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Diversidade e Inclusão

Médica especialista em autismo alerta para perigos após autorização da ozonioterapia

Episódio 101 da coluna Vencer Limites, que vai ao ar toda terça-feira, às 7h20, ao vivo, no Jornal Eldorado, da Rádio Eldorado (FM 107,3 SP).

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Foto do author Luiz Alexandre Souza Ventura


Raquel Del Monde é médica.  


Autistas e suas famílias são alvos constantes da indicação de pseudotratamentos e de práticas supostamente médicas, mas sem qualquer comprovação científica. Atualmente, essa abordagem tem sido feita nas redes sociais, com a publicação de falsos resultados para atenuar ou até eliminar sintomas e sequelas de mais de 150 condições e doenças. São páginas e perfis que propagam esse tipo de informação para atrair pessoas em busca de 'curas' e dispostas a pagar altos valores.

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Com a sanção na semana passada da Lei n° 14.648, que autoriza a ozonioterapia em todo o território nacional, publicada no Diário Oficial da União (DOU) em 4 de agosto, cresce a preocupação em torno da oferta dessa procedimento para autistas.

Em entrevista ao blog Vencer Limites e à coluna Vencer Limites na Rádio Eldorado, a médica Raquel Del Monde, pediatra e psiquiatra, fala sobre a aprovação da ozonioterapia, os perigos da aplicação desse produto e as promessas infundadas a autistas.

blog Vencer Limites - O que é a ozonioterapia?

Raquel Del Monde - A ozonioterapia consiste na utilização de uma mistura de oxigênio e ozônio, em proporções variáveis, que pode ser aplicada diretamente em mucosas, por meio de injeções intramusculares, indovenosas, dentro de articulação ou por insuflação retal.

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blog Vencer Limites - Qual é a função desse tratamento e suas indicações?

Raquel Del Monde - Dentro da área da medicina, nós não consideramos que existe indicação para o uso da ozonioterapia, porque não existe evidência científica de que promova um benefício para nenhum tipo de condição, nenhum tipo de patologia, e também porque nós não temos ainda o conhecimento acerca da segurança do tratamento, porque existem riscos variados de infecção, de necrose de um tecido, de ter que fazer uma amputação e até risco de morte. Então, dentro da medicina, nós não consideramos que a ozonioterapia tem indicação para nenhum tipo de condição ou patologia. Até o momento, é liberada para uso odontológico, em cáries, para procedimentos antissépticos, bactericidas e para apenas a assepsia em procedimentos estéticos.

blog Vencer Limites - Há uso, apesar dessas considerações, da ozonioterapia em crianças autistas?

Raquel Del Monde - Existem algumas práticas de pseudociência para o autismo, mas não são indicações formais e nem respaudadas pela ciência. São propostas de maneira escondida que prometem melhoras para vários tipos de condições neurológicas, dor crônica, autismo, doenças degenerativas, como Parkinson, mas não temos profissionais sérios que fazem uso dessas terapias. E os profissionais que hoje fazem uso delas e não estão autorizados pelos seus órgãos de regulação.

blog Vencer Limites - Qual cenário pode ser previsto a partir dessa autorização e aprovação do governo federal para a ozonioterapia?

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Raquel Del Monde - Essa autorização para o uso da ozonioterapia, válida para todo território nacional, está direcionado especificamente a profissionais que têm respaldo dos seus conselhos de regulação, de Odontologia, de Enfermagem, de Fisioterapia. Porém, a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) só autoriza realmente usos odontológico e estético. Não existe nenhum outro uso que seja aprovado. Não fica claro que esse uso está restrito a essas indicações aprovadas pela Anvisa. O mais complicado é que isso legitima a ozonioterapia como sendo terapia complementar com algum efeito. A partir do momento em que você tem a sanção de uma lei, que passa a vigorar no território nacional, para muitas pessoas essa autorização que, na verdade, é do âmbito político, legitima o uso profissional como se fosse algo aprovado. Muitas pessoas consideram a autorização da terapia um reconhecimento da eficácia e da segurança dessa terapia, e aí está maior problema, porque nós não temos esse reconhecimento pela comunidade científica.

blog Vencer Limites - Há efeitos colaterais, reações, algum problema relacionado à saúde que pode ser provocado pelo uso desta terapia de ozônio?

