A violência contra pessoas com deficiência é real, seja física, psicológica ou patrimonial. Por isso, a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (n° 13.146/2015) determina que (artigo 5) "a pessoa com deficiência será protegida de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, tortura, crueldade, opressão e tratamento desumano ou degradante" e que (artigo 26) "os casos de suspeita ou de confirmação de violência praticada contra a pessoa com deficiência serão objeto de notificação compulsória pelos serviços de saúde públicos e privados à autoridade policial e ao Ministério Público, além dos Conselhos dos Direitos da Pessoa com Deficiência".
Apesar da lei e das obrigações públicas, a violência contra a pessoa com deficiência permanece oficialmente invisível porque não é organizada de maneira especializada nos registros policiais. O Anuário Brasileiro de Segurança Pública, divulgado nesta quinta-feira, 20, elaborado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública com dados dos boletins de ocorrência de 2022, não contém informações específicas sobre pessoas com deficiência. O blog Vencer Limites apurou que os pesquisadores não encontraram detalhes sobre a vítima ser ou não alguém com deficiência.
Os dados sobre pessoas com deficiência devem ser apresentados em breve no Atlas da Violência, feito com base no Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM) e no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), ambos do Ministério da Saúde. Houve somente uma edição do Atlas, de 2021, com recorte específico a respeito da população com deficiência. Não há esse detalhamento nas publicações anteriores e não houve edição no ano passado.
Capacitismo estrutural - Para o advogado Emerson Damasceno, homem com deficiência, presidente da Comissão Especial de Defesa da Pessoa Autista do Conselho Federal da OAB e da Comissão de Defesa da Pessoa com Deficiência da OAB/CE, a ausência de informações nos boletins de ocorrência e, por consequência, no Anuário Brasileiro de Segurança Pública, é a "prova incontestável" do capacitismo estrutural no País. "A invisibilidade é triste. Nos dados sobre estupros, por exemplo, não sabemos quantas vítimas têm deficiência intelectual, são autistas, têm deficiências sensoriais ou múltiplas, mas sem qualquer condição de gritar, de denunciar essa violência", diz Damasceno.
"O Estado brasileiro, independentemente de governos, invisibiliza a pessoa com deficiência, isso reduz a responsabilidade e diminui a cobrança", comenta o advogado. "Principalmente contra mulheres com deficiência intelectual, a violência é pavorosa, mas por não ser vista, é considerada inexistente e não combatida pelas instituições", observa.
"Recentemente, na ONU, na Conferência da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, em junho, houve debate a respeito das barreiras na comunicação sobre a violência. Fazemos um apelo ao Ministério da Justiça e à Secretaria Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência sobre campanhas contra a violência. É fundamental que essa temática seja abordada nas escolas, na ampliação da educação sexual, tudo com acessibilidade e uso de linguagem simples", comenta. "As delegacias de polícia precisam estar preparadas para atender pessoas com deficiência e os boletins de ocorrência, presenciais e online, têm de caracterizar se a vítima tem deficiências e quais são essas deficiências", completa Emerson Damasceno.
Especializado - SP é o único Estado no País com estrutura mais abrangente de atendimento policial às pessoas com deficiência, com cinco Centros de Apoio Técnico (CAT) que funcionam dentro de delegacias, na capital, região metropolitana, litoral e interior (endereços abaixo), com 12,5 mil registros desde 2018, segundo a Secretaria dos Direitos da Pessoa com Deficiência (SEDPcD).
O blog Vencer Limites questionou a Secretaria de Segurança Pública de SP sobre os boletins de ocorrência e a ausência de informações sobre pessoas com deficiência. Em nota, a SSP afirma que "no momento do registro da ocorrência, as vítimas contam com um campo para preencher suas necessidades especiais e os agentes policiais são capacitados para oferecer assistência especializada às pessoas com deficiência".
Centro de Atendimento Técnico (CAT) da 1ª Delegacia de Polícia da Pessoa com Deficiência de São Paulo, Rua Brigadeiro Tobias, n° 527, Centro, (11) 3311-3380, segunda a sexta-feira, das 9h às 18h.
Centro de Atendimento Técnico (CAT) da Delegacia Seccional de Polícia de Guarulhos/SP, Rua Itaverava, n° 48, Vila Camargos, (11) 2408-7720, segunda a sexta-feira, das 12h às 18h.
Centro de Atendimento Técnico (CAT) da 7ª Delegacia de Polícia de Santos, Rua Doutor Assis Corrêa, n° 50, Gonzaga, (13) 3284-3086, segunda a sexta-feira, das 12h às 18h.
2ª Delegacia Seccional de Polícia de Campinas, Rua Barão de Parnaíba, n° 322, (19) 3232-8735, segunda a sexta-feira, das 12h às 18h.
Centro de Atendimento Técnico (CAT) do Departamento de Polícia Judiciária de São Paulo Interior, Deinter 3 (Ribeirão Preto), Rua São Sebastião, n° 1.339, (16) 3610-6799, segunda a sexta-feira, das 12h às 18h.
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.