As apreensões de skunk, também conhecido como “supermaconha”, têm crescido em embarcações que circulam por Estados como Amazonas e Pará, segundo autoridades ouvidas pelo Estadão. Além da cocaína, a droga também tem sido importada com frequência de países vizinhos, como Peru e Colômbia, por facções que atuam na região.
O avanço do narcotráfico fez rios como Madeira, Amazonas e Solimões virarem palco de disputa entre organizações criminosas como o Comando Vermelho (CV), considerado soberano na região, e o Primeiro Comando da Capital (PCC), maior facção do País.
O destino final das drogas pode ser tanto o mercado interno – o Brasil é o segundo maior consumidor de cocaína do mundo – quanto continentes como África, Europa e até Ásia. Nesse segundo caso, costuma ter papel central para o envio das remessas ao exterior o Porto de Vila do Conde, em Barcarena (PA), um dos principais do País.
Como resposta, Estados como Amazonas e Pará têm investido em bases fluviais para interceptar os carregamentos e combater a atuação de grupos criminosos. Além de combater a presença de facções focadas no narcotráfico, a iniciativa também visa a inibir a atuação dos chamados “piratas dos rios”, criminosos focados em roubos de cargas como combustíveis.
“Tem se tornando bem comum, quando tem a apreensão de cocaína, ter skunk junto ou às vezes a apreensão ser só de skunk”, disse ao Estadão o secretário de Segurança Pública do Estado do Pará, Ualame Machado, em entrevista concedida em abril.
“A Colômbia, que, por décadas, foi a maior produtora de cocaína, hoje não é mais. Hoje são Peru e Bolívia. Então a Colômbia passou a produzir, além da cocaína, também o skunk”, continuou ele, que antes ocupou o posto de superintendente da Polícia Federal no Pará.
O fenômeno, afirma, teria acarretado em uma explosão de apreensões da droga em rios do Estado. Segundo balanço da Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social do Pará (Segup), entre 2019 a 2021, meia tonelada de entorpecentes foi apreendida na malha fluvial do Estado.
Entre 2022 a 11 de abril de 2024, período posterior à implantação da base fluvial no estreito de Breves, em Antônio Lemos, foram apreendidos mais de 7 toneladas de drogas. O levantamento não faz distinção do tipo de droga, mas o número foi impulsionado por cargas de skunk e pela inauguração da primeira base fluvial do Estado, segundo autoridades.
“No ano passado, 20% do que nós aprendemos foi apreendido em Antônio Lemos”, disse Machado. Por isso a importância, continuou, da implementação de bases fluviais que funcionem 24 horas e que possuam aparatos como lanchas blindadas.
Além da base de Antônio Lemos, o governo do Pará prevê inaugurar outras duas bases fluviais até o fim do ano: uma delas em Óbidos, às margens do Rio Amazonas, e outra em Abaetetuba, bem próxima a Barcarena, cidade na região metropolitana de Belém onde fica o maior porto da região.
Os locais são considerados pontos de atenção em relação ao avanço da criminalidade e à circulação de drogas, como cocaína e skunk.
Já o Amazonas possui quatro bases em funcionamento, sendo duas móveis – a Tiradentes, que fica no Alto Solimões, e a Paulo Pinto Nery, que fica próxima da foz do Rio Madeira – e duas fixas – a Arpão 1, próxima a Coari, no Rio Solimões, e a Arpão 2, no Rio Negro. Esta última foi inaugurada no começo deste ano.
Recentemente, a apreensão de skunk em rios subiu 31% em um período de dois anos no Amazonas. Ao todo, 19,1 toneladas da droga foram apreendidas ao longo de todo o ano de 2022, ante 14,5 toneladas em 2020.
No ano passado, foram 15,6 toneladas apreendidas. Já neste ano, somente de janeiro a fevereiro, foram 5,9 toneladas, o que volta a indicar uma nova tendência de alta nas apreensões da “super maconha”.
Para se ter um parâmetro, no mesmo período deste ano foram apreendidos 303 quilos de cocaína. Em 2023, quando houve o pico das apreensões desse tipo de droga, foram 3,3 toneladas.
