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A participação política, econômica e social das pessoas com deficiência ganhou força a partir do D20 (Deficiência 20), evento do último dia 14 que faz parte da programação oficial da Cúpula Social do G-20, no Rio de Janeiro.
A conferência D20 foi promovido pelo Instituto Jô Clemente (IJC) com o Disability Rights Fund (DRF) e reuniu líderes, movimentos e organizações voltadas para a inclusão das pessoas com deficiência na sociedade.
Em entrevista exclusiva a Vencer Limites, Deisiana Paes, coordenadora da área de Defesa e Garantia de Direitos do Instituto Jô Clemente (IJC), avalia o encontro e quais desafios a população com deficiência ainda enfrenta.
Vencer Limites - Sabemos que as pautas abordadas no D20 são urgentes e conhecidas pela população com deficiência há muito tempo. Enfrentamos, no entanto, ainda, uma invisibilidade fora do nosso universo, da nossa bolha, e uma percepção bastante distorcida a respeito da nossa realidade, o que resulta em propostas assistencialistas e em manifestações constantes de capacitismo. Ao que parece, somos eternamente obrigados a conscientizar, mas isso joga sobre nós uma responsabilidade de quebrar o círculo de exclusão que não é apenas nossa. Como mudar esse cenário de maneira efetiva para uma transformação real?
Deisiana Paes, Instituto Jô Clemente (IJC) - As transformações sociais são fruto de um processo de lutas e de conquistas históricas que não acontecem de um dia para o outro. Nos últimos 63 anos, estivemos dedicado à defesa e garantia de direitos das pessoas com deficiência. E nessa trajetória entendemos que as mudanças sociais dependem de um processo contínuo de educação e mobilização, que precisa envolver todos os setores da sociedade.
Não se pode atribuir de forma isolada às pessoas com deficiência a quebra do ciclo de exclusão, mas sem dúvida, elas têm um papel fundamental neste processo. É isso que queremos mostrar com o D20.
Tivemos a honra de lançar no Rio de Janeiro, o D20 - Deficiência 20, uma iniciativa que congrega mais de 40 organizações de e para pessoas com deficiência, organizações de direitos humanos, lideranças e movimentos sociais, que busca fomentar a participação políticas das pessoas com deficiência nos processos do G-20, importante fórum econômico, político e social global.
O D20 assegurou, por meio de escuta ativa, metodologias inclusivas e recursos de acessibilidade, que pessoas com deficiência no Brasil trouxessem as suas perspectivas para influenciar as discussões e negociações da agenda do G-20. O foco do debate não foi a deficiência, mas questões mais amplas que afetam toda a sociedade como meio ambiente, pobreza, educação, tecnologia, gênero.
Entendemos que as pessoas com deficiência devem ser protagonistas de sua história e, para isso, precisam compreender o seu papel político. O primeiro passo, portanto, pelo reconhecimento de seus direitos.
É fundamental desconstruir práticas e atitudes capacitistas, permitindo que pessoas com deficiência sejam reconhecidas como sujeitos de direitos, apenas dessa forma conseguiremos transformar as estruturas de poder, alterar percepções culturais sobre suas realidades e substituir abordagens assistencialistas por práticas que valorizem a diversidade e promovam uma inclusão.
Por fim, precisamos ampliar a participação política e social das pessoas com deficiência em todos os espaços, públicos e privados, nacionais e internacionais em posições de liderança. Isso significa, sobretudo, assegurar que as pessoas com deficiência estejam presentes em cada etapa de discussão e elaboração de decisões e políticas globais, garantindo que suas experiências e conhecimentos sejam considerados desde o início. Sem isso, corremos o risco de perpetuar desigualdades e marginalização.
Vencer Limites - Ideologias, polarização, interesses políticos e econômicos, e as mudanças de governos interferem substancialmente nas discussões do G-20. Diante dessa geopolítica conturbada, como pautas das pessoas com deficiência podem ganhar luz e alguma prioridade, se mesmo em momentos de 'calmaria', não conseguimos espaços de qualidade?
Deisiana Paes, Instituto Jô Clemente (IJC) - Para responder a esta pergunta precisamos reconhecer as complexidades envolvidas no contexto geopolítico, econômicos e social. Isso exige uma abordagem que vai além dos desafios imediatos e que adote estratégias de longo prazo, assegurando que as pautas de interesse das pessoas com deficiência não sejam negligenciadas.
A partir da experiência adquirida na iniciativa do D20, identificamos algumas possibilidades para avançar nesse debate. O primeiro passo é tratar as questões relacionadas às pessoas com deficiência como uma questão central de direitos humanos. A Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (CDPD) da ONU, que no Brasil tem peso de norma constitucional, é um guia crucial nesse sentido. A CDPD reconhece que a deficiência é parte da diversidade humana, e não um problema individual, destacando que as dificuldades enfrentadas decorrem das barreiras impostas pela sociedade.
