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Aparecida dos Santos Sousa tem 34 anos, mora na zona norte de São Paulo, e passou os últimos 12 meses dividindo seu tempo entre a busca por um trabalho e os cuidados com seu filho de 4 anos, além de tratamentos para amenizar as dores no braço esquerdo, paralisado desde seu nascimento.
"Foi no parto. O médico disse para minha mãe que havia ocorrido um 'mal jeito' e que eu precisaria ficar enfaixada por 20 dias. Após isso, estaria perfeito. Quando a faixa foi retirada, meu braço esquerdo ficou paralisado, praticamente colado na posição em que foi enfaixado", diz Aparecida. "Minha mãe procurou o Hospital das Clínicas, descobriram que o médico havia quebrado e minha clavícula e, já naquele momento, foi constatada a paralisia. Naquela época, minha família não tinha conhecimento para exigir reparações e sempre convivemos com isso", conta.
Com o segundo grau completo, Aparecida trabalhou em diversas empresas desde 2008, primeiro como recepcionista e depois como assistente administrativa, sempre contratada com base na Lei de Cotas. Está desempregada há um ano.
Ela afirma que jamais questionou sua condição de pessoa com deficiência. Um laudo médico emitido pelo Hospital das Clínicas em março confirma que Aparecida é submetida a tratamentos desde 1985, inclusive com a realização de duas cirurgias. Atualmente, faz três sessões de fisioterapia por semana e uma de acupuntura para combater as fortes dores, causadas pela poliomielite no braço esquerdo, pela Tenossinovite Estilóide Radial (de Quervian) e por uma epicondilite. O mesmo laudo atesta que Aparecida tem restrição física para o trabalho, destacando "diminuição de força e amplitude em movimento de membro superior esquerdo".
As dificuldades recentes e a ausência de oportunidades profissionais (na verdade, o medo real de não ter dinheiro nem para comer) fizeram com que Aparecida buscasse ajuda do poder público. A primeira providência foi pedir informações à ouvidoria da Secretaria de Estado dos Direitos da Pessoa com Deficiência (portão 10 do Memorial da América Latina), que a encaminhou à Defensoria Pública.
A meta era solicitar o auxílio saúde e aposentadoria por invalidez, com base no artigo 42 da lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991, mas o pedido foi recusado. Na decisão, que é final e contra a qual não cabe recurso, a juíza Maria Vitória Maziteli de Oliveira (Juizado Especial Federal da 3ª Região) cita a avaliação do perito judicial, que atestou não haver incapacidade para o trabalho no momento atual, "sob o ponto de vista ortopédico". Em resumo, Aparecida pode trabalhar, usando somente o braço direito.
Em vigor desde janeiro de 2016, a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (nº 13.146/2015) prevê, no artigo 94, o auxílio-inclusão para pessoa com deficiência moderada ou grave que exerça atividade remunerada, mas Aparecida ainda não conseguiu um novo trabalho e, portanto, também não pode solicitar o benefício.
Nesse impasse, Aparecida e outros cidadãos brasileiros com deficiência são duplamente excluídos, primeiro do mercado de trabalho, das oportunidades profissionais, mesmo com a vigência da Lei de Cotas. E depois do amparo público, da possibilidade de viver com dignidade, a partir de direitos previstos em lei, mas regidos pela burocracia. Não se trada de mais um caso de 'coitadismo', de defesa do assistencialismo, mas sim de uma história de luta pela sobrevivência.
Em 12 de setembro de 2012, na reportagem de estreia do #blogVencerLimites, a superintendente do Instituto Brasileiro dos Direitos da Pessoa com Deficiência (IBDD), Teresa Costa d'Amaral, afirmou que "a pessoa com deficiência, no Brasil, vive uma situação de não-cidadão", porque o País não garante a essa população os direitos básicos.
De lá para cá, o que mudou?
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