“A apreensão de skunk subiu porque, quando se faz uma apreensão dessa droga, o custo para o tráfico é menor, já que ele tem um valor agregado menor do que a cocaína”, disse ao Estadão o secretário de Segurança Pública do Amazonas, Marcus Vinícius Oliveira de Almeida.
Segundo ele, há dinâmicas distintas no tráfico de drogas na região. “O skunk é muito usado no mercado nacional, normalmente não é para exportação. Já a cocaína geralmente uma parte fica e o resto vai para Europa, principalmente”, explicou o secretário.
No último dia 30, uma mulher de 26 anos foi presa pela Polícia Militar do Amazonas, em fiscalização na base Arpão 1, após ter sido encontrada com 15 quilos de skunk dentro da mala. A droga foi localizada pelos agentes com auxílio de um cão farejador.
No ano passado, a Polícia Militar do Amazonas (PMAM), em conjunto com a Polícia Federal, apreendeu 600 quilos de skunk em Santa Isabel do Rio Negro, a 630 quilômetros de Manaus. Dois homens, de 63 e 34 anos, de nacionalidade colombiana, foram presos. Só neste caso, o prejuízo estimado ao crime organizado foi de R$ 12 milhões, segundo a Secretaria da Segurança Pública amazonense.
PCC e Comando Vermelho têm estratégias diferentes na região
Atualmente, o Comando Vermelho é considerado dominante na Região Norte, mas o PCC também tem buscado avançar pela região. “Até agora, eles não têm conseguido. Eles têm, no máximo, uns 10%, 15% de atuação por aqui. São quatro ou cinco bairros que eles fazem a comercialização de drogas na cidade de Manaus”, disse Almeida.
Ainda assim, o secretário afirma que o foco do PCC na região é menos a ocupação de territórios, mas “muito mais empresarial”. “Para eles é muito mais interessante fazer o que eles fizeram, que foi o controle de produção no Peru”, afirmou.
Em alguns casos, afirmam autoridades, integrantes do PCC atuam por rios que cortam determinadas cidades mesmo não tendo interesse na disputa territorial por ali. Isso porque, hoje, o grande foco da organização é o tráfico internacional de drogas.
Em fevereiro deste ano, uma ação integrada pela Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social do Pará apreendeu um submarino clandestino, na malha fluvial do município de São Caetano de Odivelas. Não foram encontrados entorpecentes, mas a hipótese é que a embarcação seria usada para o transporte de drogas por via marítima.
Membro do Ministério Público do Estado do Amazonas (MP-AM), o promotor de Justiça Igor Starling afirma que as apreensões de drogas na região “são extremamente volumosas, com cargas de centenas de quilos ou mesmo toneladas de entorpecentes, além de armamento pesado”.
“A disputa pelo controle dos rios se dá de forma extremamente violenta, com abordagens e embates entre grupos criminosos fortemente armados, no meio de intensa troca de tiros, ocasionando combates letais com o objetivo de que o grupo vitorioso tome ou, caso contrário, mantenha a posse das drogas e armas transportadas”, disse o promotor.
Na avaliação de Ualame Machado, secretário de Segurança do Pará, o Comando Vermelho é bastante focado em fazer o tráfico doméstico na região, embora invista também no envio de remessas para o exterior. “Já o PCC normalmente age em um negócio mais alto, grande quantidades de droga, lava dinheiro. Eles trabalham muito com a lavagem de dinheiro, são especialistas nisso”, disse.
Como mostrou o Estadão, do uso de igrejas como fachada até a criação de contas em bancos digitais, o PCC tem diversificado as formas de lavar dinheiro para esconder os ganhos obtidos com o tráfico internacional de drogas e driblar a fiscalização da polícia.
A estimativa é de que o Primeiro Comando da Capital tem lucrado U$S 1 bilhão ao ano, sobretudo com o tráfico internacional de drogas, segundo o Ministério Público do Estado de São Paulo (MP-SP). O destino das cargas de cocaína é principalmente a Europa.
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