Tensão entre ditadura e Igreja Católica mudou datas de celebração dos 150 anos da Independência

CNBB celebrou sesquicentenário da Independência em 3/9 de 1972, marcando afastamento do governo

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Atualização:

Quando o Brasil, em 1972, se preparava para celebrar os 150 anos da Independência, a ditadura militar e a Igreja Católica envolveram-se em uma disputa de bastidores. A tensão deixou vestígios em documentos de órgãos de repressão política guardados no Arquivo Nacional. O governo do general Emílio Garrastazu Médici, o mais repressivo do período autoritário, pressionava os religiosos para que se engajassem nas comemorações, que o regime usava para exaltar a si mesmo. Cardeais e bispos, porém, resistiram a esse envolvimento. Preferiram fazer uma missa em 3 de setembro, quatro dias antes da comemoração oficial.

Deram assim uma demonstração pública de distanciamento. ”A propósito da data (3 Set) escolhida pela CNBB, assinale-se que o Presidente da Comissão Estadual das Comemorações do Sesquicentenário havia pedido à CNBB, através do Arcebispo de SÃO PAULO, que se transferisse a data de 3 para 7 de setembro”, diz a Informação 3204S/102-S3-CIE, de 24 de agosto de 1972, do Centro de Informações do Exército (CIE), órgão repressivo ligado diretamente ao ministro da Força.

Missa na Praça da Sé, em São Paulo, em comemoração da igreja católica ao sesquicentenário, 150 anos, da independência do Brasil em 3 de setembro de 1972. Foto: Rolando Freitas/Estadão. 3/9/1972 [negativo: 727058] Foto: Rolando Freitas/Estadão

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“Em resposta àquela Comissão, o bispo IVO LORSCHEITER informou que a CNBB julga impossível a mencionada mudança ‘pois entendeu dar a essa programação uma caracterização estritamente religiosa, com moldura de discrição e recolhimento’, além de poder ‘supor que no dia 7 de setembro os Srs. Bispos preferirão estar em suas Dioceses, para comparecerem às Celebrações locais’.”

“Como se pode verificar, a atitude da CNBB foi um ato para desprestigiar as festas, podendo ser classificado de inamistoso e uma provocação direta ao País.” O tom do documento, classificado como confidencial, mostra o grau de insatisfação do governo com a cúpula religiosa.

A Igreja destoava da onda de euforia marcada pela conquista do tricampeonato mundial de futebol, em 1970. Também havia o milagre econômico com inflação baixa (para padrões brasileiros) e altas taxas de crescimento – 14% em 1971. A oposição legal do MDB era minoritária, e a luta armada estava derrotada. Em 1972, 38 militantes seriam mortos pela repressão. A imprensa era censurada. Falava-se em milhares de presos políticos. A máquina de tortura do DOI-Codi estava em operação.

UFANISMO

Associar à Independência à ditadura foi parte da propaganda oficial, em clima de ufanismo. As comemorações incluíram o traslado para o Brasil dos restos mortais de d. Pedro I. A operação foi feita em conjunto com o governo de Portugal, então também governado por uma ditadura de direita. Dois anos antes de ser derrubado pela Revolução dos Cravos, o regime português sobrevivera à morte de Oliveira Salazar, em 1970, e se associou aos militares brasileiros na celebração.

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Já a Igreja Católica brasileira, que em sua maioria apoiara o golpe em 1964, havia algum tempo questionava o regime. Essa era a atitude não apenas de alguns jovens padres e ativistas leigos ligados à Teologia da Liberação. Na cúpula religiosa havia preocupação com não legitimar a ditadura. Essa resistência transformou a Igreja Católica em alvo dos arapongas da comunidade de informações da ditadura. Os agentes secretos do regime militar monitoraram movimentações e correspondências dos líderes religiosos.

Entre os documentos capturados, estava uma cópia do texto da missa de 3 de setembro, que seria divulgado a fiéis nas igrejas da Guanabara e do Rio. Foi encaminhada com uma cópia da “Mensagem da Comissão Representativa da CNBB no Sesquicentenário da Independência”, em 1º de setembro de 1972, segundo o Encaminhamento Nº 040271/72, da Agência Rio de Janeiro (ARJ) para a Agência Central do Serviço Nacional de Informações (SNI). Mas, moderadas, as mensagens não confirmaram temores de serem textos de confrontação com o governo Médici. Demonstraram, porém, o grau de vigilância do regime.

APÓCRIFO

Outro documento interceptado pela comunidade de informações foi “A Igreja e o Sesquicentenário”, apócrifo, sem data e marcado por críticas ao regime. O texto teria sido mandado de Salvador para um bispo em Porto Alegre, segundo o Memorando 503SI/Gab, assinado pelo coronel Jayme Miranda Mariath, chefe de Gabinete no SNI. O texto analisava em tom crítico como o governo militar apresentava a Independência do Brasil e afirmava que o golpe de 1964 tinha o mesmo objetivo. Apresentava, em seguida, como era a Independência na realidade, em sua opinião, com ataques ao regime. Denunciava a repressão da ditadura contra padres e leigos, cujas reuniões, assinalava, eram observadas por espiões. Sermões eram gravados, e material litúrgico, apreendido, denunciava.

CONTiNUA APÓS PUBLICIDADE

O texto apreendido pelos arapongas também fazia uma breve análise da relação da Igreja Católica alemã com o nazismo: “Os protestos reticentes e demorados, as críticas acompanhadas de votos de louvor ao governo, o silêncio diante de inúmeras atrocidades durou vários anos”, dizia o texto, lembrando o regime de Adolf Hitler e em uma advertência à Igreja Católica brasileira. “O que prevaleceu foi a tentativa de ‘Impedir o agravamento dos fatos ' através de contatos com as autoridades. As tomadas de posição firmes, as atitudes claras, as denúncias corajosas foram obras de muito poucos bispos e padres.”

Agentes do SNI mantiveram as movimentações da Igreja sob vigilância pelo menos até fim das celebrações católicas pela Independência. Produziram a Informação Nº 261896/72 da Agência São Paulo (ASP) do Serviço. Essa mensagem foi enviada às agências Central e Rio de Janeiro do Serviço, de 4 de setembro daquele ano. O documento confidencial citava oito fotografias das celebrações, que não constam do dossiê confidencial guardado no Arquivo Nacional. Mostrava que arapongas acompanharam em 1.º de setembro a cerimônia de recepção à imagem de Nossa Senhora Aparecida na Praça da Sé. “Iniciou-se, então, Vigília de Orações pela Pátria com missas rezadas a cada duas horas e conferências de sentido catequético pronunciadas por prelados católicos, sendo que a primeira missa foi oficiada por dom PAULO EVARISTO (Arns, arcebispo metropolitano de São Paulo à época)”, dizia o texto.

O relatório mostra que os espiões se infiltraram na missa do dia 3, celebrada por bispos e com representantes das igrejas melquita e maronita. Na conclusão, os autores tentaram desvalorizar o ato religioso.

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“a) O comparecimento popular às comemorações religiosas do Sesquicentenário foi, levando-se em conta a presença da imagem de Nossa Senhora Aparecida, apenas regular. Haja visto que a despeito da devoção que a imagem inspira, a Praça da Sé, na manhã de 3 Set, ficou ocupada apenas em uma terça parte aproximadamente.”

“b) Quer nas comemorações do dia 19, quer nas do dia 3 não se observou qualquer ato ou palavra que traduzisse atrito ou mal estar nas relações entre Governo e Igreja.” l

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