Se os trabalhadores negros tivessem salários e taxas de emprego semelhantes aos dos trabalhadores brancos, eles teriam recebido R$ 103 bilhões a mais em 2024, projeta o relatório “O custo salarial da desigualdade racial”, produzido pelo Núcleo de Estudos Raciais do Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper) divulgado nessa quinta-feira, 29.
Embora o salário médio do trabalhador brasileiro seja de R$ 3426, o montante esconde disparidades nos recortes raciais e de gênero. Os homens brancos têm os maiores salários (R$ 4956), seguidos das mulheres brancas (R$ 3813), que ganham 77% do valor. Os negros possuem os menores salários: homens ganham R$ 2858 enquanto mulheres, R$ 2278. Esses dois segmentos recebem respectivamente 58% e 46% do valor recebido por homens brancos.
Todos os dados são da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Em grande escala, a massa salarial perdida pela desigualdade é de R$ 103 bilhões (R$ 62 bilhões por parte de homens e R$ 41 bilhões por parte das mulheres). Massa salarial é a soma da renda de todos os trabalhadores, considerando salários, taxa de desemprego e participação no mercado de trabalho.
O estudo estima que cerca de R$ 14 bilhões se devem à discriminação racial, tratamento diferenciado de negros em relação a trabalhadores brancos com características similares. As diferenças restantes estão associadas a outros fatores, como educação, tipo de emprego e local de moradia.
“A pesquisa sugere o tamanho das perdas econômicas associadas à desigualdade racial. Em outras palavras, nosso País é mais pobre por causa da desigualdade”, diz trecho do documento.
Para avaliar o impacto de uma possível discriminação racial, os pesquisadores do Núcleo de Estudos Raciais partem do pressuposto de que dois indivíduos com características produtivas semelhantes deveriam receber o mesmo salário. O estudo supõe um cenário no qual o salário médio e a taxa de emprego dos negros são iguais aos dos brancos, o que oferece uma estimativa da perda de massa salarial da população negra em relação à branca.
“Assim, realizamos uma análise considerando um conjunto de variáveis observáveis, como raça, educação, idade, gênero e localização. Ao comparar indivíduos com características semelhantes, concluímos que a desigualdade salarial decorre da discriminação racial e de outros fatores que não conseguimos observar”, explica o professor Michael França, coordenador do núcleo.
“No entanto, esse valor tende a ser subestimado, pois a discriminação racial também afeta, por exemplo, as diferenças educacionais entre brancos e negros”.
Diferenças raciais também influenciam na obtenção do emprego
Em 2024, a taxa de desemprego no Brasil é de 5,35%. Homens brancos registraram taxa de 3,5% enquanto, as mulheres negras apresentaram o maior índice, 7,95%. Homens negros tiveram uma taxa de 4,77% e mulheres brancas de 5,35%.
Os pesquisadores esperam que a estimativa da massa salarial perdida devido à desigualdade e à discriminação racial orientem políticas e discussões públicas. “Embora direitos não devam ser barganhados com cálculos econômicos, esse montante pode servir como guia para demandar gastos governamentais com ações de reparação desses prejuízos junto à população negra”, diz a pesquisa.
França observa as diferenças salariais são um componente importante para entender as dificuldades impostas à população negra ao longo da história.
“Quando um negro com características produtivas semelhantes às de um branco ganha menos no mercado de trabalho, isso resulta em uma menor acumulação de patrimônio ao longo da vida. Como consequência, na geração seguinte, o filho de um branco tende a ter mais oportunidades do que o filho de um negro, graças ao patrimônio familiar acumulado”, diz o professor.
“Esse processo de discriminação, perpetuado ao longo das gerações, faz com que os negros sejam sistematicamente deixados para trás. Não é por acaso que, em um gráfico do nosso estudo, observamos uma alta proporção de negros na base da pirâmide, enquanto, entre os 1% mais ricos, a predominância é de brancos. Tudo isso está interligado”.
De acordo com a pesquisa, entre os 1% com menores salários, 10% são homens brancos e 50% mulheres negras. Por outro, no recorte da parcela de 1% da população com maiores salários, 56% são homens brancos e 4% mulheres negras.
* Este conteúdo foi produzido em parceria com o Núcleo de Estudos Raciais do Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper).
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