Vacina contra HIV/aids ? particularidades

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Por Vicente Amato Neto e Jacyr Pasternak
Atualização:

A infecção pelo HIV/aids é o tipo de evento que requer vacina preventiva. Estamos cansados de saber que trabalhar com preservativo e mudança de condutas não basta para prevenir a disseminação dessa grave virose. Seria muito interessante e útil contar com vacina terapêutica a ser ministrada em infectados para prevenir ou atrasar a evolução para a doença franca.Há aspectos éticos importantes e complexos no estudo da modalidade preventiva. Na terapêutica não são tão críticos, dá para trabalhar com o clássico modelo de estudo cego randomizado, dividindo aleatoriamente os pacientes, após o devido consentimento informado, em dois grupos: um que toma a vacina e outro que não, sendo então comparada a evolução de ambos. No caso de vacina profilática a coisa é mais complexa: o ensaio não pode levar a que a pessoa, por se achar protegida, fique exposta ao vírus. Isso significa que esse modelo deve ser executado eticamente, após todos os sujeitos da pesquisa serem devidamente informados e educados para não se arriscarem, mas contando com a famosa natureza humana: alguns vão fraquejar e aventurar-se... Como a maioria de pessoas informadas e lógicas não vai desproteger-se, serão precisos número muito grande e comparações por fases mais longas até concluir se a vacina testada funciona ou não.Vacinas contra retrovírus essencialmente inexistem no momento, incluindo o HIV e os vários outros que causam infecções em animais. Eles têm enorme capacidade de variação, pois na replicação não corrigem os erros de transcrição do seu RNA. O local de ligação do vírus no receptor é muito bem protegido e pouco acessível a anticorpos. Há poucas vacinas com serventia quando a infecção natural não dá imunidade, e o HIV permite infecções por mais de uma cepa viral, ou seja, não defende contra outros vírus HIV.Até este ano ocorreram diversas tentativas vacinais fracassadas, mas agora foi divulgada a obtenção da primeira (na verdade, o uso simultâneo de duas vacinas) que propiciou alguma proteção. O conseguido, porém, é pouco: apenas 30% de auxílio, que, vale não esquecer, configura algo mostrando possibilidade de sucesso. Estamos no começo de um longo caminho: até a devida concepção, a testagem em campo, a avaliação em populações etnicamente diferentes e a confirmação da segurança há tarefa para os próximos 20 anos, no mínimo. Mesmo neste primeiro resultado bem-sucedido a diferença de infecções entre vacinados e não-vacinados é pequena. Qualquer estaticista demonstra que com um pouco mais de casos no grupo vacinado ou um pouco menos de infectados no não-vacinado a significância estatística desapareceria. Importante reforçar que explicação estatística com p menor que 0.05 quer dizer, em termos práticos, que a chance de ocorrer por acaso aquele resultado se situa abaixo de 1 em 20 - o que não mostra em absoluto que isso não possa acontecer por pura perversidade do acaso.Gostaríamos de fazer nossas as opiniões de Anthony Fauci: aprendemos muito do funcionamento do sistema imune, principalmente depois que apareceu a infecção pelo HIV, mas ignoramos muito mais e os conhecimentos necessários para obter vacina efetiva para infecção por esse vírus exigem aprofundamento quanto aos mecanismos de defesa e seus detalhes biológicos, celulares e moleculares. O sistema imune é muito complexo - talvez tanto, em alguns aspectos, quanto o nervoso. Também é de memória que trabalha com princípios, além de lógicas completamente diferentes das pertinentes ao sistema nervoso e a comunicação entre ambos, que deve existir, é ainda mais complicada para ser analisada e compreendida. O investimento em pesquisa básica é tão ou mais importante do que em investigações propriamente clínicas. É por meio dele que será possível chegar à lógica da solução de produzir vacinas profiláticas ou terapêuticas. Não é que não se deva seguir tentando dentro do que já conhecemos: de repente dá sorte e encontramos alguma coisa prestimosa.Sorte, porém, acontece muito de vez em quando na história da medicina e quando sobrevém tem vínculo com pessoas preparadas para perceber o que está ocorrendo. Como se deu com Jenner, que antes de se conhecerem microrganismos como causa de doenças percebeu que as moças que ordenhavam vacas com a varíola da vaca eram imunes à varíola humana e, a partir daí, desenvolveu a única vacina que extinguiu, na natureza, a enfermidade contra a qual protege. Não cremos que ocorra sucesso dessa natureza no caso da vacina contra a infecção pelo HIV e toda a sua complexidade. Essencialmente, todas as vacinas "fáceis" de criar já foram feitas, e agora desejamos as que precisam de mais informação biológica para se viabilizarem. Estamos animados com a perspectiva de alguma vacina contra a infecção pelo HIV e cremos ser possível obtê-la, mas num futuro não muito próximo.Impõe-se frisar que as modalidades de prevenção da infecção pelo HIV têm sido apenas parcialmente eficazes, mesmo em lugares onde há esforço para divulgá-las. A aids é controlada bastante parcialmente, até onde há interesse de gestores de saúde pública e alguma estrutura para enfrentar o mal. Todavia, em relação a certos ambientes, afigura-se correto admitir que a situação beira o descontrole. Programas de redução de riscos, viáveis, ainda são insuficientes, se bem que apoiáveis hoje. Convém igualmente usar de criatividade para ampliação do que se recomenda agora.A propósito de doença infecciosa e transmissível, quando os fatores influentes são vários ou de implantação difícil, a profilaxia eficaz esbarra em obstáculos. Citamos como exemplos mais conhecidos, berrantes, a dengue e a malária. Daí sonhar com vacina para coibi-las. Disseminação por relacionamento sexual, com frequência irresponsável, ou por toxicômanos desobedientes é forte empecilho se considerado o HIV. Portanto, que surja vacinação valorosa e dotada de indispensável respaldo científico no confronto com o HIV. Assim poderemos parar de implorar por mudanças de comportamento. Vicente Amato Neto e Jacyr Pasternak são médicos e professores universitários

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