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Então é Natal. E o que faço no blog Vencer Limites e na coluna Vencer Limites no Jornal Eldorado é situar a pessoa com deficiência nos principais temas da sociedade, sempre na defesa da cidadania da população com deficiência e dos direitos do povo com deficiência.
Neste ano, o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o Congresso Nacional entregam o pior presente de Natal para o povo com deficiência, nas medidas aprovadas da reforma tributária sobre a isenção de impostos estaduais e federais para a pessoa com deficiência comprar carro novo e nas regras do pacote de corte de gastos, também aprovadas, para o Benefício de Prestação Continuada (BPC).
São duas bofetadas na cara do povo com deficiência, em ambas as faces, em nome da arrecadação, mas arrancando tudo de quem não tem nada e impedindo permanentemente a mobilidade.
Sem carro nem transporte público - Na aprovação final da reforma tributária, na semana passada, a Câmara derrubou mudanças feitas pelo Senado e chutou a pessoa com deficiência para o escanteio da cidadania.
Comprar carro novo com isenções de impostos estaduais e federais vai se tornar um direito muito restrito no País se o presidente Lula sancionar o texto com o trecho que mantém exigência de adaptações externas nos veículos, o que limita as isenções a menos de 5% das pessoas com deficiência atualmente atendidas, condutores e não condutores, segundo dados divulgados nos últimos anos por instituições do setor, como a Associação Brasileira da Indústria, Comércio e Serviços de Tecnologia Assistiva (Abridef).
Questionado, o Ministério da Fazenda afirma que não comenta medidas em tramitação.
Instituições como a Associação Nacional de Apoio às Pessoas com Deficiência (ANAPcD), Coalizão Nacional Inclusiva pelo Autismo (CONIA), Organização Nacional dos Cegos do Brasil (ONCB) e a Associação Brasileira de Assistência à Pessoa com Deficiência Visual (Laramara), mantêm vigilância e pressão para que os trechos da reforma tributária e do pacote de corte de gastos que prejudicam diretamente a população com deficiência sejam revistos e modificados, mas tudo agora está nas mãos do governo.
Miséria e exclusão absoluta - No caso do BPC, o ponto principal é a definição médica da deficiência por níveis de severidade, uma avaliação ultrapassada e que precisa ser revisada. O texto que foi à sanção determina que somente gente com deficiência "moderada ou grave" tem direito ao benefício, mas esse rótulo, já sabemos faz tempo, não é mais fidedigno, não condiz com a realidade e tem sido substituído pela verificação dos níveis de suporte que a pessoa precisa para ter segurança, mobilidade, autonomia e independência.
Uso minha realidade como exemplo. Recebi recentemente, após perícia oficial, uma identificação de "deficiência leve", mas quase não consigo subir escadas, preciso de bengala ou muletas - conforme o cenário - para me locomover, ainda assim com lentidão, paro na rua várias vezes para recuperar o fôlego, não tenho mais força nas pernas e nem equilíbrio, tudo por causa da polineuropatia de Charcot-Marie-Tooth. Se não tivesse nenhuma renda e, dentro dos novos critérios para o BPC que o governo prometeu vetar, eu não poderia receber o benefício.
Essa é a situação de milhares de pessoas com deficiência que recebem atualmente o BPC e estão ameaçadas.
Também procurada, a Secretaria Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência (SNDPD) permanece em silêncio, mesmo após a secretária Anna Paula Feminella, que é a atual presidente do Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência, assinar a nota pública do Conade contra o Projeto de Lei n° 4.614/2024, do corte de gastos.
"A luta pelos direitos das pessoas com deficiência é uma luta por cidadania e dignidade. Não podemos permitir que conquistas tão duramente alcançadas sejam destruídas em nome de uma falsa ideia de eficiência econômica. O BPC é mais do que um benefício financeiro, é um instrumento de justiça social que permite às pessoas com deficiência o acesso à saúde, alimentação, transporte e outros direitos fundamentais. Alterar as bases desse benefício significa condenar milhões de brasileiros a uma situação de miséria e isolamento social. Se aprovado, o PL 4614/2024 representará um retrocesso irreparável nas políticas de proteção e inclusão social", destaca a nota do Conade.
É absolutamente incoerente, contraditório e até hipócrita que o governo do presidente Lula, um constante defensor das políticas sociais, do combate à fome, do direito à dignidade, seja autor dessas duas propostas.
Essa incoerência da proposta em relação ao discurso do governo foi, inclusive, destacada pela senadora Mara Gabrilli (PSD-SP) em pronunciamento durante a votação no Senado.
"Essa decisão não combina com o discurso deste governo, que se diz a favor do povo, mas na hora de cortar gastos resolve tirar de quem tem pouco ou nada. Como pode um governo que afirma proteger os mais pobres e vulneráveis propor algo tão insensível e excludente? É contraditório e inaceitável", criticou. "Esse 'leve' que querem excluir do BPC é tudo menos leve. Ele é pesado para as famílias, para as mães que precisam parar de trabalhar, para quem precisa lutar contra um sistema que ainda discrimina e exclui. Mexer no BPC é mexer com vidas que já estão na linha da miséria. Isso é inaceitável", disse a parlamentar.
Em nota exclusiva para Vencer Limites, a senadora Mara Gabrilli afirma que indefinições a respeito do BPC são preocupantes. "Votei contra o projeto que altera o Benefício de Prestação Continuada, o BPC, porque ele exclui pessoas com deficiência leve, como crianças autistas ou com síndrome de Down, que vivem em extrema vulnerabilidade. Tirar esse direito é desumano e injusto. O que o governo deveria fazer é justamente o contrário: deveria investir em políticas públicas para que as pessoas deixassem o BPC e passassem a se tornar contribuintes".
Gabrilli confirma que, no Senado, foi feito um acordo para que o presidente vete o artigo que limitava o BPC às deficiências moderada e grave. "Isso significa que todas as deficiências serão retiradas do texto, deixando os critérios de acesso ao benefício para serem definidos na regulamentação. Essa indefinição é preocupante, pois pode abrir espaço para novas exclusões e tornar o acesso ainda mais difícil para quem mais precisa".
A senadora diz manter-se "vigilante e trabalhando para que a regulamentação não agrave esse retrocesso. Meu compromisso é com a justiça e com a proteção dos direitos sociais dessas famílias, sem prejudicar a responsabilidade fiscal e o combate às fraudes. Não vou aceitar que a conta recaia sobre as pessoas mais vulneráveis. Ninguém vai ser deixado para trás".
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