Vereador de Caxias sugere que empresários não contratem baianos: ‘Vivem na praia tocando tambor’

Fala faz referência ao caso em que mais de 200 trabalhadores, vindos da Bahia, foram resgatados de situação análoga à escravidão em vinícolas de Bento Gonçalves

PUBLICIDADE

Por Caio Possati
Atualização:

O vereador Sandro Fantinel (Patriota), de Caxias do Sul (RS), aconselhou que agricultores, produtores e empresários do setor agrícola não contratem pessoas da Bahia e as definiu como “um povo que vive na praia tocando o tambor” e “acostumado com carnaval e festa”. As declarações foram feitas na sessão da câmara da cidade gaúcha nesta terça-feira, 28, em referência ao caso em que mais de 200 trabalhadores, muitos vindos do Estado baiano, foram resgatados em situação análoga à escravidão em vinícolas de Bento Gonçalves, na semana passada. Ao Estadão, o parlamentar disse que foi mal interpretado e afirma que pediu desculpas pelas falas em plenário.

“Gente, só vou dar um conselho: agricultores, produtores, empresas agrícolas que estão me acompanhando não contratem mais aquela gente lá de cima (estado da Bahia, no Nordeste), disse Sandro Fantinel. “Com os ‘baiano’, que a única cultura que eles têm é viver na praia tocando o tambor, era normal que tivesse esse tipo de problema (de trabalho análogo à escravidão)” afirmou. “Que isso sirva de lição. Deixem aquele povo, que é acostumado com carnaval e festa, para vocês não se incomodarem novamente.”

Vereador Sandro Fantinel (Patriota), de Caxias do Sul -RS, diz para empresários não contratarem baianos. Foto: Bianca Prezzi / Câmara Caxias

PUBLICIDADE

Ainda em sua explanação, o parlamentar defendeu e orientou a contratação de argentinos, e os descreveu como “limpos, trabalhadores e corretos”. “Porque todos os agricultores que têm argentinos trabalhando hoje só batem palma. São limpos, trabalhadores, corretos, cumprem o horário, mantém a casa limpa, e no dia de embora ainda agradecem o patrão pelo serviço prestado e pelo dinheiro que receberam.”

As declarações de Fantinel foram ditas em referência ao episódio da última semana, em que agentes da Polícia Federal e da Polícia Rodoviária encontraram 208 trabalhadores mantidos à força em um alojamento e submetidos à violência física, salários atrasados, assédio moral e jornadas de trabalho extenuantes, de acordo com a denúncia.

Publicidade

Os funcionários trabalhavam para a empresa Oliveira & Santana, que presta serviços terceirizados para vinícolas de Bento Gonçalves, como Aurora, Santon e Garibaldi - as três repudiaram o episódio e afirmaram que prestaram apoio aos funcionários. Um empresário de 45 anos, acusado de manter os funcionários nesta situação, foi preso em flagrante e solto depois de pagar uma fiança de cerca de R$ 40 mil.

Os funcionários trabalhavam para a empresa Oliveira & Santana, que presta serviços terceirizados para vinícolas de Bento Gonçalves, como Aurora, Santon e Garibaldi - as três repudiaram o episódio e afirmaram que prestaram apoio aos funcionários. Um empresário de 45 anos, acusado de manter os funcionários nesta situação, foi preso em flagrante e solto depois de pagar uma fiança de cerca de R$ 40 mil.

Após serem libertados, os mais de 200 homens foram acolhidos em um ginásio municipal da prefeitura local, onde receberam abrigo, local para dormir, acesso à higiene, alimentação e assistência médica.

De acordo com informações do Ministério do Trabalho e Previdência, os funcionários viviam sem segurança, higiene e sofrendo agressões dos empregadores por meio de choques elétricos e uso de spray de pimenta. Segundo o auditor fiscal do Trabalho, Vanius João de Araújo Corte, os trabalhadores, muitos recrutados da Bahia, trabalhavam das 4h às 20h ou 21h, e, além de não receberem salário em dia, eram extorquidos por um mercado local que vendia os itens a preços superfaturados.

