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Diversidade e Inclusão

"Pessoa com deficiência, no Brasil, é um não cidadão"

Na reportagem de estreia do blog Vencer Limites, especialistas analisam o cenário de inclusão e acessibilidade no País, apontam problemas e conquistas, e destacam que a constante exclusão leva pessoas com deficiência à Justiça para obtenção de direitos previstos na Constituição.

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Foto do author Luiz Alexandre Souza Ventura

O Brasil tem 45,6 milhões de pessoas com deficiência, segundo o Censo IBGE 2010. É gente que estuda, trabalha, passeia, viaja, consome, namora, e faz tudo o que uma pessoa pode fazer. São homens, mulheres, idosos e crianças que você vê em todos os locais, nos shoppings, restaurantes, escolas, faculdades, hotéis, aeroportos, rodoviárias, no seu prédio, no escritório, no elevador ou em qualquer lugar.

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Seria bom se essa fosse a nossa realidade, mas não é, porque a ausência de recursos de acessibilidade e a falta de interesse verdadeiro na inclusão arrancam das pessoas com deficiência o direito de exercer a cidadania.

"A pessoa com deficiência, no Brasil, vive uma situação de não cidadão", afirma Teresa Costa d'Amaral, superintendente do Instituto Brasileiro dos Direitos da Pessoa com Deficiência (IBDD). "A possibilidade de locomoção, de ir e vir, o acesso à escola e ao trabalho são alguns itens como os quais esses brasileiros não podem contar", diz.

Semelhante é a avaliação de Moisés Bauer, presidente do Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência (Conade), instituição vinculada à Secretaria Especial dos Direitos Humanos, que responde diretamente à Presidência da República.

"Na escala de prioridades do Estado brasileiro, o assunto está lá embaixo. Os investimentos são pulverizados e as ações, maquiadas", diz Bauer, de 42 anos, cego desde os 8, que ocupa também o cargo de presidente da Organização Nacional dos Cegos do Brasil. "A ausência de políticas públicas no nosso País cria um cenário de vulnerabilidade e precariedade à pessoa com deficiência".

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Para o psicólogo Danilo Namo, consultor em inclusão de pessoas com deficiência do Instituto Paradigma, o tema não é prioridade para setores como política e infraestrutura. "A situação geral está melhorando, mas é regular. Falta interesse. Os estabelecimentos particulares, por exemplo, não percebem a pessoa com deficiência como público, que precisa de atendimento específico".

Namo perdeu totalmente a visão durante a adolescência. Hoje, é mestre em psicologia pela PUC e tem doutorado em Educação Especial pela USP.

Omissão - De acordo com Teresa d'Amaral, "falta adaptação nas escolas e faculdades, como a presença de intérpretes de Libras. O resultado só existe mediante pressão ou boa vontade de alguém da instituição". Ela cita o exemplo de uma aluna com deficiência visual que foi impedida de fazer uma prova porque o professor se recusou a aumentar o tamanho da letra para que ela pudesse enxergar as questões e conseguisse responder. "Isso é uma questão de respeito à cidadania", afirma a superintendente do IBDD.

Em outro caso, uma pessoa que tem sofria de distrofia muscular ganhou na Justiça o direito de receber um respirador. "Nós também pedimos uma cama hospitalar e uma cadeira de rodas, mas o juiz negou e, desta forma, impediu que essa pessoa pudesse sair de casa", lembra.

Teresa afirma que os governos Muncipal, Estadual e Federal são omissos, uma vez que o cidadão precisa ir à Justiça para ter seus direitos básicos garantidos. "O País perde em qualidade de participantes da cidadania e estas pessoas acabam pesando financeiramente ao Estado".

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Diante deste quadro, Moisés Bauer defende uma legislação mais direta. "Faltam aperfeiçoamentos na lei e punições ao gestor público. A acessibilidade se torna possível para quem tem dinheiro, mas o cidadão sem condições financeiras não consegue quase nada", observa o presidente do Conade.

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Danilo Namo afirma que a estrutura jurídica para o setor "é boa, completa, abrangente e competente". Segundo o consultor do Instituto Paradigma, "no papel, todos os direitos da pessoa com deficiência estão resguardados, mas ainda falta atenção". Namo ressalta ainda que "o espírito solidário do brasileiro é algo que nos diferencia".

Exemplo - A Lei 7.853, de 1989, já foi considerada, por seu conteúdo, a mais inclusiva das Américas. Nela, o Estado assume responsabilidade pela pessoa com deficiência. Em países como os EUA, a partir deste mesmo ano, houve uma transformação, que começou nos pós-guerra do Vietnã, quando as instituições de defesa se uniram e trabalharam em conjunto para garantir não só que a lei fosse efetivamente executada, mas também para fazer valer os direitos das pessoas com deficiência. Canadá e Inglaterra também têm bons exemplos.

No Brasil, o tema está ainda em uma sub-pauta e começou a ser realmente debatido somente nos últimos dez anos.


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