Apontado como líder de uma rede internacional de tráfico de órgãos, o oficial reformado do Exército israelense, Gedalya Tauber Gady, disse hoje, durante interrogatório na Justiça Federal, que o governo israelense, através do seu sistema de saúde, patrocinava os transplantes de rins realizados em Durban, na África do Sul, onde pernambucanos se submeteram a cirurgia de retirada de um rim ao preço de até US 10 mil. Segundo Gedalya, os transplantes de órgãos são proibidos em Israel por questões religiosas, por isso, o sistema público de saúde custeia o transplante de quem deseja fazê-lo em outro país. Segundo ele, um funcionário do governo israelense chamado Ilan, que conhece, lhe propôs indicar um intermediário no Brasil que arranjasse pessoas que quisessem vender o rim. Gedalya, que disse ter negócios no Brasil há seis anos, não aceitou, alegando ?questões morais?. Um ano depois, entretanto, indicou o capitão aposentado da Polícia Militar de Pernambuco, Ivan Bonifácio da Silva, seu sócio em uma empresa de segurança, para desempenhar essa função. O israelense confessou seu envolvimento no tráfico, culpando o capitão Ivan. ?Sei que sou culpado por ter sido idiota?, afirmou ele à juíza federal Amanda Torres de Lucena. Ele disse que o capitão Ivan bebia muito e por isso Ilan não confiava em lhe mandar dinheiro, fazendo-o através do israelense. Gedalya afirmou também não saber que os transplantes eram ilegais perante a lei brasileira, o que ele reconheceu que deveria saber. ?Todavia, acreditei que como o dinheiro vinha do governo israelense não haveria problema?, ressaltou. Apesar do israelense ter buscado dar um verniz legal às transações, o capitão Ivan Bonifácio da Silva, retribuiu as acusações, não somente responsabilizando Gedalya por todo o esquema do tráfico, mas afirmando que a rede abrangeria outros países como Estados Unidos e Irã (onde seriam identificados doentes renais receptores dispostos a comprar um órgão) e Romênia e Rússia que, como o Brasil, forneceriam os vendedores do órgão. A Espanha e a Bolívia também estariam na mira do israelense. O capitão Ivan fez tais afirmações, também hoje, em depoimento à CPI estadual que apura o caso. O capitão Ivan também afirmou que Gedalya tentou implantar no Brasil um esquema de transplantes, o que baratearia os custos da transação, chegando a sondar médicos e hospitais em Pernambuco e no Ceará, sem êxito. O capitão disse ainda que também foi ventilada, sem sucesso, a possibilidade de se fraudar a lista oficial de transplantes, encaixando pessoal envolvido no esquema do tráfico. Mas o transplante só pode ocorrer utilizando órgãos de cadáveres ou de parentes dos doentes renais. Gedalya e Ivan abriram uma empresa de segurança na Holanda, batizada com suas iniciais, I&G, que teria uma filial no Recife. O presidente da CPI estadual, deputado Raimundo Pimentel (PSDB) afirmou que essa era uma empresa de fachada que não existia na Holanda e que, no Recife, fez apenas um contato com duas empresas da área ? uma em Pernambuco e outra na Paraíba. Ele afirmou que a CPI vai investigar a participação de médicos no esquema e que cada transplante deveria envolver em torno de US$ 45 mil, podendo chegar a US$ 100 mil. De acordo com Pimentel, o capitão Ivan era o líder da rede no Brasil. Depois, por problemas passionais (ciúmes da esposa do capitão) e pela grande oferta de rins, houve um racha e três grupos passaram a trabalhar para Gedalya no aliciamento. Um, do capitão Ivan e sua esposa Eudênia Cavalcanti, outro de Terezinha Medeiros (namorada de Gedalya) e a corretora Fernanda Calado, e um terceiro comandado por Josué Luiz da Silva, primeiro a trabalhar como aliciador para o capitão Ivan. O preço por um rim, que no início era de US$ 10 mil mais US$ 500 para a família do vendedor do órgão, caiu para US$ 3 mil. De acordo com Ivan, sua função era a de intérprete de Gedalya para seus negócios na área de segurança e também na sua intenção de cultivar camarão. Ele disse que recebia US$ 2 mil dólares por rim negociado, ficando com metade, porque o resto era gasto com despesas de laboratório, médico, táxis. O capitão disse ter iniciado esse tipo de atividade há um ano e meio, afirmou não saber que era crime e garantiu não se arrepender do que fez. ?Ajudei a salvar gente na África do Sul e aqui no Brasil?, afirmou, comentando a miséria e a vontade das pessoas pobres de venderem um rim para melhorar as condições de vida. Ele confirmou, porém, que dois sobrinhos seus venderam um rim. ?Eles que quiseram, e não foi através de mim?, disse. Tanto Gedalya como Ivan estão presos desde o dia 2 de dezembro com outros dez envolvidos no tráfico. Eles integram a lista de 28 pessoas denunciadas pelo Ministério Público Federal no caso. Durante o interrogatório, Gedalya explicou sua relação com outros acusados de participação no tráfico, sempre afirmando que o capitão Ivan os teria apresentado. Disse ter emprestado dinheiro a vários deles e, indagado pela juíza de onde vinham esses recursos, ele disse ter um salário do exército israelense e uma verba que recebe do governo alemão por ter ido, ainda criança, para um campo de concentração durante a Segunda Guerra (1939/45). Ele disse ter ficado com outras 25 mil crianças na Ucrânia. Deste total apenas duas teriam sobrevivido ? ele e uma outra.
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