Publicidade

Nas falas, o vereador questionou a atuação de fiscalização da pasta e as obrigações trabalhistas que competem aos empregadores. “E agora o patrão vai ter que pagar o funcionário para fazer a limpeza para os ‘bonito’, também? É isso que tem que acontecer? ‘Temo’ que botar ele em hotel 5 estrelas para não ter problema com o Ministério do Trabalho? É isso que temos que fazer?”, diz.

“Então vamos abrir o olho, povo que me assiste, quando falam em ‘análogo à escravidão’, poque eu conheço bem como funciona essa situação”. “A intenção é trabalhar 10, 15, 20 dias e receber (o equivalente à) 60, mais os direitos”, concluiu Sandro Fantinel.

Na mesma sessão, o vereador voltou aos microfones do plenário para explicar as falas. “Minha colocação da palavra ‘baianos’ não significa que eu tenha alguma coisa contra os baianos. Eu citei a Bahia porque o processo em andamento em Bento Gonçalves, pelo qual me trouxe aqui fazer a minha fala, foi um processo relacionado a funcionários vindos da Bahia. Em que parte diz que eu sou contra aquele povo? Não ponham palavras na minha boca.”

‘Mal intepretado’

Ao Estadão, o Sandro Fantinel, disse que quis dizer que há casos parecidos com o de Bento Gonçalves e que, nas suas palavras, “são armações”. “Eu já fui visitar e vi. Pessoas que criam esse cenário para depois denunciar o proprietário e ganhar indenizações. Não estou dizendo que são todos. Estou dizendo que existe esse tipo de problema”, disse o vereador.

Publicidade

“Eu usei a questão que aconteceu com os baianos, em Bento Gonçalves, para explicar essa situação. Se fossem cariocas, mineiros ou de Santa Catarina, eu ia colocar o nome daquele Estado”, continuou.

O vereador disse também que errou ao referir ao povo baiano como pessoas que “gostam de ir à praia tocar tambor”, e que pediu desculpas em plenário.

Ele ainda explicou também que a comparação com os argentinos foi feita porque, a pedido de um produtor, ele presenciou a situação em que funcionários contratados para uma lavoura em Caxias, “que não eram do Nordeste, mas da fronteira do Rio Grande do Sul”, não limparam os alojamentos antes de ir embora. “Esse agricultor me disse que em um outro ano, ele contratou argentinos e que deixaram o espaço limpo”, afirmou. “Eu não estava me referindo aos baianos, qualquer pessoa com o mínimo de consciência entende isso”, disse.

Ainda para se defender, o vereador afirmou à reportagem que foi mal interpretado, que está sendo ameaçado por conta de suas falas, que a maneira como as declarações foram divulgadas faz parte de um trabalho de oposição da esquerda, e alegou ser contrário ao trabalho análogo à escravidão. “O que aconteceu em Bento Gonçalves foi, sim, análogo à escravidão. Eu não disse que não. Eu não sou à favor desse tipo de coisa”.

Publicidade

Quem é Sandro Fantinel, vereador de Caxias do Sul

Sandro Fantinel é político, empresário de Caxias do Sul, e apoiador do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), com quem compartilha a simpatia por pautas conservadoras, como a militarização na educação e Escola Sem Partido.

Eleito para a câmara municipal de Caxias com 1.756 votos, o vereador está em seu primeiro mandato, embora já seja ativo na política há anos. Em 2017, junto com um grupo de empresários, ele criou a Comissão Pró-Bolsonaro 2018. Fantinel deixou de se candidatar a deputado federal nas eleições do ano seguinte para trabalhar pela campanha de Bolsonaro à presidência da República.

O parlamentar afirma em sua biografia disponível no site da câmara de Caxias que seus principais objetivos no mandato, previsto para encerrar em 2024, estão a criação de escolas cívico-militares, a criação de um novo banco de alimentos em Caxias, trabalhar pelo desenvolvimento do agronegócio, e “batalhar em prol do projeto Escola Sem Partido”.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.