Ao adotar o modelo social da deficiência, a Convenção demanda que Estados e a sociedade como um todo se responsabilizem por garantir a igualdade de direitos. Para isso, é fundamental adotar uma abordagem estratégica e inclusiva, que assegure a participação ativa das pessoas com deficiência, considerando a diversidade dentro da própria comunidade, levando em conta fatores como gênero, raça, classe social e localidade.
Para garantir a participação equitativa das pessoas com deficiência no D20, todas as reuniões, documentos e materiais foram oferecidos em formatos acessíveis, como Língua de Sinais, Braille, audiodescrição e leitura fácil.
Um ponto que merece atenção é integrar as pautas das pessoas com deficiência ao discurso mais amplo de desenvolvimento econômico e social. Incluir pessoas com deficiência no mercado de trabalho não deve ser apenas uma questão de justiça social, mas também uma estratégia eficaz para o crescimento econômico.
A acessibilidade digital, que beneficia diretamente pessoas com deficiência, representa uma inovação que melhora a experiência de todos, assim como a criação de ambientes mais inclusivos, que tornam cidades e espaços públicos melhores para todos.
Outro aspecto a ser considerado, em um cenário global marcado por embates políticos e fragilização de direitos, é a construção de uma rede global que una organizações, líderes e outros parceiros. Essa rede deve promover a cooperação internacional, facilitando a troca de boas práticas, compartilhando experiências bem-sucedidas e fortalecendo tanto as ações locais quanto internacionais, conforme preconiza a CDPD.
A Conferência D20 foi um marco ao possibilitar que diversas organizações e movimentos nacionais e internacionais, pudessem se conectar, incluindo CDD - Centre for Citizens with Disabilities, NCPD - National Council of and for Persons with Disabilities, African Disability Forum, Human Rights Watch e mais 42 apoiadores.
Essa ação, foi essencial e pode servir de inspiração para que futuras presidências do G20 garantam que essa agenda inclusiva seja contínua e sustentável.
Vencer Limites - Repetimos exaustivamente nossas questões fundamentais e empenhamos esforços grandiosos em ações para ultrapassar barreiras, mas a sociedade mundial parece retroceder ao invés de avançar. Com bloqueios em diversos setores e, mais, com iniciativas de integrantes do poder público em todas as esferas - executivo, legislativo e judiciário -, para derrubar direitos já garantidos à população com deficiência, para demolir conquistar sólidas, o que mais precisamos fazer?
Deisiana Paes, Instituto Jô Clemente (IJC) - Quando há mudanças de governo, seja nacional ou internacional, a garantia de direitos e o destaque para as pautas das pessoas com deficiência podem ser comprometidos em razão das diferentes prioridades elencadas pelas novas lideranças. O mesmo se dá quando legislações são discutidas no parlamento e políticas públicas são desenhadas.
Diante desta realidade, o trabalho de advocacy é fundamental, envolve a incidência e participação ativa para influenciar processos legislativos e a construção de políticas públicas. Dessa forma, independentemente de quem ocupe o poder, é possível garantir que as questões relacionadas à deficiência continuem sendo discutidas e mantenham a relevância que merecem.
O Instituto Jô Clemente tem desempenhado um papel importante nessa área, contribuindo significativamente para a causa tanto no Brasil quanto no cenário internacional, como foi o caso da idealização da iniciativa do D20.
Com uma abordagem estratégica que engloba a mobilização social, a pressão internacional e a integração das questões de deficiência nos principais debates globais e locais, é possível garantir que as pautas das pessoas com deficiência não sejam esquecidas, mesmo em tempos de instabilidade política.
Além disso, precisamos fortalecer a liderança e a representatividade política das pessoas com deficiência em todos os espaços de poder, no parlamento, na política, no setor privado e também no terceiro setor, bem como em discussões de governança e em fóruns de alto nível, como em fóruns internacionais, para assegurar que suas questões sejam tratadas de maneira mais urgente e eficaz.
Mobilização - A 'Conferência D20: novas perspectivas de inclusão da pessoa com deficiência' teve painéis e rodas de conversa, como foco na mobilização das pessoas com deficiência para influenciar as decisões globais nas áreas econômica, política e social. A principal meta do evento foi fortalecer a presença e a influência desse grupo, a partir das perspectivas das pessoas com deficiência sobre as pautas nas agendas globais.
Participaram ANDI - Comunicação e Direitos, CDD - Centre for Citizens with Disabilities, Instituto Alana, NCPD - National Council of and for Persons with Disabilities, e VNDI - Vidas Negras com Deficiência Importam, Federação Brasileira das Associações de Síndrome de Down e mais 41 apoiadores.
O IJC entregou o 'Pacote de Recomendações' (Policy Pack) para autoridades brasileiras, incluindo o ministro da Secretaria-Geral da Presidência da República, Márcio Macêdo; o ministro das Cidades, Jader Barbosa Filho, e o ministro do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome, Wellington Dias.
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