Visita ao tio, ida à manicure: as histórias de quem estava em cima da ponte que caiu entre MA e TO

Familiares de Gessimar Ferreira, 38, seguem aguardando por corpo; Gabriel Assunção, 30, escapou, mas deixou Fiat Palio da família entre duas partes da ponte. Estadão conversou com familiares. Buscas chegam ao 8º dia com sete desaparecidos

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Foto do author André Shalders
Atualização:

Enviado especial a Estreito (MA) – Quando o vão central da ponte Juscelino Kubitschek de Oliveira se rompeu e caiu no Rio Tocantins, no começo da tarde do último domingo, 22, o morador de Estreito (MA) Gessimar Ferreira da Costa estava voltando para casa numa moto Honda Pop 100. Ele tinha ido à cidade vizinha, Aguiarnópolis (TO), para visitar o tio, que está acamado.

Gessimar é uma das oito vítimas do desabamento da ponte cujos corpos ainda não foram resgatados – outras nove vítimas já foram recolhidas. Pelo menos oito veículos caíram no Rio Tocantins no acidente.

Mergulhador da Marinha busca por corpos de desaparecidos no Rio Tocantins Foto: Wilton Junior/ Estadão

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A reportagem do Estadão conversou com familiares de dois dos mortos e com uma pessoa que estava na ponte no momento do desabamento, mas que conseguiu escapar. Em alguns casos, as pessoas estavam fazendo viagens rotineiras entre as cidades de Estreito e Aguiarnópolis; mas há também caminhoneiros vindo de longe e que por acaso estavam em cima da ponte Juscelino Kubitschek por volta das 14h30 do dia 22 de dezembro de 2024.

Aos 38 anos, Gessimar estava terminando de construir uma casa em Estreito, conta a irmã, Gessilene. Ele era o terceiro filho de doze irmãos, e o primeiro filho homem. Começou a vida trabalhando como lavrador em Estreito até sofrer um acidente – ele foi atropelado por um trator. O sinistro deixou nele um coágulo no cérebro, que o impedia de trabalhar no campo. Nos últimos tempos, estava trabalhando como ajudante na loja de roupas do padrinho, conta a irmã.

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“Ele era um bom rapaz. Sempre humilde, prestativo, nunca sabia dizer ‘não’. A gente não morava junto, mas ele nunca deixava de ligar para os sobrinhos e de dar presentes. Era uma pessoa maravilhosa. Não estou dizendo isso porque ele se foi não. É porque ele era assim mesmo”, diz a irmã. A família está em contato com a Marinha, que realiza as buscas. “A gente queria encontrar o corpo para dar um enterro digno ao nosso irmão. Não está fácil”, diz ela ao Estadão.

O morador de Estreito Gessimar Ferreira da Costa, de 38 anos, é uma das vítimas da queda da ponte Juscelino Kubitschek. O corpo dele segue desaparecido Foto: Acervo pessoal / reprodução

Assim como Gessimar, também morava na região o mototaxista Marçon Gley Ferreira, de 42 anos. Ele conversou rapidamente com o vereador de Aguiarnópolis Elias Júnior (Republicanos), que gravava um vídeo para denunciar o mau estado da ponte no momento em que ela caiu. Na conversa, Marçon se disse preocupado com a ponte, conta Elias – a estrutura já estava dando sinais de afundamento naquele domingo, antes de colapsar. Os dois trocaram saudações e Marçon seguiu viagem.

O vendedor Gabriel Assunção, de 30 anos, é morador de Estreito e também estava voltando para casa, vindo de Aguiarnópolis. A esposa tinha ido fazer a sobrancelha com a tia. “Devido à demanda na semana, com os salões todos cheios, ela só achou vaga no domingo”, diz ele. No carro estavam ele, a mulher, e a mãe dela, sogra de Gabriel. O veículo de Gabriel é um Fiat Palio que segue preso na ponte – cada eixo do veículo está de um lado da estrutura. Entre eles há um vão de cerca de um metro. “O procedimento lá foi muito ligeiro. Não deu muito tempo para pensar. Quando a gente entrou na ponte, Deus tocou no meu coração para eu ir devagar, ficar longe do caminhão que ia à nossa frente. Na rampa (...), quando eu olho no retrovisor, que eu volto a vista para a frente, já tinha sumido tudo. Já estava aquela poeira subindo”, disse Gabriel ao Estadão.

Cabos de aço que sustentavam a ponte se romperam, levando à queda da estrutura Foto: Wilton Junior/ Estadão

“E aí de imediato coloquei a ré no carro e saí desse local, de ré, na contramão, voltando para Tocantins, e aí caímos naquele buraco onde o carro está enganchado. Eu saí pela porta da minha esposa. Quando abrimos, já nos deparamos com o buraco. Quando eu saí, ainda lembrei do meu telefone. Voltei para pegar o telefone. E depois o nosso instinto foi de sair correndo”, descreve Gabriel. Ele expressa pesar pelas pessoas que estavam à frente e não conseguiram se salvar.

