O Conselho de Ministros de Portugal aprovou na quarta-feira, 15, uma proposta de lei que altera a Lei dos Estrangeiros, a qual define as regras para entrada e permanência de estrangeiros em território português. A medida prevê a criação de vistos que permitem que estrangeiros procurem por emprego no país por até 120 dias, podendo ser prorrogado por mais 60 dias.
Consta ainda a concessão de vistos de permanência temporária ou de residência para “nômades digitais”, ou seja, trabalhadores que exercem atividade profissional de forma remota para empresas de outros países.
O projeto de lei prevê o reagrupamento da família do solicitante de visto. Isso singifica que os filhos de trabalhadores estrangeiros à procura de emprego em Portugal poderão se mudar junto com os pais. Até o momento, é preciso que o cidadão estrangeiro já esteja legalizado para trazer a família ao país.
A proposta de lei do governo ainda precisa passar pela Assembleia da República e, sendo aprovada nessa etapa, passará pela sanção do Presidente. É bastante improvável, contudo, que o projeto não seja aprovado, uma vez que foi proposto pelo partido do governo - o Partido Socialista (PS) -, que tem maioria na Assembleia.
A advogada Tabatha Walazak, que atua no Brasil e em Portugal, explica que apesar das chances de aprovação do projeto serem altas, não há previsão de quanto tempo irá levar para que ele seja, de fato, implementado. “O caminho ainda é longo. O texto precisa ser amplamente discutido na Assembleia. E talvez existam mudanças propostas. Mas, no final, deve ser aprovado sim”, avalia.
Sendo aprovada, a medida também facilitaria a emissão de visto para estudantes estrangeiros que irão cursar Ensino Superior em Portugal com a eliminação do parecer do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) - etapa que atualmente leva cerca de dois meses, ou até mais, para aprovar vistos de estudantes no país. Será preciso apenas que o aluno esteja matriculado em uma universidade portuguesa.
Outra alteração proposta pelo governo português é a extinção do contingente global de estrangeiros, uma espécie de cota máxima de vagas para estrangeiros de fora da União Europeia. “A ideia é que não haja mais um controle do número de vagas para estrangeiros, visto que Portugal tem uma oferta muito grande de empregos”, explica Walazak.
Com o objetivo de atrair uma imigração regulada para o país, a ministra Adjunta e dos Assuntos Parlamentares Ana Catarina Mendes disse, após o anúncio da aprovação das medidas pelo Conselho de Ministros, que esse é “um grande passo na promoção de relações históricas com os países da CPLP, garantindo a aplicação plena do acordo sobre a mobilidade entre os Estados-membros da comunidade, assinado em Luanda, em 17 de julho de 2021”.
Ainda segundo a ministra, a proposta permite dar uma resposta à necessidade urgente de mão de obra para a revitalização da economia portuguesa, além de combater a imigração ilegal e o tráfico de seres humanos.
Brasileiros devem ter vantagens entre estrangeiros
A expectativa é de que haja uma facilitação para cidadãos estrangeiros pertencentes à Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), organização internacional formada por países lusófonos, da qual o Brasil e Portugal fazem parte, juntamente com Angola, Moçambique, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Guiné Equatorial, Portugal, São Tomé e Príncipe e Timor-Leste.
A ideia apresentada pelo Conselho de Ministros é que, assim como estudantes de ensino superior, os cidadãos pertencentes a países da CPLP não precisem depender do despacho do SEF. A regra também é válida para estrangeiros de países da CPLP que já estiverem em território português.
“Será mais ágil, porque a checagem será feita pelo próprio consulado, ou seja, é uma fase a menos pra quem é da CPLP, como é o caso dos brasileiros”, explica Walazak, que diz que acredita que tal regra seria válida para qualquer tipo de visto, não apenas os de trabalho e estudo. Mas esse tipo de detalhe ainda não foi informado, ela explica.
Apesar de um provável aumento da concorrência pelas vagas no país lusófono, caso as novas regras sejam implementadas, brasileiros têm também a vantagem do idioma, avalia Walazak. "Mas de forma geral brasileiros já têm uma boa aceitação no mercado de trabalho portuguesa, seja pela boa qualificação, seja pela forma esforçada de trabalhar", completa.
