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Diversidade e Inclusão

"Síndrome de Down não é sinônimo de deficiência intelectual"

Em entrevista ao #blogVencerLimites, especialistas do Instituto Rodrigo Mendes falam sobre os desafios da educação inclusiva, o respeito aos direitos das pessoas com deficiência e a busca pelo reconhecimento da diversidade. No dia 21 de março (21/3) celebramos o Dia Internacional da Síndrome de Down.

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Foto do author Luiz Alexandre Souza Ventura
Atualização:


Aline Santos é coordenadora do Diversa, projeto do Instituto Rodrigo Mendes. Luiz Henrique de Paula Conceição é pesquisador e coordenador do programa de formação em educação inclusiva do IRM.

Em entrevista ao #blogVencerLimites sobre o Dia Internacional da Síndrome de Down, celebrado no dia 21 de março (21/3), os especialistas falam da busca pelo reconhecimento da diversidade, o respeito aos direitos das pessoas com deficiência e os desafios da educação inclusiva.


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#blogVencerLimites - A Síndrome de Down é uma referência quando se fala em deficiência intelectual, principalmente em reportagens sobre inclusão no trabalho ou sobre pessoas com deficiência em geral. Qual a avaliação sobre essa situação? Por que isso ocorre? Essa referência é correta?

Instituto Rodrigo Mendes - Essa referência direta é um mito. É importante esclarecer que Síndrome de Down não é sinônimo de deficiência intelectual, o que significa que algumas pessoas têm e outras não têm o comprometimento cognitivo.

Essa condição também não é uma doença, mas uma síndrome genética relativa à trissomia do cromossomo 21. Por isso, quem tem Síndrome de Down não é ou está doente nem precisa de tratamento ou cura.

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Essa ideia vem do desconhecimento sobre o assunto e por existirem algumas doenças que têm alta recorrência nos indivíduos com essa síndrome. Elas aparecem em graus diversos e, por isso, não se pode reduzir essas pessoas a possíveis quadros clínicos genéricos que não expressam suas características mais significativas.

Ter uma deficiência representa, em geral, conviver com o estigma da impossibilidade, da incompetência e da inferioridade. Quando tratamos da educação, por exemplo, é comum encontrarmos professores e outros atores da comunidade escolar que desconhecem alguns princípios básicos da educação inclusiva.

A educação é um direito, não é favor. Toda criança aprende e esse processo de aprendizagem é singular. É importante lembrar da diversidade que existe dentro de um grupo de pessoas com Síndrome de Down, assim como em qualquer outro. Cada pessoa tem suas características.


"Proponho pensarmos na ideia de superação coletiva para o enfrentamento das barreiras ainda existentes na sociedade.", diz Rodrigo Hübner Mendes. Foto: Divulgação / Leo Muniz


#blogVencerLimites - Quais os desafios atuais das pessoas com síndrome de Down? E de suas famílias?

Instituto Rodrigo Mendes - Percebemos por meio da nossa atuação em formação e pesquisa na área de educação inclusiva que o desafio das famílias está relacionado ao ingresso e permanência dos estudantes nas unidades escolares.

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Houve um importante aumento no acesso de estudantes com deficiência à educação. O Censo Escolar (Inep/2016) registrou quase 800 mil matrículas, 93% na escola regular.

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É importante ressaltar que aproximadamente 15% da população mundial têm algum tipo de deficiência (dados da Organização Mundial da Saúde) e que em nossas escolas temos apenas 3% de estudantes com deficiência matriculados no ensino fundamental nos anos iniciais. Significa que ainda temos um longo caminho a percorrer.

Dentro da luta das famílias que têm pessoas com síndrome de Down se destaca a participação das APAEs. Citamos a Apae de São Paulo, que fechou a escola especial sob sua responsabilidade em 2010 e passou a se dedicar ao Atendimento Educacional Especializado (AEE).

Esse serviço cria meios e modos para que todos os estudantes com deficiência tenham acesso ao currículo socialmente construído, são trabalhadas formas de ensinar os conteúdos que são ministrados pelos professores das salas de aula comum. Essa articulação entre atendimento educacional especializado e sala de aula comum é fundamental para o sucesso escolar desses estudantes.

Além disso, os desafios mais frequentes apontados pela Diversa - com dúvidas e respostas sobre inclusão escolar enviadas por uma rede de educadores, familiares e gestores públicos - têm se concentrando em como ampliar as possibilidades de aprendizagem de estudantes com Síndrome de Down.

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Ao longo das décadas, pesquisas e experiências bem-sucedidas desmitificaram a ideia de que haja uma 'receita' para ensinar esses estudantes. Duas com o mesmo diagnóstico podem reagir de modos diferentes a uma mesma intervenção.

A recomendação dada aos educadores é a de conhecer todos de forma individual, perceber como cada um aprende e valorizar suas singularidades. Temos alguns exemplos de encaminhamentos possíveis, especificamente relacionados com a síndrome de Down.



#blogVencerLimites - Houve mudanças substanciais, principalmente nos últimos tempos, no que diz respeito a conhecimento, preconceito, discriminação e exclusão de pessoas com Síndrome de Down?

