Jairo Marques tem a habilidade de ser ácido, crítico, agradável e magnético, tudo ao mesmo tempo. A fala mansa, com voz suave e cadenciada, produz comentários poderosos, em intervalos de respiração profunda e espaço para risadas honestas.
Essa quantidade de características transborda em seus textos. Jairo é colunista, blogueiro e comanda a editoria 'Vida Pública' da Folha de S. Paulo.
Também é escritor de livros. O primeiro surgiu em 2016, ‘Malacabado: a História de um Jornalista Sobre Rodas’ (Editora Três Estrelas), uma corajosa autobiografia, na qual ele escancara as situações que já enfrentou por causas externas e pelas próprias atitudes e decisões.
Agora, lança 'Crônicas para um mundo mais diverso' (Editora Senera), uma coletânea de histórias sobre pluralidade, convivência, amor e respeito.
São 100 textos, entre escritos exclusivos e artigos publicados na Folha nos últimos dez anos.
Em entrevista ao blog Vencer Limites, o jornalista fala desse novo trabalho, das dores revisitadas, da invisibilidade e das muitas diversidades.
blog Vencer Limites - Sobre o que você escreveu neste novo livro?
Jairo Marques - Neste livro, escrevi sobre alternativas para as pessoas pensarem a respeito de vivências, sobre a vida do velho, da criança, da pessoa com deficiência, sobre as vidas diversas. Convido o leitor a fazer reflexões da diversidade, talvez, de um ponto de vista que não tenha imaginado, pensado. Esse livro tem um pouco das minhas vivências, das minhas experiências, mas também das minhas percepções do mundo, do meu convívio com outras diversidades, com a criança, com o velho, com o gay. São os meus olhares sobre as vidas possíveis, as vidas plurais.
blog Vencer Limites - O que você observou nas outras diversidades?
Jairo Marques - Vi que falamos quase nada e entendemos menos ainda, por exemplo, a respeito da vida dos velhos, das crianças, das pessoas com deficiência intelectual. Há um abismo de entendimentos, de proximidades e até de tentativa de convivência mais harmônica, mais empática. Acho que, em vários textos, tento provocar o pensamento sobre a necessidade de ampliarmos nossas cercas de vivência.
blog Vencer Limites - Por que há essa invisibilidade dentro de um universo que já é invisível? Os representantes dessas diferentes diversidades não se enxergam?
Jairo Marques - A gente não conseguiu ainda entender com exatidão que defender a diversidade é defender pessoas plurais e não apenas um grupo que empunha essa ou aquela bandeira. Embora algumas lutas sejam seculares e faça sentido haver, talvez, mais urgência em suas demandas, os prejuízos humanos são distribuídos de maneira igual e no nosso tempo. Não acho que precisamos entender todas as especificidades humanas e suas diferenças, mas é importante ampliar o conceito do diverso para além do negro, da pessoa trans ou do cadeirante. Somos um conjunto à margem e queremos nadar, respirar e sermos vistos como somos.
blog Vencer Limites - O livro é fruto de observação ou inspiração?
Jairo Marques - Tem observação, tem vivência, tem prática, tem troca com outras pessoas, tem estudo, tem inspiração e tem também piração. Há um diálogo silencioso, uma troca constante, entre quem vive em grupos minorizados. Sou uma espécie de tradutor não autorizado do mundo diverso.
blog Vencer Limites - Qual é a sua avaliação, opinião, crítica a respeito da valorização desse tipo de conteúdo, na imprensa, na literatura, na publicidade, no entretenimento, na novela, no teatro, no cinema?
Jairo Marques - Ainda é uma luta inglória, sobretudo quando falamos da pessoa com deficiência. Claramente, digo isso trabalhando num grande jornal e com algum conhecimento de mídia, a nossa questão é 'menor' e vista de maneira extremamente estigmatizada. Há alguns ungidos pelo humor, pela beleza, pelo tom assistencialista que adota e só. Não vejo tudo de forma pessimista. Tenho visto muito mais propagandas que lançam mão de cadeirantes por esses tempos, isso é muito legal, é resultado de barulho, mas, na literatura, por exemplo, há um abismo de representação e de reconhecimento.
blog Vencer Limites - Como atrair a atenção e o interesse de quem está fora da bolha da diversidade, principalmente das pessoas com deficiência, e incentivar o transporte desse conhecimento para fora dessa bolha?
Jairo Marques - As pessoas estão olhando de várias maneiras, algumas, na dor. A sociedade avançou e hoje, ser capacitista, que é ser preconceituoso contra a pessoa com deficiência, é crime e ações criminosas repercutem. O eco de ações inclusivas demora a soar, mas tem chegado em vários cantos. Eu escrevo sobre calçada esburacada há 20 anos e elas persistem, mas já vejo mais gente cobrando acessibilidade. Penso que estamos num momento com muita gente gritando, então, de alguma forma, as bolhas têm sido rompidas.
blog Vencer Limites - Seu primeiro livro foi uma autobiografia, com a revisita de histórias pessoais, o que pode ser doloroso. Neste segundo livro, você faz reflexões sobre temas do seu cotidiano, mas também relembra de momentos particulares. Nos dois trabalhos, esse ofício causa sofrimento? A resposta dos leitores encerra esse sofrimento ou cria novas dores?
Jairo Marques - Há passagens que são bem dolorosas, sim, mas tenho consciência que a gente também passa conhecimento e faz pensar com o padecimento. Por outro lado, também celebro bastante no livro, também respiro junto com conquistas sociais, com histórias que não são minhas, mas me foram emprestadas. O livro tem poucos dias de vida e tenho recebido retornos que me acolhem de uma maneira fantástica. A mensagem, quando ganha olhares para além da do escritor, se enriquece demais. Sou muito próximo do meu público e gosto de ser, tenho de ser, então, essa troca é um valor inequívoco.
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