PKSEG 14/06/2024 -  SEGURANÇA / BLINDADOS  - Loja de veículos novos e usados Blindados na Barra da Tijuca , zona oeste do  Rio de Janeiro. FOTO : Pedro Kirilos/Estadão. Foto: Pedro Kirilos/Estadão
Foto: Pedro Kirilos/Estadão

Violência urbana reforça busca por câmera e blindagem: ‘Não é mais ligada a alto poder aquisitivo’

Insegurança move busca por alternativas particulares de proteção. Especialistas chamam atenção para a limitação dos efeitos sem políticas públicas amplas

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Foto do author Marcio Dolzan
Atualização:

O medo da violência urbana impulsiona o mercado de serviços de segurança privada, com busca de reforço por conta própria, com instalação de câmeras, contratação de serviços de vigilância e blindagem de veículos de passeio. As medidas, no entanto, podem ter efeito limitado, uma vez que o combate à criminalidade exige políticas públicas estruturadas, ressaltam especialistas.

  • Oficialmente, há 3.359 empresas especializadas que oferecem esse tipo de serviço no Brasil, além de 2.516 empresas que têm serviço orgânico de segurança - uma loja ou fábrica, por exemplo, que investe por conta própria.
  • A conta, porém, não considera as empresas clandestinas e que não são cadastradas junto à Polícia Federal. Entidades do setor avaliam que há número pelo menos igual dessas empresas.

Essa “indústria do medo” cresce em especial nas grandes cidades. O maior mercado está justamente em São Paulo. Dados da PF apontam que há 753 empresas especializadas em segurança no Estado e quase 750 mil profissionais habilitados, entre ativos e inativos.

Fabricantes têm relatado aumento da busca por blindagem Foto: Divulgação/Concept Be Safe

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Em Pinheiros, zona oeste paulistana, um grupo de comerciantes montou, há oito anos, uma associação para debater soluções para o bairro. Nos últimos anos, a insegurança tem ganhado cada vez mais destaque nas conversas.

“Já fizemos orçamentos com ronda, com efetivo nas esquinas cuidando de cada quadra, parcerias com empresas de câmeras. Já fizemos campanhas nos comércios para entrarmos para o Vigilância Solidária (projeto da Polícia Militar)”, diz Vanêssa Rochha Rêgo, presidente da Associação Coletivo Pinheiros.

“Temos alguns grupos de tutores, donos de comércios, responsáveis pelas suas quadras. Alguns trabalham junto com moradores”, acrescenta.

“Quando começou a verticalização desenfreada na região, procuramos cinco incorporadoras para desenvolver com eles um projeto de segurança pelo bairro. Alertamos que, enquanto eles iriam construir e dizimar quadras inteiras, a segurança do bairro iria ficar comprometida, pois os tapumes deixariam calçadas compridas ou em quadras totalmente escuras, sem pessoas circulando. E foi exatamente o que aconteceu.”

Dados da Secretaria da Segurança Pública (SSP) apontam que 1.130 roubos e 3.092 furtos foram registrados na área do 14º Distrito Policial (Pinheiros) de janeiro a abril. No mesmo período do ano passado, foram 1.156 roubos e 3.434 furtos.

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Na cidade como um todo, foram 40,8 mil roubos e os 78,4 mil furtos nos quatro primeiros meses do ano, ante 46,6 mil roubos (queda) e 80,6 mil furtos (alta) no mesmo período de 2023.

Vanêssa lidera associação de comerciantes em Pinheiros que adota medidas privadas para reforçar a segurança da região Foto: Daniel Teixeira/Estadão

Em nota, a SSP informou “está empenhada em combater a criminalidade na cidade e em todo o Estado” e destaca ter “reforçado o policiamento ostensivo e preventivo por meio da Polícia Militar, bem como a atuação investigativa da Polícia Civil”.

Segundo a secretaria, 10.190 infratores foram presos/apreendidos na capital e 1.176 armas de fogo retiradas das ruas. No Estado, foram 40.670 infratores presos e apreendidos e 4.758 armas recolhidas.

Mercado de segurança privada se diversifica

Os números de empresas cadastradas junto à Polícia Federal se referem a serviços de vigilância patrimonial, segurança pessoal, transporte de valores e escolta armada, todos regulados por uma lei estabelecida ainda na década de 1980 e que prevê fiscalização por parte da corporação.