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Ao contrário de algumas das outras vítimas, o caminhoneiro Kécio Francisco Santos Lopes, de 42 anos, vinha de longe. Ele era morador de Demerval Lobão (PI), distante 550 km do local do acidente. Aquela era a primeira viagem dele no novo emprego como motorista carreteiro da empresa Expresso Geração Transportes, de Fortaleza (CE). Na ocasião, Francisco Lopes transportava uma carga de 25 mil litros de defensivos agrícolas. Vinha do Pará em direção a Tocantins, no sentido oposto ao do vendedor Gabriel Assunção.

A viagem representava a volta de Kécio ao trabalho após um período de cerca de três meses desempregado, conta o tio dele, Antônio Edmundo. Ele deixa esposa e uma filha de apenas seis anos de idade. O corpo dele foi encontrado ainda na manhã de terça-feira, 24, pelo Corpo de Bombeiros de Tocantins. Ele foi sepultado no dia seguinte. “Os pais dele estão arrasados”, diz o tio. A prefeitura de Demerval Lobão e a transportadora Expresso Geração emitiram notas de pesar pelo falecimento do trabalhador.

No fim da tarde de sábado, 28, uma missa campal em memória das vítimas do acidente foi celebrada ao pé da ponte, no lado maranhense, em Estreito.

Construída nos anos 1960, a Ponte Juscelino Kubitschek de Oliveira tinha 533 metros de extensão. Chegou a ter o maior vão do seu tipo no mundo, na época da inauguração. A última vez que a ponte passou por reparos foi entre os anos de 1998 e 2000, ainda no governo de Fernando Henrique Cardoso (PSDB), quando foram acrescentadas passarelas para pedestres dos lados da pista. A reconstrução deve custar entre R$ 100 milhões e R$ 150 milhões e ficar pronta em até um ano, segundo o ministro dos Transportes, Renan Filho, e o Departamento Nacional de Infraestrutura de Trânsito (Dnit).

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Sem a ponte, a rotina dos moradores e o transporte de cargas na região foram alterados. Muitos moradores de Aguiarnópolis trabalham em Estreito e dependem da cidade, que é sete vezes mais populosa. Para os caminhoneiros, o fim da ponte Juscelino Kubitschek significa uma espera de até cinco horas para pegar a balsa na cidade vizinha de Porto Franco (MA) – o preço das tarifas da balsa varia entre R$ 265 para caminhões grandes e R$ 5,50 para motos.

Buscas chegam ao nono dia com 11 corpos já encontrados

As operações de busca pelos corpos das vítimas chegaram nesta segunda-feira, 30, ao nono dia, com onze corpos já localizados, dos quais nove já foram recolhidos. A profundidade no trecho do Rio Tocantins entre as cidades de Estreito e Aguiarnópolis varia de 38 a 48 metros; e a visibilidade dos mergulhadores é de um a três metros.

Ao todo, 18 pessoas foram atingidas no acidente. Só uma sobreviveu – está num hospital em Estreito, se recuperando. Das 17 restantes, 11 já tiveram o óbito confirmado pela Marinha – nove corpos foram recuperados, e dois já foram localizados, mas ainda seguem presos no Rio Tocantins. Os corpos de outras seis vítimas seguem desaparecidos.

O mergulho dependente, usando o escafandro, dá aos militares mais tempo debaixo d'água Foto: Wilton Junior/ Estadão

Ao todo, a Marinha mobilizou 87 militares para a região. Outros 20 participam remotamente do planejamento e da logística da operação desde Belém (PA), onde está localizado o 4º Distrito Naval. O comandante do 4º Distrito, o contra-almirante Maurício Coelho Rangel, coordena os trabalhos de busca no Rio Tocantins. Na sexta-feira, 27, a corporação chegou a interromper a atividade dos mergulhadores na base da ponte, depois que o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) constatou que os pilares da ponte estavam se movendo. No sábado, 28, os mergulhos foram retomados.

O grupo de mergulhadores da Marinha que trabalha no local é formado por 16 militares do Rio de Janeiro e do Pará. Além disso, a equipe de mergulho é formada também por dois médicos especializados no atendimento aos mergulhadores e por quatro enfermeiros, além dos operadores.

Nos últimos dias, a Marinha tem realizado tanto o chamado mergulho independente (com um cilindro de oxigênio), quanto o mergulho dependente, no qual o militar respira por meio de uma mangueira de oxigênio ligada a um compressor, na superfície. Para sustentar este tipo de mergulho, a Força montou no local uma espécie de base em duas plataformas flutuantes, que contam com compressores de oxigênio, geradores de eletricidade e instrumentos para monitorar os mergulhadores.

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Também conhecido como escafandrista, o mergulhador dependente tem a vantagem de ter mais tempo no fundo do rio do que aquele que usa o cilindro de oxigênio. Para auxiliar na operação, a Marinha também trouxe ao local uma câmara hiperbárica – um aparelho usado tanto para fazer a descompressão dos mergulhadores quanto para tratar aqueles que se acidentaram. O equipamento pesa cerca de 10 toneladas e chegou ao Maranhão em um voo da Força Aérea Brasileira (FAB).

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