Um terço das mulheres brasileiras já sofreu violência física ou sexual de parceiros, diz estudo

Houve crescimento de todas as formas de violência contra mulher no último ano no País, segundo pesquisa do Fórum Brasileiro de Segurança Pública

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Foto do author Ítalo Lo Re
Atualização:

Um terço das mulheres brasileiras (33,4%) com mais de 16 anos já sofreu violência física e/ou sexual de parceiros ou ex-companheiros ao longo da vida, segundo estudo do Fórum Brasileiro de Segurança Pública encomendado ao Instituto Datafolha. O número, que equivale a 21,5 milhões de vítimas, é maior que a média global de casos, 27%, segundo estimativa da Organização Mundial da Saúde (OMS).

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Ainda segundo a pesquisa, divulgada nesta quinta-feira, 2, houve crescimento de todas as formas de violência contra mulher no último ano no País, como espancamento (5,4% dos casos) e ameaça com faca ou arma de fogo (5,1%). “Foram mais de 18 milhões de mulheres vítimas de violência no último ano. São mais de 50 mil vítimas por dia, um estádio de futebol lotado”, afirma Samira Bueno, diretora executiva do fórum.

Ao todo, 28,9% das mulheres (18,6 milhões) sofreram algum tipo de violência ou agressão no último ano, a maior prevalência já verificada na série histórica – a pesquisa sobre vitimização de mulheres no Brasil é realizada desde 2017, de dois em dois anos. Na edição de 2021, 24,4% das entrevistadas afirmaram ter sofrido violência um ano antes, o primeiro da pandemia de covid-19.

“Existia uma aposta muito grande que violência contra a mulher ia aumentar durante a pandemia – porque era algo que estava sendo observado em vários países –, mas que, passada a fase mais grave da pandemia, esses números recuariam”, diz Samira. “Na verdade, os números cresceram após a pandemia. A gente está diante, de fato, de um agravamento. É um País que ficou mais inseguro para a mulher.”

Do total de casos do último ano, 11,6% (ou 7,6 milhões) das vítimas foram agredidas com batida, empurrão ou chutes – o que corresponde a 14 ocorrências por minuto. Em 13,5% dos episódios, houve perseguição a mulheres. “Quando a gente vê tudo isso começando a crescer, infelizmente daqui a alguns meses os números da violência letal também começam a andar na mesma direção”, afirma a pesquisadora.

São Paulo, por exemplo, registrou 195 vítimas de feminicídio no último ano, a maior quantidade anual desde 2015, quando o País passou a tipificar crimes dessa natureza. Em um dos casos, a cartomante Michelli Nicolich, de 37 anos, foi assassinada a tiros pelo estudante de Medicina Ezequiel Ramos, de 38 anos. Ela tinha medida protetiva e vivia escondida do ex-companheiro, mas foi emboscada por ele ao buscar os filhos em escola na zona leste de São Paulo. Uma das crianças também morreu.

Busca por ajuda

Conforme a pesquisa do Fórum, em quase metade dos casos de violência contra mulher do último ano (45%) as vítimas não tomaram nenhuma atitude após os casos de agressão, seja por medo de represália ou por achar que não era algo tão grave. Ao mesmo tempo, 17,3% delas procuraram auxílio da família e 15,6%, de amigos. A parcela de vítimas que foram até Delegacias de Defesa da Mulher relatar o ocorrido subiu: foi de 11,8%, há dois anos, para 14%, no estudo de agora.

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“É positivo que as mulheres estejam buscando mais ajuda, que estejam reportando essa violência que ficou oculta”, diz a promotora de Justiça Silvia Chakian, coordenadora da Ouvidoria da Mulher do Ministério Público do Estado de São Paulo (MP-SP). “Mas é preciso também pensar que as delegacias não são a única forma de se buscar ajuda.”

A promotora afirma que, culturalmente, é comum achar que a saída para violência contra a mulher está exclusivamente em procurar delegacias, mas é preciso ir além. “A gente tem um desafio de tornar conhecidas as outras formas de busca por ajuda, como os centros de referência da mulher, de cidadania da mulher, e equipamentos, em geral, que compõem a rede de atendimento”, afirma.

