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Diversidade e Inclusão

Mulher com deficiência enfrenta discriminação e constrangimento para renovar CNH

Exame foi transferido do Poupatempo para clínica sem acessibilidade e documento não chegou na residência. "O médico perguntou qual era meu defeito".

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Foto do author Luiz Alexandre Souza Ventura
Poupatempo de Itaquera não fez exame para renovação de CNH de pessoa com deficiência.  


A jornalista Ciça Cordeiro, de 50 anos, mulher com deficiência que atua como consultora de diversidade e inclusão, enfrentou uma sequência de situações discriminatórias e constrangedoras para renovar a CNH. Ela não conseguiu fazer o exame no Poupatempo de Itaquera, na zona leste de São Paulo, teve o procedimento transferido para uma clínica sem acessibilidade, afirma ter sofrido humilhação diante do profissional de saúde e só obteve o documento um mês depois.

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Tudo começou quando ela acessou a página do Poupatempo. "Entrei no site para agendar a renovação da minha carteira, que venceria em 19 de abril, mas a única data disponível foi 19 de maio, dia do prazo de vencimento", diz.

Na data agendada, ela foi ao Poupatempo de Itaquera, onde diz ter sido informada de que o exame médico para pessoas com deficiência não era mais feito lá, mas em clínica conveniada. "Recebi essa informação da atendente e pedi para falar com a supervisora. Ambas foram gentis, mas afirmaram que lá não havia médicos habilitados para atender pessoas com deficiência e que essa mudança havia ocorrido em abril deste ano. Segundo a supervisora, agora apenas pessoas sem deficiência podem ser examinadas por médicos dentro das unidades", conta a jornalista.

"Achei um absurdo o Poupatempo não ter médicos para atender pessoas com deficiência, sendo que na CNH anterior eu fui atendida lá mesmo. Eu teria que informar o bairro onde moro e o sistema indicaria o local. Para que facilitar a vida das pessoas com deficiência se podem complicar? As pessoas que mais precisam têm que agendar outra data e ir em locais nada acessíveis para fazer o exame. Não havia nenhuma informação no site do Poupatempo de que o exame médico seria fora da unidade. Não vi essa informação em nenhum momento. Mesmo assim, teria que ir ao Poupatempo para atualizar todas as informações. Não há como ir direto na clínica sem passar pelo Poupatempo. Atualizei meu endereço e outros dados, além de cadastrar as digitais e tirar nova foto, e agendei para a semana seguinte na tal clínica", relata Ciça Cordeiro.

O blog Vencer Limites questionou o governo de SP, por meio das assessorias de imprensa do Poupatempo, do Detran e da Secretaria de Estado dos Direitos da Pessoa com Deficiência.

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Em resposta conjunta, por nota enviada pelo Detran-SP, o governo afirma que "todos os médicos credenciados ao órgão, sejam de clínicas ou atuantes nos postos do Poupatempo, devem realizar o atendimento de pessoas com deficiência, seguindo a resolução CONTRAN 927, de 28 de março de 2022".

O Detran-SP também destacou que "os médicos do Poupatempo Itaquera foram reorientados a fim de reforçar a necessidade de disponibilidade para o atendimento e a prestação de serviços dignos e adequados às pessoas com deficiência ou mobilidade reduzida".


Exame que deveria ser feito no Poupatempo foi transferido para clínica sem acessibilidade.  


"Qual é o seu defeito?" - O local indicado pelo Poupatempo foi a Clínica Água Rasa especializada em exames médico e psicotécnico, que fica na Rua Serra de Jairé, n° 1.270, no bairro Água Rasa, na região do metrô Belém.

"Um lugar caindo aos pedaços, de difícil acesso, sem acessibilidade, com mesas e computadores antigos e uma senhora no atendimento. Só ela e o médico", descreve a jornalista.

Além dos R$ 124,06 pagos no Poupatempo - R$ 113,06 da renovação e R$ 11,00 da postagem -, a consultora ainda desembolsou R$ 113,00 pelo exame médico na clínica.

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"Paguei e aguardei meia hora até ser chamada pelo médico. Entrei na sala e notei que ele também era pessoa com deficiência, o que é ótimo porque somos protagonistas, mas o que me incomodou profundamente foi ouvir a seguinte pergunta: 'Qual o seu defeito?'. Respondi com 'o senhor está me perguntando qual a minha deficiência, correto?'. Ele ficou sem graça. Eu estava com todos os meus exames e laudos, mas ele simplesmente respondeu: 'Não precisa'. Fiz exame de visão, de força e fui dispensada", conta Ciça Cordeiro.

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"Sai daquele lugar em choque. Como submeter pessoas com deficiência passarem a esse tipo de constrangimento, além de negarem nosso direito a acessibilidade?Por que órgãos como o Poupatempo e Detram criam ainda mais barreiras para pessoas com deficiência usufruírem de seus direitos?", questiona a consultora.

A nota enviada pelo Detran-SP ao blog Vencer Limites, o Detran-SP informou que, após fiscalização em 1° de junho, a Clínica Água Rasa foi descredenciada por não atender os requisitos obrigatórios de acessibilidade. "Os atendimentos dos motoristas pelos médicos desta clínica seguem suspensos até que o estabelecimento comprove que está cumprindo as normas de acessibilidade vigentes, condição indispensável para a manutenção de seu credenciamento junto à autarquia. A conduta do médico citado (Laércio Fioravante Rodgero Iorio) também está sendo averiguada e o mesmo será reorientado, assim como os demais médicos da unidade, para que todos os atendimentos sejam respeitosos e de qualidade".

Endereço errado - O prazo para a CNH chegar na residência da motorista era de sete a 15 dias úteis, mas a jornalista conta que, um mês depois, ainda não havia recebido o documento.

"Com o protocolo que me deram, acessei o sistema do Poupatempo e mostrava a última atualização em 25 de maio, dia em que fui à clínica. No site do Detran, descobri que minha CNH havia sido emitida no dia 30 de maio. Peguei o código do correio e verifiquei que estava em uma agência desde 6 de junho porque meu endereço foi cadastrado com número incompleto. Minha papelada está toda correta, mas não conseguia saber em qual agência e precisei percorrer as unidades até descobrir. Consegui pegar um dia antes de ser devolvida ao Detran", narra.

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"Há médicos dentro das agências do Poupatempo e que sejam aptos a atender pessoas com deficiência. O 'defeito' é a incompetência de pessoas que mudam o sistema para prejudicar quem mais precisa, é o atendimento por pessoas que não entendem nada de inclusão", completa Ciça Cordeiro.


Entrada da Clínica Água Rasa, em São Paulo.  


Degrau antes da rampa mostra desconhecido sobre normas de acessibilidade.  


Na parte interna da Clínica Água Rasa, rampa não tem corrimão e há um pequeno degrau na entrada.  


Clínica Água Rasa foi descredenciada por não atender requisitos de acessibilidade.  


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