Raquel Del Monde - Com certeza. Existem muitos riscos associados à ozonioterapia, de reações alérgicas, de desencadear hemorragia em pessoas suscetíveis, de ser inalado e levar à destruição da mucosa respiratória, e até da morte. O gás ozônio é tóxico, instável, o uso fora das situações previstas pela Anvisa, em várias clínicas, não tem aprovação dos conselhos.

blog Vencer Limites - Quais argumentos são apresentados para justificar o gás ozônio em qualquer tipo de tratamento em autistas?

Raquel Del Monde - Como qualquer pseudociência, a ozonioterapia promete efeitos gerais. Por exemplo, anti-inflamatórios, de fortalecimento do sistema imunológico, não comprovados em nenhum estudo. Esses efeitos de caráter geral prometem a melhora do autismo como um todo. É um aproveitamento da vulnerabilidade das famílias que procuram soluções, da falta de orientação profissional segura, falta de resultados, a busca pelo resultado mais rápido, e a família acreditando nessas promessas. Uma das coisas que caracteriza toda pseudociência é justamente essa promessa de funcionar em qualquer quadro. Não existe nenhum tipo de intervenção séria que vai ter feito em diabetes, doença neurológica, doenças infecciosas, doenças degenerativas ou seja, quando a gente vê que uma terapia promete resultados para tantas condições com fisiopatologias totalmente diferentes, já é um sinal de que é uma prática de pseudociência.

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blog Vencer Limites - A senhora acredita que pode haver, partir dessa liberação, um crescimento desordenado de pessoas autistas tratadas com ozonioterapia e, por consequência, o crescimento também desordenado de sequelas desde tratamento?

Raquel Del Monde - Acredito, por dois motivos. Primeiro porque as pessoas confundem o que é uma decisão do âmbito político com reconhecimento da ciência, pensam que a lei legitima científicamente determinado procedimento. O segundo motivo é que muitos profissionais dessa prática aproveitam para divulgar que agora têm realmente essa autorização, como um indício de que a terapia funciona.

blog Vencer Limites - Qual alerta precisa ser feito para famílias de pessoas autistas, crianças, jovens, adolescentes, adultos, a respeito das indicações que podem vir a surgir em consultórios, de maneira geral, sobre ozonioterapia?

Raquel Del Monde - O mesmo alerta que fazemos a respeito de todas as outras terapias pautadas na pseudociência, como suplementações de vitaminas e minerais em altas doses, óleos essenciais e outras que entram nessa categoria. É importante a pessoa ficar muito atenta aos discursos sobre uma suposta conspiração para que os resultados de uma terapia não cheguem ao público leigo, de que estão escondendo resultados para que as pessoas continuem dependendo daquilo. Promessas que englobam resultados miraculosos não prometidos nas terapias convencionais, efeitos muito genéricos do tratamento, indicações muito genéricas. É preciso que as pessoas prestem atenção nesse sinais e procurem se informar, procurem um profissional de confiança para que elas possam assim esclarecer melhor as suas dúvidas antes de embarcar numa terapia que não tem resultados e que ainda pode colocar riscos sérios para a saúde.


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Raquel Guimarães Del Monde é formada em 1993 pela Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FMRP/USP), com especialização na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) em Pediatria (1996) e em Psiquiatria da Infância e Adolescência (2014). Foi coordenadora de saúde do grupo de trabalho da Cartilha de Autismo do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). É fundadora e diretora da Neurodiversos - plataforma de conteúdo, treinamento e capacitação de profissionais na avaliação e intervenção de transtornos da aprendizagem, desenvolvimento, TDAH e autismo -, além de palestrante, consultora, ativista e mãe atípica.


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