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Mas a violência urbana tem feito com que o mercado de segurança se diversifique cada vez mais e, muitas vezes, se desenvolva de outras formas, e não só na tradicional vigilância com seguranças e rondas noturnas pelos bairros.

“Muitas atividades de segurança privada não são reconhecidas por essa legislação federal, e uma das maiores é a vigilância eletrônica, que são essas atividades que envolvem o uso intensivo de tecnologia”, diz Cleber Lopes, coordenador do Laboratório de Estudos sobre Governança da Segurança (LEGS) da Universidade Estadual de Londrina (UEL).

Câmera instalada em estabelecimento da Rua dos Pinheiros, na zona oeste de São Paulo Foto: Daniel Teixeira/Estadão

É justamente na vigilância eletrônica que o Coletivo Pinheiros está investindo no momento. A associação tentou alternativas mais tradicionais, mas esbarrou na capacidade das empresas que ofereciam o serviço.

“Na grande maioria, elas não têm frota suficiente para cobrir o nosso território ou não têm pessoas suficientes. Na hora de colocar isso junto, os custos são altíssimos”, afirma Vanêssa. Segundo ela, houve parceria com uma empresa de câmeras, mas o acordo depois foi desfeito por um aumento de valores.

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Especialistas veem a proliferação dos serviços de monitoramento eletrônico com cautela. Um dos receios diz respeito à coleta e ao tratamento de imagens em vias públicas e como o material é usado para fins particulares.

Tecnologias que se propõem a identificar “perfis suspeitos” também vêm sendo questionadas pelo risco de adotarem viés racista contra pessoas avaliadas como propensas a promover risco à segurança.

Analista criminal e membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Guaracy Mingardi afirma que as câmeras “ajudam até certo ponto”. “Se não tiver ninguém acompanhando o que acontece pelas câmeras, não adianta. Em alguns casos, até podem servir para resolver algum crime, mas isso depois que ele já aconteceu”, argumenta.

“O centro de São Paulo é um dos lugares que mais têm câmeras no País, mas ainda assim é onde mais acontecem furtos de celular”, exemplifica.

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Além da vigilância eletrônica, o pesquisador Cleber Lopes cita outras atividades consideradas de segurança privada que não estão previstas na lei e que são comuns. “Toda atividade de vigilância patrimonial que é feita em via pública por esses guardas noturnos, vigias e rondantes não estão sob a regulação e o controle da Polícia Federal”, exemplifica. O mesmo vale para serviços de investigação particular (detetives), empresas de consultoria e de avaliação de risco.

Para a Federação Nacional dos Sindicatos das Empresas de Segurança, Vigilância e Transporte de Valores, a legislação “não acompanhou a modernidade do setor e, portanto, encontra-se totalmente defasada”.

“A lei atual é muito branda no que diz respeito ao combate à clandestinidade”, considera a Fenavist. A PF, por sua vez, limitou-se a informar que segue a legislação vigente.

Dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública mostram que o total de trabalhadores ativos em empresas do setor foi de cerca de 500 mil entre 2021 e 2023, com tendência de queda. Mas quem estuda o assunto diz que o número é irreal - numa estimativa conservadora ele seria mais que o dobro.

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“O número não capta o emprego dos policiais nessas atividades, e os policiais são fortemente presentes, sobretudo nos grandes centros metropolitanos, onde o custo de vida é mais alto e é difícil para os policiais sobreviverem apenas com o seu salário”, afirma Cleber Lopes, lembrando os “bicos” feitos como segurança por policiais da ativa.

“Em algumas cidades e regiões metropolitanas, o segundo emprego do policial se torna o primeiro, que é o mais importante do ponto de vista da renda”, destaca.

Busca por veículos blindados cresce, mas preço ainda assusta

Há algumas semanas, Ana, que por questões de segurança pediu para não ter seu nome completo publicado, diz ter escapado por pouco de um assalto na região da Faria Lima, . Ela dirigia o veículo do marido, que é blindado, por uma rua pouco movimentada quando percebeu um homem olhando fixamente para ela.

“Eu nunca antes tinha pensando ‘Ih, vou ser assaltada’, mas foi exatamente isso que senti. Gelei por dentro, só pensava que estava num carro blindado e sozinha. Eram umas 15h; passo ali direto com meus filhos. O homem andou na minha direção, enquanto eu fingia cantarolar, e parou do lado do carona”, relata.

