
Há uma mãe de duas crianças com deficiência abandonada em Ibaté, no interior de SP, assim como muitas outras em todos os cantos do nosso País.
Mulher negra, de 37 anos, tem dois filhos com deficiência intelectual. Separada do pai dos dois meninos, recebe pensão do ex-marido, o valor é menor do que 30% de um salário mínimo.
A criança mais nova, autista, frequenta escola municipal, mas não recebe qualquer atendimento especializado, nenhum outro aluno com deficiência da unidade recebe.
No começo deste ano, em 22 de janeiro, a Justiça determinou esse atendimento especializado, obrigação prevista em lei, mas a Prefeitura desobedeceu a ordem e apresentou recurso.
Um mês depois, em 29 de fevereiro, essa mãe foi chamada na escola e obrigada a levar para casa o filho autista porque, disse a diretora do colégio, o menino havia ofendido um professor homossexual. Segundo o docente, a criança o chamou de "v**** que dá o **". Um boletim de ocorrência foi registrado pela internet alguns dias depois e o caso é apurado na única delegacia da cidade.
Naquele dia o menino foi para a escola em jejum porque não deu tempo de tomar café da manhã. Quantas mães conhecem esse cenário? A solução foi comprar um pacote de bolachas e um refrigerante para comer no intervalo, mas a criança estava com fome e, impedida de se alimentar, autista, sem atendimento especializado, teve uma crise. Não havia quem soubesse ou quisesse ajudar.
O aluno ficou dez dias afastado. Nesse período, a mãe questionou a situação e, conforme áudio recebido no WhatsApp, enviado pela diretora da escola, teria de aguardar uma decisão do conselho escolar.
Ela não recebeu nenhuma informação oficial, não participou de nenhuma reunião, não teve acesso ao boletim de ocorrência e nem a outros documentos, foi transferida para trabalhar na mesma escola onde o filho estuda e onde leciona o professor que acusou a criança autista de homofobia.
A mãe não tem nenhuma comprovação documentada sobre as acusações impostas a seu filho autista. Tudo é verbal, dito pelos acusadores, nada está escrito, fotografado, filmado ou gravado. "Toda vez é meu filho", diz.
Quem decide apoiar a família é advertido. No WhatsApp, uma professora chama a criança autista de "perigosa" e repreende um morador. "Não coloque tua mão no fogo pelo -- porque vc se queimará inteiro", escreve a docente.
Três reportagens publicadas aqui no blog Vencer Limites e o episódio 131 da coluna Vencer Limites na Rádio Eldorado trazem os detalhes desse caso.
A Prefeitura de Ibaté permanece em silêncio, apesar dos vários pedidos de posicionamento solicitados pelo blog Vencer Limites. É a mesma estratégia usada com a mãe atípica, negra, que está abandonada e tem seus direitos ignorados pela administração pública, pelas autoridades de segurança, pela Secretaria de Educação, pela escola.
Pior, a mãe enfrenta pressão da própria família e da cidade, teme represálias e a perda do emprego.
Nas redes sociais, todo tipo de julgamento é constante. Embora famílias de gente com deficiência, principalmente de crianças autistas, saibam que a batalha de Samara Vizzotto não é inédita, muito menos recente, as definições superficiais a respeito do menino, de 8 anos, autista, sem atendimento especializado, pobre, preto e com fome, já estão concluídas, feitas à distância, no escuro, sem provas, sem estudo, sem conhecimento, sem uma linha de argumentação, apenas a certeza absoluta de que crianças autistas pretas e pobres são agressivas e perigosas.
Enquanto isso, em Brasília, grupos favoráveis e contrários a intervenções de qualquer natureza dentro da sala de aula disputam a aprovação ou rejeição de um parecer, nada mais do que uma orientação, sobre esses métodos. Uma discussão interminável, regada a pressão, lobby, vaidades e a possibilidade de ganhar muito dinheiro.
Essa e muitas mães de crianças com deficiência - abandonadas e atacadas quando decidem defender seus filhos - está muito longe desse debate entre intelectuais da educação inclusiva, especial, especializada ou seja lá qual nome se queira usar.
Na última semana, no último mês, no último ano, na vida inteira, mães de crianças com deficiência jamais conheceram esses intelectuais, um cotidiano de quem é abandonado e atacado pela estrutura e pelos representantes de uma tal inclusão.
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