Há quem considere uma bobagem, exagero, até "mimimi", mas é muito simples. Fiquei realmente incomodado com a metáfora usada pelo economista José Roberto Mendonça de Barros, em entrevista ao Estadão nesta sexta-feira, 4, sobre divergências entre governo e mercado a respeito da questão fiscal.
"Eu digo que é um diálogo de surdos. É uma questão de que lado você olha. O governo é fraco no Congresso, e o Congresso vota a renovação de incentivos. Não é muito realista dizer que qualquer coisa criada pelo Congresso tem de ser resolvida pelo governo", diz Mendonça de Barros.
Esse tipo de analogia já deveria ter sido abandonado há muito tempo. Note que é um alerta de negatividade, maneira de destacar desentendimento entre as partes citadas.
Completamente equivocado porque, se há um diálogo entre surdos, tenha certeza de que essas pessoas compreendem muito bem o que cada participante da conversa está expressando. Aliás, você já presenciou um diálogo entre surdos? Se forem surdos oralizados fazendo leitura labial, usuários de aparelhos auditivos ou implantes cocleares, certamente a conversa vai ser muito boa. Se ambos preferem a língua de sinais, somente quem não tem fluência neste idioma específico vai perder o fio da meada. O restante do grupo vai debater as ideias, inclusive a questão fiscal, se for o tema.
Conhecemos muitas frases antigas, mas ditas até hoje, sempre para fortalecer ideias negativas, que usam condições físicas, intelectuais e sensoriais. 'Cego de raiva', 'João sem braço', 'fingir demência', 'deu mancada', 'comportamento esquizofrênico' e 'diálogo de surdos' são algumas. Você deve saber outras.
A ampliação da visibilidade sobre temáticas da população com deficiência e a maior compreensão a respeito desse universo e seus vários mundos já mostraram que é profundamente capacitista usar qualquer deficiência como adjetivo, positivo ou negativo.
Nossa fabulosa língua portuguesa está repleta de termos que podem ser aplicados de forma inteligente para expressar claramente conceitos, ideias e pensamentos que aposentam alegorias enraizadas no preconceito sobre o que significa ter e viver com deficiência.
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