Vale assina acordo de R$ 37,6 bi por danos causados em Brumadinho

Mineradora pagará indenização ao poder público pela tragédia que matou 272 pessoas em janeiro de 2019. O valor a ser pago vinha sendo o entrave para o acerto

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Por Leonardo Augusto

BELO HORIZONTE - Dois anos depois do rompimento da barragem de Córrego do Feijão, da Vale, em Brumadinho, na região metropolitana de Belo Horizonte, a mineradora fechou nesta quinta-feira, 4, acordo na Justiça de Minas Gerais para pagamento de indenização ao poder público pelos danos causados na tragédia, que matou 272 pessoas. A mineradora se comprometeu a pagar R$ 37,68 bilhões.

O rompimento da barragem ocorreu em 25 de janeiro de 2019. A partir de outubro de 2020, uma série de reuniões foi realizada entre as partes buscando evitar que o processo se encaminhasse para sentença, sem sucesso. As negociações começaram nessa época porque foi quando ficaram prontos projetos para uso dos recursos a serem pagos de indenização.

As famílias das vítimas de Brumadinho não foram incluídas formalmente nas discussões da proposta. Foto: Douglas Magno/ AFP

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No último dia 21 de janeiro, o governo de Minas deu as negociações por encerradas, mas informou que aceitaria uma proposta da empresa até 29 de janeiro. Na mesma data, porém, a Justiça deu mais 15 dias para um acordo. No dia 3, o governo anunciou a audiência desta quinta-feira, com a possibilidade de assinatura do termo.

O procurador-geral da República, Augusto Aras, o governador de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo) e o diretor jurídico da Vale, Alexandre Silva D'Ambrosio, assinaram o acordo. Segundo Aras, foi encontrada "uma solução para um grande problema".

Conforme Zema, "não é possível mudar o passado, mas podemos melhorar o futuro". "Acordo é inédito porque foi construído, não foi uma decisão jurídica. Todos foram ouvidos", afirmou. "Estamos usando essa reparação para o povo mineiro, e não para o caixa do Estado".

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O valor a ser pago era o entrave para o acerto. A ação do Estado, da qual participam ainda o Ministério Público Federal, o Ministério Público Estadual e a Defensoria Pública, pedia R$ 54 bilhões de indenização. A Vale queria pagar R$ 21 bilhões. O valor subiu e, antes de atingir o patamar fechado nesta quinta-feira estava em R$ 28 bilhões. 

O processo envolve ressarcimento por perdas tributárias, destruição de infraestrutura e danos morais coletivos. Não estão incluídas no processo indenizações pessoais. O governo reclamava que só em relação a tributos a perda com a tragédia foi de R$ 10 bilhões. Projetos para aplicação dos recursos já estão prontos. 

O governo de Minas afirma que dos R$ 37,68 bilhões vai gastar R$ 9,17 bilhões em programas de transferência de renda, R$ 4,7 bilhões em reformas em escolas e postos de saúde ao longo do Paraopeba, rio atingido pela lama que desceu da barragem ao se romper, R$ 6,55 bilhões para saneamento básico nos municípios atingidos, R$ 2,055 bilhões para captação de água para a Grande Belo Horizonte, R$ 4,95 bilhões em estradas e ampliação do metrô da capital, e R$ 4,37 bilhões para melhoria de hospitais e R$ 5,89 bilhões em medidas emergenciais.

Movimento é contrário a termos do acordo

O representante do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), Joceli Andrioli, é contrário ao fechamento do acordo nos termos acertados e afirma que a entidade pretende recorrer. O dirigente defende que o valor a ser pago deveria ser o pedido inicialmente, de R$ 54 bilhões.

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Os atingidos, que fizeram manifestação na porta do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) durante a audiência desta quinta, não foram incluídos nas negociações. "Sem a nossa presença o Estado perdeu força nas conversas com a Vale. A empresa só funciona com pressão popular", declarou. Na manifestação foram colocadas faixas contra a empresa. "Vale criminosa: dois anos de impunidade e violação de direitos" e "Vale e Estado fazem acordo injusto e violam direitos dos atingidos", diziam.

Atingidos fizeram manifestação na porta do Tribunal de Justiça de Minas Geraisdurante a audiência desta quinta-feira, 4 Foto: Leonardo Augusto/ESTADÃO

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A advogada Ísis Táboas, da coordenação geral da Aedas Paraopeba, que presta serviço de assessoria para atingidos pelo rompimento, tem o mesmo posicionamento do MAB. "Esse acordo desrespeitou os princípios constitucionais de publicidade e transparência e o princípio consagrado internacionalmente da centralidade do sofrimento das vítimas. As vítimas não foram ouvidas e estão aqui, do lado de fora do tribunal, denunciando a sua não participação", disse.

Acordo não impede reparações individuais

Durante as negociações para o fechamento do acordo foi acertado entre as partes que o termo assinado nesta quinta-feira, 4, não prejudica direitos individuais das pessoas atingidas pelo rompimento. Segundo o governo de Minas, famílias que já fizeram ou propuseram acordos, ou que ainda pretendem acionar a Justiça por danos pela tragédia, continuam com esse direito assegurado e terão acompanhamento da Defensoria Pública e do Ministério Público.