Esses espaços, segundo Silvia, podem fornecer apoio às vítimas e prepará-las para romper relações violentas. “Para muitas mulheres, denunciar o agressor pode significar ir para a rua, não ter onde morar. Então essas políticas precisam funcionar de forma articulada”, afirma. Segundo ela, enquanto a violência contra homens normalmente acontece em espaços públicos, as agressões contra a mulher se dão dentro de casa – no ano passado, esse foi o retrato de 53,8% dos casos, segundo a pesquisa.

“Elas (as violências) têm um caráter de habitualidade, se repetem no tempo. São vários episódios geralmente, e por parte de conhecidos”, diz. A promotora afirma que há um desequilíbrio de forças nos papéis historicamente atribuídos a homens e mulheres na sociedade, o que faz os agressores se sentirem no direito de agredir. Com o avanço da Lei Maria da Penha, isso perdeu força, mas ainda continua em muitos lares.

Perfil das vítimas

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“Nenhuma mulher está imune à violência. Porém, é importante ressaltar que a intersecção de marcadores sociais, como raça e classe, vão reservar a determinadas mulheres uma situação ainda mais desfavorável”, diz a promotora. A pesquisa aponta que as maiores vítimas de violência no último ano foram as mulheres pretas e pardas, alvos de 45% dos casos de agressão. As mulheres brancas correspondem a 36,9% dos episódios.

No total, 73,7% das agressões contra mulheres no último ano foram praticadas por pessoas conhecidas. Em 31,3% dos casos, eram ex-parceiros das vítimas, ante 18,1% na pesquisa de 2021. Em 26,7% dos episódios, os agressores eram companheiros atuais dos alvos, ante 25,4% na edição passada.

Com cerca de 20 minutos de duração, as entrevistas foram realizadas mediante aplicação de questionário estruturado em 126 municípios de portes variados, de 9 a 13 de janeiro deste ano. A pesquisa quantitativa teve abordagem pessoal dos entrevistados em pontos de fluxo populacional. A amostra total foi de 2.017 entrevistas, permitindo a leitura dos resultados pelas regiões Sudeste, Sul, Nordeste e Norte/Centro-Oeste. A margem de erro para o total da amostra é de 2,0 pontos, para mais ou para menos.

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Quando projetados para o universo da população feminina, os resultados encontrados no estudo indicam que 27,6 milhões de mulheres, 43% da população feminina, já sofreram alguma forma de violência provocada por parceiro íntimo ao longo da vida no Brasil. Além das violências física (que atingiu 24,5% das mulheres) e sexual (21,1%), esse recorte também inclui a psicológica (32,6%).

Manifestação contra a violência contra mulheres no Brasil. Foto: Sergio Moraes/Reuters - 6/6/2016

São Paulo

Em São Paulo, uma novidade criada foram as Salas de Delegacia da Mulher (DDM) 24 horas. Esses espaços foram instalados em delegacias de cidades que não têm DDM com o objetivo de permitir que a vítima seja atendida remotamente por delegados especializados. Os profissionais ficam de plantão, geralmente a partir de delegacias da capital.

Hoje, são 77 salas desse tipo espalhadas em plantões policiais do Estado. “Há um projeto para que isso vá para mais municípios. Acredito que, até o final do ano, a gente consiga atingir 144 municípios, além das DDMs físicas”, diz a delegada Jamila Jorge Ferrari, coordenadora das Delegacia de Defesa da Mulher de São Paulo. As salas começaram a ser implantadas em março do ano passado.

“Havia uma demanda por atendimento especializado em todos os municípios que têm plantão policial, porque a mulher pode se sentir desencorajada ao chegar na delegacia, tem medo, quer voltar para casa. Então a Polícia Civil desenvolveu esse projeto”, afirma a delega. Além dessas salas, o Estado conta hoje com 140 Delegacias de Defesa da Mulher (DDM). Delas, 11 funcionam 24 horas por dia de forma presencial.

O Estado de São Paulo registrou alta de estupros em janeiro deste ano, segundo dados divulgados nesta semana pela Secretaria de Segurança Pública. O total de casos saltou 14,9% – foram de 921, no primeiro mês do ano passado, para 1.058, no período mais recente.

“A violência contra mulher é um ciclo”, diz Jamila. Segundo ela, estudos mostram que muitas vezes os crimes letais são antecedidos por agressões rotineiras. “Aí a importância de registrar boletim de ocorrência diante do primeiro sinal de ocorrência. Foi humilhada, foi xingada, faça boletim de ocorrência. A gente consegue, com isso, pedir medida protetiva, monitorar a vítima e tentar evitar que não escale para crimes mais graves.”

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