O custo do processo judicial proposto na Itália para reconhecimento de cidadania por descendentes de italianos pode aumentar significativamente em 2025. Hoje é cobrada uma taxa de 545 euros (cerca de R$ 3.350) por processo.
Não há limite legal para o número de beneficiários – um mesmo processo pode garantir a cidadania de dezenas de pessoas, sendo a única exigência que todas tenham os mesmos antepassados. Assim, essa taxa, o contributo unificato, é diluída entre os vários interessados.
Em 23 de outubro o governo italiano encaminhou ao Parlamento o projeto da lei orçamentária de 2025, e o artigo 106 estipula que a taxa, além de ser reajustada para 600 euros (R$ 3.688), será cobrada por pessoa e não mais por processo.
A mudança ainda será votada pela Câmara dos Deputados e pelo Senado italianos, que a princípio têm até 31 de dezembro para fazer isso, já que a lei trata do orçamento do governo para 2025. Se o projeto não for submetido a votação até lá, o governo pode editar medidas provisórias para colocar em prática o orçamento, mesmo sem aprovação, por tempo limitado.
Consultado pelo Estadão sobre o tema por meio da embaixada em Brasília, o governo da Itália informou que são “questões atualmente em discussão no Parlamento, sobre as quais no momento não temos comentários”.
Segundo a advogada italiana Gabriela Rottuno, entidades que representam descendentes de italianos tentam pressionar os parlamentares a barrar a alteração, mas a lei orçamentária trata de muitos temas, e outras questões são consideradas prioritárias. “Os únicos parlamentares realmente empenhados em evitar essa mudança são aqueles eleitos pela comunidade italiana que mora no exterior”, afirma.
Italianos e descendentes que moram fora do país europeu elegem representantes no Parlamento, mas são poucos – oito de 630 deputados e quatro de 315 senadores. “A pressão é importante, mas são poucos parlamentares e é difícil que consigam mudar”, avalia.
De acordo com a advogada, dentro do Parlamento há questionamentos a respeito da constitucionalidade da nova regra.
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Para o jurista italiano David Manzini, fundador da Nostrali Cidadania Italiana, que auxilia brasileiros na obtenção de cidadania italiana, “a mudança é injusta e potencialmente inconstitucional”. “A proposta de cobrança infringe o princípio de igualdade, limita o acesso à Justiça e impõe barreira financeira desproporcional a quem não tem meios econômicos”, avalia.
O artigo 3º da Constituição Italiana garante que todos os cidadãos são iguais perante a lei, sem distinções de condições pessoais e sociais. “Ao introduzir uma taxa tão elevada, o governo está criando uma forma de discriminação indireta, com base em critérios econômicos”, diz Manzini.
No artigo 24, a Constituição Italiana assegura a todos o direito de acesso à Justiça, para a tutela de seus direitos e interesses. Manzini afirma que a impor uma taxa de 600 euros por pessoa pode representar uma barreira financeira desproporcional. “Isso vai dificultar ou até mesmo impossibilitar que muitas pessoas exerçam seu direito de requerer a cidadania italiana”, diz.
O jurista critica ainda o valor estipulado. A lei italiana prevê que a cobrança de taxas deve ser justificada e proporcional aos custos administrativos do Estado para processar pedidos judiciais. “Não há explicação clara de que a taxa de 600 euros seja proporcional aos custos reais do processo. O valor parece excessivo e pode ser visto como forma de limitar o número de requerentes, o que é inaceitável do ponto de vista jurídico”, salienta.
Por fim, Manzini afirma que o direito à cidadania, embora não expressamente mencionado na Constituição italiana, é implicitamente protegido como um direito fundamental. Por isso, as novas regras quanto à taxa podem ser vistas “como violação dos princípios democráticos da Itália”, diz.
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