“Esse recomeço firmado por esse acordo aumenta a nossa responsabilidade. Estamos preparados para o trabalho que virá pela frente. A Defensoria continuará de portas abertas para acolher todos os atingidos e que a gente possa construir soluções”, afirmou o defensor público-geral, Gério Patrocínio.

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O monitoramento e fiscalização do acordo cabe às partes que firmaram o acordo, como o Ministério Público Federal (MPF), a Defensoria Pública e o Ministério Público do Estado de Minas Gerais (MPMG), com o apoio de auditorias independentes, segundo o governo do estado.

Dos R$ 37,6 bilhões, R$ 4,4 bilhões serão utilizados em um programa de transferência de renda que prevê pagamento de um auxílio emergencial para os atingidos. Ainda não há decisão sobre o valor a ser pago e sobre quantas pessoas receberão ajuda financeira.

"Os novos critérios para o pagamento do auxílio (quem vai receber, quanto será o valor mensal, quanto tempo ele vai durar etc.)serão construídos com participação das próprias comunidades atingidas, em conjunto com o Ministério Público e a Defensoria Pública, e apresentados ao Juízo", diz o governo de Minas, em comunicado.

Não há um prazo específico para o fim da utilização dos recursos que, conforme o governo do estado, não irão para o caixa do Poder Executivo, ou seja, não poderão ser usados para pagamento de salários de servidores, por exemplo. Editais para obras começarão a ser publicados nos próximos dias.

O valor do acordo fechado nesta quinta-feira entre governo e Vale em Belo Horizonte equivale a mais de duas vezes o rombo nas contas públicas de Minas Gerais em 2021, de R$ 16,2 bilhões. Conforme proposta orçamentária aprovada pela Assembleia Legislativa de dezembro, as receitas do estado para o ano que vem serão de R$ 105,7 bilhões, com despesas estimadas em R$ 121,9 bilhões.

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Reparação é compromisso da empresa, diz Vale

Em comunicado, a mineradora disse que a reparação dos danos causados pelo rompimento da barragem em Brumadinho é um compromisso da empresa.

"A Vale está determinada a reparar integralmente e compensar os danos causados pela tragédia de Brumadinho e a contribuir, cada vez mais, para melhoria e desenvolvimento das comunidades em que atuamos.Confiamos que este acordo global é um passo importante nessa direção.Sabemos que temos um caminho a percorrer e seguimos firmes em nosso propósito, alinhado com nosso Novo Pacto com a Sociedade", disse o diretor-presidente da Vale, Eduardo Bartolomeo, no comunicado.

"Pela governança estabelecida no acordo, a quitação das obrigações previstas se dará de duas formas: mediante o pagamento dos compromissos, com valores e cronograma definidos para projetos geridos pelo Estado de Minas Gerais e Instituições de Justiça; e mediante a conclusão, pela Vale, de projetos pré-definidos no acordo, que incluem principalmente os projetos de reparação socioambiental", afirmou o Luiz Eduardo Osorio, diretor-executivo de Relações Institucionais, Sustentabilidade e Comunicação da Vale.

"O compromisso da Vale é promover uma reparação integral dos danos causados pelo rompimento da Barragem B-1. Nesse sentido, o acordo contempla inúmeras medidas de reparação, desde ações para atenuar o sofrimento das pessoas e comunidades, até projetos para fomento econômico da região e melhoria da infraestrutura. Muitas iniciativas continuarão a ser implementadas pela própria Vale, enquanto outras ficarão a cargo do Estado e suas instituições, com recursos providos pela Vale", declarou o diretor especial de Reparação e Desenvolvimento da Vale, Marcelo Klein.

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Acordo de Brumadinho é diferente das trativas em Mariana

O acordo fechado pela Vale e o governo de Minas em relação a Brumadinho é diferente do elaborado em relação a outra tragédia envolvendo a Vale, o rompimento da barragem de Fundão, em Mariana, em 2015, que matou 19 pessoas, destruiu o distrito de Bento Rodrigues e poluiu todo o curso do Rio Doce e parte do litoral do Espírito Santo, onde deságua.

O acordo para a tragédia em Mariana, fechado entre os governos do estado e federal, a Samarco, dona da barragem, a Vale e a BHP Billiton, controladoras da Samarco, previu a criação de uma fundação, a Renova, que, conforme integrantes do Ministério Público Estadual, sofre forte influência das mineradoras em suas decisões.

O conselho curador da entidade, que tem "a competência de aprovar os planos, programas e projetos propostos pela Diretoria Executiva da Fundação Renova", conforme consta no site da organização, seis de um total de nove integrantes são indicados "pelas empresas mantenedoras". Três pela BHP e três pela Vale. No acordo para Brumadinho, o Estado será o repassador dos recursos a serem transferidos pela mineradora.

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