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A maioria das mulheres trans atendidas pelo Casarão Brasil Associação LGBTI, em São Paulo, foi expulsa da própria casa e viveu na rua por falta de apoio e aceitação familiar. É o cenário descrito em 46% dos depoimentos ao projeto que atua especificamente no acolhimento dessa população. Os números completos estão em relatório da instituição.
O equipamento funciona há 16 anos na capital paulista e tem apoio da Prefeitura, por meio da Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social, faz atendimento 24/7, garante moradia e cinco refeições por dia, com três meninas por quarto, em um antigo hotel que foi adaptado e reestruturado. Atualmente, enfrenta dificuldades e perda de patrocínio de multinacionais com sede nos EUA por causa do encerramento de práticas de diversidade, inclusão e equidade nas corporações e também por reflexo da onda crescente de conservadorismo em vários países, inclusive o Brasil.
"A maioria das pessoas acolhidas vem das regiões Norte e Nordeste, elas migram em busca de oportunidades. Apesar de todas as dificuldades, a cidade de São Paulo ainda oferece muitas possibilidades à população LGBT, principalmente para a população trans, por causa das políticas públicas e do programa municipal 'Transcidadania', que trabalha a elevação escolar e garante bolsa de um salário mínimo para a pessoa se locomover, usar transporte e ter alimentação, ir à escola e concluir o ensino fundamental e ensino médio, e procurar por uma carreira profissional", conta Rogério de Oliveira, coordenador do Centro de Cidadania LGBTI 'Cláudia Wonder' e presidente do Casarão Brasil Associação LGBTI.
Nesta quarta-feira, 29/1, Dia Nacional da Visibilidade Trans, a entidade lança o 'Calendário Trans', para ampliar o conhecimento e aprofundar discussões a respeito desse universo (clique aqui para fazer o download).
"Muita gente é jogada para fora de casa por causa da orientação sexual. Infelizmente, também pelo viés religioso, elas perdem o vínculo familiar e chegam aqui com uma mala ou apenas a roupa do corpo", diz Rogério de Oliveira. "Fazemos o acolhimento, damos formação, atendimento psicossocial, jurídico e pedagógico, com cursos de qualificação profissional".
Outro enfretamento da associação está relacionado ao consumo de álcool e ao uso de drogas. "É um problema real hoje na cidade de São Paulo, principalmente em relação à nossa população, por causa da solidão ou dessa ausência da família. As pessoas buscam outros refúgios, e a gente atua para reverter e mudar esse cenário", destaca o presidente da associação.
"Vivemos um momento extremamente conservador, empresas que antigamente nos apoiavam agora não apoiam. Todo dia é de sobrevivência, de luta. O Brasil, novamente, foi apontado no relatório da Antra (Associação Nacional de Travestis e Transexuais) como um dos países que mais matam a população de mulheres trans e travestis, mas ao mesmo tempo é o país que mais consome pornografia. Então, é importante hoje, dia da visibilidade, e o calendário vem para isso, mostrar esse cenário, mostrar essas pessoas que trabalham, pagam impostos, têm uma vida dedicada à escola e ao estudo", afirma Rogério de Oliveira.
Vulnerabilidade - O Casarão Brasil atende a população em situação de vulnerabilidade social. Muitas meninas, antes de chegarem ao projeto e receberem acolhimento, estavam na rua por causa da ausência do vínculo familiar. São Paulo tem outros equipamentos ligados à assistência social, mas Rogério de Oliveira ressalta que não é suficiente para a quantidade de pessoas que migram para a capital paulista. "Muita gente ainda está em situação de rua e tem dificuldade de ser inserida na escola, não tem acesso a questões básicas, alimentação e segurança pública, acaba sofrendo violência na rua por ser mulher travesti".
Educação - A associação faz um grande esforço para mudar esse cenário, principalmente pelo estudo, para que essa população consiga concluir o ensino médio, tenha acesso ao ensino superior e conquiste competitividade para uma vaga no mercado de trabalho. "A gente luta para que essas pessoas consigam tenham um salário digno, uma vaga CLT, para custear suas despesas básicas, pagar sua conta de luz, fazer o seu supermercado. Então, a ideia é que a gente consiga trabalhar a elevação escolar dessa população".
Retrocessos - Rogério de Oliveira avalia que as primeiras medidas do recém-empossado presidente dos EUA, Donald Trump, atingem com força a sustentabilidade do projeto. "Ele declara que não existe mais essa questão de gênero, só o masculino e o feminino. Então, a gente tem algumas empresas que são multinacionais, que apoiavam a entidade, e a gente sabe que, infelizmente, esse apoio não vai existir mais por causa das orientações da matriz que fica nos Estados Unidos. A gente sempre teve, na verdade, dificuldade de receber apoio da iniciativa privada, que nos procura no mês de junho, do orgulho LGBT, da parada, e quer sempre promover ações, mas esquece que a gente trabalha o ano todo, de janeiro a dezembro".
No final do ano passado, o Casarão Brasil iniciou uma campanha exatamente para destacar esse trabalho ininterrupto e incentivar que empresas se mobilizem e apoiem durante todos os meses.
"Essa onda de conservadorismo afetou diretamente nosso equipamento da Lapa, que recentemente perdeu um edital para uma entidade de direitos humanos com viés religioso que vai coordenar um equipamento LGBT no nosso lugar, um dos nossos principais serviços, de qualificação profissional e do programa Transcidadania, que é ligado à Secretaria de Direitos Humanos. Então, a gente perde esse principal apoio por causa dessa onda conservadora, além do apoio da iniciativa privada", completa Rogério de Oliveira.
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