Instituto Rodrigo Mendes - Uma mudança importante, impactada pelo aumento do acesso desse grupo à vida escolar, é uma maior representatividade das pessoas com síndrome de Down em espaços sociais como o trabalho. Essa convivência pode favorecer muito o aprendizado coletivo, que pressupõe identificar e transpor barreiras de atitude e de comunicação entre os diferentes sujeitos em interação.

Transpondo essa análise para o ambiente escolar, a inclusão de crianças com deficiência na sala de aula e a mediação de conflitos podem ser uma oportunidade para mostrar para os pais e estudantes que a criança com deficiência é como as outras.

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Ela tem sua singularidade, o que é natural tendo em vista a diversidade humana, e se a escola e família atuarem juntos, com certeza essa criança terá muito mais condição de se desenvolver, de ter autonomia, de poder interagir com os demais, se construir e ser o sujeito de sua própria história.

#blogVencerLimites - Há alguma nova informação pouco conhecida, mas muito importante nesse universo?

Instituto Rodrigo Mendes - Foi lançada neste ano pela Escola de Gente a campanha 'Talk It Easy', uma mobilização sobre a transformação da comunicação por meio da linguagem simples, apontando a urgência em se avançar na busca pela quebra das barreiras comunicacionais.

O anúncio foi feito pela escritora e jornalista Cláudia Werneck, fundadora da instituição, na conferência Zero Project 2018, na Áustria, evento que tem a acessibilidade como tema central e busca práticas inovadoras em todo o mundo que contribuam para a inclusão.

O importante nesse movimento é a estratégia para expandir as possibilidades de comunicação de modo que qualquer assunto seja melhor compreendido, seja por pessoas que tem baixo letramento, dificuldade de aprendizagem temporária ou permanente, considerando aqui questões relacionadas a idade, origem estrangeira e também características como a deficiência intelectual.

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Avanços na acessibilidade também são importantes e têm sido apontados na educação por meio de materiais pedagógicos acessíveis a todas as crianças.

No Diversa foi criado um acervo de materiais desenvolvidos por educadores a partir de recursos simples, considerando diferentes particularidades dos estudantes, impactando positivamente em todas as alunas e alunos durante o processo de aprendizagem.



Sobre o Dia Internacional da Síndrome de Down, dizem os especialistas do IRM, é importante pensar na luta do movimento e de tantos outros grupos que buscam o reconhecimento de sua própria diversidade e o respeito aos seus direitos.

A sociedade pode promover a superação coletiva de barreiras para a inclusão de indivíduos com síndrome de Down, seja na escola, trabalho ou qualquer outro ambiente de convivência, ao ver a deficiência como algo relacional, com respeito às diferenças. Este é, segundo Aline Santos e Luiz Henrique de Paula Conceição, o caminho rumo à igualdade e inclusão.



SAIBA MAIS - A síndrome de Down não é uma doença. Trata-se de uma condição causada pela trissomia do cromossomo 21. É a ocorrência genética mais comum no mundo, registrada uma vez para cada 700 nascimentos. Não há nenhuma relação com etnia, país, religião ou condição econômica.

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CROMOSSOMOS - Um cromossomo (ou cromossoma) é uma longa sequência de DNA com genes que determinam nossas características.

Quando não há trissomia, o ser humano têm 23 pares de cromossomos (total de 46) em cada uma das células de seu organismo. Metade estava no espermatozoide do pai e a outra metade foi carregada no óvulo da mãe. Todos reunidos no momento da fecundação, na formação da primeira célula (ovo ou zigoto), que se dividiu para gerar o novo organismo.

O último par, com os cromossomos 45 e 46, define especificamente o sexo (XX é feminino e XY é masculino). Os outros 44 cromossomos, chamados de REGULARES (ou autossomos homólogos), estão em 22 pares e definem todas as nossas outras características.

TRISSOMIA - Quando um óvulo ou espermatozoide com 24 cromossomos é unido a outro óvulo ou espermatozoide com 23, ocorre a trissomia, que aparece especificamente no cromossomo 21. Essa diferença causa a condição chamada de síndrome de Down.

HISTÓRIA - O nome é uma referência ao médico inglês John Langdon Haydon Down, o primeiro a relatar, entre os anos entre 1864 e 1866, características da ocorrência genética. Não há registros anteriores ao século 19.

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John Down trabalhava na cidade de Surrey (Inglaterra), em uma clínica para crianças com atraso neuropsicomotor, e listou características físicas similares em filhos de mães acima de 35 anos, descrevendo as crianças como 'amáveis e amistosas'.

Influenciado pela Teoria da Evolução de Charles Darwin, explicou a síndrome e estabeleceu uma teoria étnica, com sugestão para um 'estado regressivo da evolução'. Inicialmente, as causas foram atribuídas a tuberculose, sífilis e hipotireoidismo, classificando as crianças como 'inacabadas'.

No período anterior à identificação da alteração cromossômica, muitos pacientes foram rejeitados e aprisionados em hospitais, época marcada por grande intolerância religiosa e cultural.

Somente em 1959, os cientistas Jerome LeJeune e Patricia Jacobs determinaram a trissomia do cromossomo 21 como causa da condição, a primeira alteração cromossômica verificada na espécie humana, já chamada de 'mongolismo', renomeada para Síndrome de Down aproximadamente uma década depois.

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