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“Quando a abordagem é pra vender ou pedir, costumam vir do lado do motorista. Ele parou do lado do carona e olhou bem pra dentro do carro. Suponho que percebeu que o carro é blindado, está escrito o nome da blindadora na janela. Não falou nada e se distanciou”, acrescenta.

A experiência ruim fez com que ela decidisse pensar em instalar blindagem também no seu veículo. “Como levo meus filhos no carro para aula, natação, fonoaudióloga, fico muito tempo dentro dele”, afirma Ana.

Ela conta que fez orçamento com duas empresas para blindar o carro, mas se assustou com os valores: o serviço foi calculado em cerca de R$ 80 mil. Por ora, ela cogita colocar pelo menos um insulfilm nos vidros.

Diretor de Novos Negócios da Concept Be Safe, empresa especializada em blindagem de veículos, Fábio Rovedo diz que um grande percentual das vendas se destina ao mercado corporativo e para veículos de alto padrão, mas que o perfil de quem busca esse tipo de segurança vem se diversificando.

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“Num primeiro momento, o valor percentual da blindagem era muito mais elevado em relação ao valor do carro. Era um grupo econômico bastante privilegiado que podia ter acesso à blindagem. Mas, ao longo do tempo, esse valor foi caindo, e a gente percebe que já atinge os veículos de gama média também”, diz Rovedo.

“A blindagem hoje não é mais ligada ao alto poder aquisitivo, e sim ao quanto de segurança você precisa. Com o aumento da criminalidade, será ainda mais comum vermos o dono da quitandinha blindar seu HB20”, afirma Jamyla Brasil, gerente financeira da empresa.

Loja de veículos blindados novos e usados na Barra da Tijuca, zona oeste do Rio, tem bastante procura Foto: Pedro Kirilos/Estadão

No Estado de São Paulo, as ocorrências de roubos de veículo chegaram a 9,6 mil de janeiro a abril deste ano. No ano passado, foram 12.788 no mesmo período. Quanto a furto de veículos, foram 30,2 mil casos em 2024 ante 31 mil em 2023.

No Rio, lojas que comercializam veículos blindados novos e usados apresentam boa procura. “Nosso público não são apenas empresários e executivos, mas também pessoas casadas que têm família. Esses normalmente pegam carros de sete lugares. A partir dos 40 anos, a gente vende bastante”, afirma Ianes Ismail, gerente de Marketing da B-Car Automóveis.

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“Mas o público vem se diversificando por conta da violência do Rio de Janeiro. Aparecem pessoas mais novas também, mulheres principalmente”, continua.

Desde o início do ano, a startup Rhino oferece serviço de transporte por aplicativo em carros blindados em São Paulo. Devido à natureza do negócio, a empresa não revela dados sobre total de motoristas ou carros disponíveis, mas tem apostado na expansão do número de usuários do serviço.

No fim de maio, o aplicativo passou a oferecer descontos para as primeiras viagens do dia realizadas aos domingos e às segundas-feiras. Segundo a empresa, 40 mil usuários já se cadastraram, e 70 mil pessoas baixaram o aplicativo.

Melhora na segurança exige políticas públicas

Especialistas ponderam que, embora medidas autônomas de segurança sejam legítimas, principalmente diante de patamares altos de insegurança, é necessário ao mesmo tempo olhar para o que é feito como política pública. Gestores devem ser demandados a adotar intervenções efetivas contra práticas recorrentes de violência, como é o caso de roubos a pedestre ou a motoristas, que por vezes resultam em violência e trauma.

Ações estruturadas podem ser capazes de reverter tendências consolidadas de criminalidade, pontuam analistas do tema. Em São Paulo, é conhecido o exemplo do efeito da Lei dos Desmanches sobre o patamar de roubos e furtos de veículo.

Ao regulamentar o mercado de peças automotivas usadas, o Estado apertou o cerco aos desmanches ilegais, o que fez diminuir o total de roubos de carro, por exemplo. Os registros caem de 98 mil em 2014 para 37 mil no ano passado.

Para o analista Guaracy Mingardi, é preciso distribuir câmeras e policiamento de forma equitativa para alcançar efetividade da ação pública contra a criminalidade, “com critérios reais, não políticos”.

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