Quando se fala em tecnologia na mobilidade, é comum pensarmos em carros autônomos que interagem com a sinalização viária e levam o passageiro com segurança ao seu destino. Sim, isso é resultado dos avanços tecnológicos e, de fato, vai mudar o modo de ir e vir. Mas há outros pontos em que o uso da tecnologia é fundamental para facilitar a locomoção humana.
Imagine, por exemplo, uma pessoa que mora em um bairro de uma cidade metropolitana, como Osasco. Ela precisa ter um cartão do município para usar o ônibus que vai de sua casa até o terminal municipal. Lá, faz uso de outro cartão para acessar o transporte metropolitano, que a leva a São Paulo. Chegando à capital, utiliza um terceiro, o Bilhete Único, para embarcar no metrô. E, antes de usar cada um deles, ela precisa estar segura de que os bilhetes estão carregados. Caso não estejam, vai gastar mais um tempo na fila para colocar créditos.
“A revolução dos meios de pagamento é uma demanda urgente. É preciso facilitar, otimizar, melhorar a eficiência operacional e diminuir barreiras de uso”, defende Marcelo Serralha, diretor de Soluções e Inovação da Visa do Brasil. “Qualquer ganho que a gente consiga como ecossistema vai impactar milhões de pessoas no dia a dia.”
Desde 2018, a empresa montou um laboratório no Brasil para o desenvolvimento de soluções de hardware e software que buscam ajudar a indústria da mobilidade e os gestores públicos a realizar melhorias em seus sistemas de pagamento.
Além da falta de um sistema metropolitano padronizado, o modelo atual de bilhetagem em vigor na maior parte do Brasil tem, pelo menos, 20 anos e é baseado no uso do dinheiro: em espécie ou usando esse dinheiro para carregar os cartões específicos dos modais. Ao mesmo tempo, as experiências com bilhetagem digital mostram a aprovação da população no que se refere à modernização desse sistema.
Mudança concreta
Em Apucarana, município localizado a 360 quilômetros de Curitiba, no segundo mês de operação da bilhetagem digital, 43% das compras de créditos haviam sido feitas via Pix. Já em Balneário Camboriú (SC), no segundo dia de operação, 47% dos pagamentos foram realizados por aplicativo. “Isso mostra o potencial e a relevância dos pagamentos digitais, ao mesmo tempo que evidencia a adesão muito grande da população à digitalização”, afirma Luiz Renato Mattos, CEO e cofundador da Onboard.
A aprovação da sociedade tem relação com uma lógica simples: na mobilidade, o ato de pagar é um meio, e não um fim. “Pagar tem de ser conveniente, invisível, com poucos cliques, preenchimento automático, poucos campos. O que a gente deseja é o objeto do pagamento, ir do ponto A para o B sem atrito”, diz André Turquetto, diretor-geral da Veloe.
Tal experiência implica um cenário multimodal e integrado por recursos digitais. “São os apps de mobilidade como serviço, que integram os variados modais, tendo o pagamento eletrônico como facilitador do processo”, explica Fernanda Caraballo, vice-presidente de Desenvolvimento de Negócios da Mastercard Brasil.
Um aplicativo desses, exemplifica Fernanda, pode dar várias opções para ir de um ponto a outro da forma mais rápida, confortável ou ainda mais barata. E também indica todas as combinações possíveis de modais e o uso da mobilidade ativa, se a ideia é caminhar por um trecho do caminho.
Para os especialistas, três conceitos devem permear a discussão sobre pagamentos na mobilidade: interoperabilidade, que é respeitar a escolha do consumidor sobre a forma de locomoção; a evolução constante da segurança; e a garantia da experiência do cliente.
Revolução digital
A experiência do cliente também está no centro das discussões ligadas ao 5G, a internet de alta velocidade. “Esse G a mais vem transformar não apenas a experiência do consumidor, mas a experiência da indústria. As indústrias serão mais eficientes por conta de duas características fundamentais – velocidade e latência, que é o tempo de resposta”, explica Georgia Sbrana, diretora de Vendas B2B Latam da Motorola Mobility.
O 5G traz cem vezes mais velocidade do que o 4G e a latência é muito menor. No 4G, são 60 a 80 milissegundos entre o comando e o acontecimento. No 5G, isso cai para menos de 10 e pode chegar a 1 ou 2, como nos casos de cirurgias remotas.
Ao fim de 2027, estima-se que metade da população mundial estará conectada ao 5G. O Brasil teve um leilão entre operadoras no fim de 2021 e, no segundo semestre deste ano, o 5G já deve se tornar realidade nas principais capitais do País.
Há entraves importantes, como a questão da regulação municipal. Mesmo com o leilão e a Lei Geral de Antenas – que visa a reduzir a burocracia para instalação da infraestrutura necessária para o 5G no País –, os municípios é que são responsáveis pela política de ordenamento urbano. Logo, a implantação depende da agilidade das cidades para dinamizar seu ambiente regulatório.
Enquanto isso, alguns projetos-piloto já dão o tom dos avanços dessa tecnologia na indústria dos transportes. No caso da Stellantis – empresa que controla marcas como Fiat, Jeep e Peugeot –, uma rede 5G privada permitiu os primeiros cases na planta da montadora localizada em Goiana, município a 60 km de Recife.
“Um automóvel tem mais de dois mil sensores. Essas informações podem estar sendo compartilhadas e auxiliar nas tomadas de decisão. É um caminho que tende a trazer um impacto positivo na mobilidade e uma segurança maior, porque se estará cada vez mais assistido por tecnologias que vão evitar pequenos acidentes”, afirma Djan Castro, gerente sênior de Tecnologia para Manufatura da Stellantis para a América do Sul.
Para aproveitar as possibilidades do 5G, é preciso, entretanto, ter profissionais aptos. “Temos trabalhado com universidades e centros de pesquisa para desenvolver esses mecanismos de base, que vão habilitar esses produtos posteriormente”, comenta Castro.
Rio busca colocar em prática novo formato de bilhetagem
O novo sistema de bilhetagem da cidade do Rio de Janeiro, ainda sem data para ser implementado, foi um dos casos apresentados durante o Summit Mobilidade. “Nesse modelo, o operador de bilhetagem não é um operador de transporte, mas um concessionário específico. Esperamos ganho na qualidade do serviço e maior transparência”, afirma a secretária municipal de Transportes, Maína Celidonio de Campos.
Em vez de ser por passageiro, o modelo de remuneração proposto será por quilômetro rodado. “O pagamento por passageiro gera uma série de incentivos perversos, como a superlotação e a competição entre os modais.”
Também começarão a ser consideradas a adoção de políticas tarifárias mais flexíveis – como descontos para passes familiares e preços diferenciados de acordo com a zona de uso –, além de subsídios. “Numa cidade com muita desigualdade, essa tarifa pode ser excessivamente cara para a população mais carente”, observa Maína.
Ponto importante: os pagamentos poderão ser feitos por cartão bancário, QR Code e celular, e de forma integrada com o sistema de bicicletas e de táxi da cidade.
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.