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Diversidade e Inclusão

Juiz afirma que recusar transporte de cão-guia é "mero dissabor cotidiano"

Relator de ação no TJSP entendeu que jovem cego impedido de entrar em carro da Uber não sofreu abalo moral e não merece indenização.

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Foto do author Luiz Alexandre Souza Ventura
Câmera de segurança registrou carro da Uber com as portas fechadas para Darley de Oliveira e a cadela Clark.  


Um juiz afirmou em despacho que a recusa de um motorista da Uber de transportar um cão-guia é "mero dissabor cotidiano" e que a situação vivenciada pelo jovem com deficiência visual que havia solicitado o veículo "não lhe retirou a paz, o sossego e afetou sua dignidade como pessoa humana".

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A argumentação está nos autos de uma ação ajuizada em 2020 pelo administrador Darley de Oliveira, que é cego e estava acompanhado pela cadela Clark, um cão-guia, ao pedir um carro da Uber para ir à uma sessão de fisioterapia, mas o motorista se recusou a abrir as portas do veículo, não permitiu a entrada do passageiro com a cachorra e foi embora.

Darley conseguiu filmar o momento da recusa e uma câmera de segurança do prédio onde ele morava gravou a situação. Com as imagens e as informações do aplicativo, o jovem denunciou o motorista à polícia por crime previsto na Lei Brasileira de Inclusão (n° 13.146/2015) e ajuizou a ação.

Em 2022, o juíz Sang Duk Kim, da 7ª Vara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, condenou a Uber do Brasil e o motorista ex-parceiro do aplicativo a pagarem uma indenização por dano moral a Darley de Oliveira.

A empresa recorreu e obteve decisão favorável do juiz Rodolfo Pellizari, da 24ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, que derrubou a indenização.

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O blog Vencer Limites teve acesso à íntegra da decisão que aluna a condenação, na qual o magistrado argumenta que "as provas documentais e as imagens do dia do evento não foram suficientes para comprovar o abalo moral sofrido. E em momento algum testemunhas comprovam que a situação vivenciada Ihe retirou a paz, o sossego e afetou sobremaneira a sua dignidade como pessoa humana. Em verdade, ao que tudo indica, se tratou de um mero dissabor cotidiano, que se passou em três minutos da vida do autor. Isso porque, tão logo ocorreu a recusa do corréu em fazer a corrida, a situação já foi solucionada por um novo pedido cadastrado no mesmo aplicativo da Uber, sendo que o condutor aceitou a chamada no mesmo minuto", destacou o juiz.

O magistrado justifica a decisão ao ponderar que "não se pode descurar que, de fato, muitas pessoas têm medo de animais de estimação, seja de pequeno, médio ou grande porte, como era o caso concreto (Golden Retriever). Podem também apresentar alergias ou restrições de saúde que impeçam sua permanência com animais, o que, por si só, não enseja penalidade, quiçá configura ato ilicito. É preciso respeitar a peculiaridade de cada ser humano visto em si, em seu ambiente, e com suas restrições fisicas e psíquicas".

O juiz também alega que "assim como o autor deve ser respeitado e tratado com equidade e urbanidade perante os demais, o motorista corréu também o deve ser, não podendo sofrer sanções desmedidas em decorrência de uma limitação psíquica que o impede de conviver com cachorros. Anote-se que o motorista corréu teve o cuidado de estacionar o carro e informar ao autor que não realizaria a corrida por conta do cachorro, agindo com boa-fé. Caso contrário, bastaria passar direto pelo passageiro acompanhado de seu cão-guia, sem parar para dar satisfação, cancelando posteriormente a viagem no aplicativo".

Darley de Oliveira lamentou a decisão. "É uma diminuição do meu direito de acesso com o cão-guia. Já fui impedido muitas outras vezes. Agora, se todo motorista disser que tem alergia, ninguém mais vai me atender".

A advogada Diana Serpe, especialista em direitos das pessoas com deficiência, representante de Darley de Oliveira na ação, informou ao blog Vencer Limites que vai recorrer da decisão.

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"Vamos ao STJ sim. Os argumentos do senhor juiz, infelizmente, autorizam a discriminação da pessoa com deficiência, apesar da existência de lei municipal, estadual e federal, especialmente a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (n° 13.146/2015), que garantem o acesso do cão-guia e o direito à acessibilidade como um todo", esclarece a advogada.

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"Imagine o reflexo dessa decisão, com esses argumentos, na sociedade. A discriminação da pessoa por sua deficiência já é um dano moral. Uma pessoa cega que usa cão-guia tem nesse recurso uma necessidade básica, não se trata de um animal de estimação, mas de uma ferramenta de acessibilidade e de segurança", observa Diana Serpe.

O blog Vencer Limites pediu posicionamento ao TJSP sobre as afirmações do juiz Rodolfo Pellizari.

"O Tribunal de Justiça não se manifesta sobre questões jurisdicionais. Os magistrados têm independência funcional para decidir de acordo com os documentos dos autos e seu livre convencimento. Essa independência é uma garantia do próprio Estado de Direito. Quando há discordância da decisão, cabe às partes a interposição dos recursos previstos na legislação vigente", declarou a Diretoria de Comunicação Social do TJSP.


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