vinham sendo usados para complementar as investigações da Polícia Civil utilizadas em processos para apurar possíveis responsabilidades de companhias aéreas, fabricantes de aeronaves e pilotos, a fim de se obter a reparação por danos ou indenizações por mortes, por exemplo.

A Lei 12.970 de 2014 alterou o Código Brasileiro de Aeronáutica, prevendo que as conclusões desses peritos, em regra, não seriam usadas como provas em processos judiciais, em respeito ao sigilo das investigações envolvendo os acidentes.

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O uso desse material ficou dependente de autorização judicial expressa. A lei também restringiu o acesso aos destroços das aeronaves acidentadas de peritos da polícia, por exemplo.

A ação, apresentada em 2017 pela PGR, aponta que a lei fere os princípios constitucionais, como o do direito ao devido processo legal, ao contraditório e à ampla defesa. Segundo a Procuradora, com as alterações, essas informações só podem ser fornecidas com autorização judicial, inviabilizando o trabalho do Ministério Público e da Polícia Criminal.

Já o Sindicato Nacional dos Aeronautas (SNA) se posicionou a favor da lei, “tendo em vista que o acesso público a todas as informações é prejudicial às investigações dos acidentes aéreos”.

Procurador do caso TAM critica lei

Para o ex-procurador da República Rodrigo de Grandis, um dos crimes que sempre são apurados nesses casos que envolvem mortes, lesões e danos decorrentes de acidentes de avião é o chamado atentado contra o sistema de transporte aéreo. “É um crime muito específico da legislação brasileira e de competência federal”, afirma.

De Grandis atuou como promotor federal no acidente da TAM de 2007 no Aeroporto de Congonhas, em São Paulo, com 199 mortos. O desastre da Voepass em Vinhedo foi o desastre aéreo com mais vítimas desde essa tragédia.

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“O caso da TAM foi reconhecido como de competência federal e fizemos um inquérito só. Na ocasião, percebi durante as investigações que o Cenipa faz um relatório muito bem feito, porque tem expertise para isso, mas o próprio Cenipa entende que sua apuração serve somente para prevenir acidentes, não para estabelecer responsabilidades”, afirma De Grandis, hoje advogado e professor de Direito Penal na Fundação Getúlio Vargas (FGV) em São Paulo.

“A despeito disso, o relatório do Cenipa é feito por autoridade que tem conhecimento técnico em área bem sofisticada e o laudo é fundamental em qualquer apuração, seja de natureza cível ou penal”, acrescenta. Na época, o ex-procurador teve de conseguir uma ordem de entrega para obter o relatório.

Foi depois disso, em 2014, o Código Brasileiro de Aeronáutica mudou seus dispositivos para dizer que os elementos de provas do Sistema de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (Sipaer), do qual faz parte o Cenipa, não podem ser usados para fins judiciais. “As vítimas têm direito de investigar. É um cerceamento de prova”, critica De Grandis.

Como está a votação?

O processo já teve um voto, do ministro Nunes Marques, que é o relator em substituição ao ex-ministro Celso de Mello, pela constitucionalidade do dispositivo.

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O caso começou a ser julgado em 2021, ainda na pandemia, em sessão virtual. Conforme o ministro Nunes Marques, as normas impugnadas, além de estarem em plena sintonia com os níveis internacionais de legislação sobre o tema, revelando-se como medidas de conformação legal perfeitamente legítimas. “Os sigilos estabelecidos para a investigação SIPAER têm por objetivo, essencialmente, evitar que depoimentos autoincriminatórios (que podem ter grande importância para a segurança aérea), sejam usados no processo penal. Ora, todo tipo de autoincriminação, não sendo uma confissão espontânea e consciente, viola, isso sim, o devido processo legal”, afirma.

Ainda conforme o ministro, as colaborações voluntárias nas investigações são colhidas com o compromisso de sejam utilizadas com o único fim de prevenir novos acidentes e limitadas à instrução da investigação aeronáutica, sendo produzidas sob condições diferentes de um processo criminal. “É fundamental, ademais, que haja um clima de total confiança no sigilo da informação para que as pessoas prestem depoimentos que possam esclarecer detalhes ocultos do acidente, sem temerem qualquer represália. Os investigadores do SIPAER, nesse sentido, estão em posição semelhante à de psicólogos, médicos, padres, enfim, pessoas que recebem depoimentos por fidúcia (confiança)”, escreveu na decisão.

Após o voto de Nunes Marques pela constitucionalidade das novas regras, o ministro Alexandre de Moraes pediu vista (mais tempo para análise) e agora o julgamento pode ser retomado em ambiente presencial.

É preciso que ao menos oito ministros estejam presentes na sessão para que ocorra a votação. Existe ainda a possibilidade de novo pedido de vista, adiando o julgamento.

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