O advogado Belisário dos Santos Júnior considera que a decisão do governo português de atrair trabalhadores estrangeiros se deve à escassez de mão de obra em Portugal. “Eles têm uma lacuna importante no mercado de trabalho, e querem ocupar esses espaços com trabalhadores que falem português. É esse o motivo de, nos últimos anos, ter aumentado a concessão de vistos e cidadania portuguesa a brasileiros que preenchem as condições exigidas”, opina o advogado. “Essa é, com certeza, uma excelente oportunidade para quem deseja criar vínculos e se estabelecer em Portugal”, completa.
Já Walazak acredita que o principal objetivo do governo português é de organizar o sistema migratório, que hoje em dia sofre com muitos problemas e demoras que seriam resolvidos com essas novas medidas, avalia a advogada.
Entenda o trâmite para que os vistos sejam implementados
- Quais as mudanças nos vistos para estrangeiros em Portugal?
As principais mudanças anunciadas pelo Conselho de Ministros que afetam os brasileiros são:
- Criação de um visto destinado a quem pretende buscar emprego em Portugal, que poderá ficar até 180 dias no total procurando por uma vaga;
- Possibilidade de reagrupamento familiar, ou seja, postulante do visto pode solicitar entrada de esposa/marido e filhos desde o início;
- Criação de um visto destinado a nômades digitais, isto é, profissionais que trabalham de forma remota e são remunerados por empresas estrangeiras;
- Facilitação dos vistos de estudantes estrangeiros, que não precisarão mais do parecer do SEF, apenas da matrícula em uma universidade portuguesa;
- Facilitação dos vistos de estrangeiros vindos de países da CPLP, que não precisarão mais do parecer do SEF;
- Extinção do contingente global de estrangeiros, que estabelece uma cota máxima de vagas para estrangeiros vindos de fora da União Europeia.
- Os novos vistos já estão em vigor?
Não. Ainda é preciso que a proposta seja aprovada pela Assembleia Nacional de Portugal e seja sancionada pelo presidente. É bastante provável que as medidas sejam aprovadas, já que a proposta veio do partido que comanda o governo e que tem maioria na assembleia portuguesa. No entanto, não há previsão para a implementação de fato.
- Quais os requisitos para conseguir o visto de procura de emprego?
A advogada Tabatha Walazak explica que ainda não se sabe como seria a operacionalização desses novos vistos, isto é, como seria feita a requisição e quais os criterios necessários para solicitá-los. "Não tivemos acesso ao texto da proposta, que é onde a gente teria mais detalhamento de como seria efetivamente concedido o visto", esclarece. "O projeto não foi divulgado abertamente, o que é bastante incomum".
Ainda assim, a fala da ministra Adjunta e dos Assuntos Parlamentares Ana Catarina Mendes, ao anunciar as prováveis novas regras, foram no sentido de uma aparente facilidade para conseguir o visto a quem desejasse "tentar a vida" no país lusófono, avalia a advogada.
- Após os seis meses, quem conseguir emprego poderá ficar no país por quanto tempo?
Se os novos vistos seguirem as mesmas regras dos atuais vistos de trabalho existentes em Portugal, a partir do momento que o indivíduo conseguiuum trabalho, ele converte o visto em autorização de residência, o que dá o direito de residir no país por dois anos. O estrangeiro cumprindo os requisitos necessários - como a capacidade de manutenção financeira, ligada à manutenção do trabalho, e comprovação de uma moradia -, a renovação é aprovada por mais três anos.
Após cinco anos de residência legal, é possível solicitar a residência permanente, com validade de 10 anos, ou requerer nacionalidade portuguesa, que é permanente.
- A partir do momento que a proposta for aprovada, o que devem fazer os interessados em postular ao visto?
Walazak recomenda que os interessados se informem em fontes oficiais e se dirijam aos consulados portugueses no Brasil para tirar dúvidas.
Havendo alguma dificuldade, ela sugere contratar advogados especialistas no assunto. "É preciso tomar cuidado com procuradores ilícitos e assessores que não são habilitados a trabalhar com a concessão vistos, para que o postulante receba uma orientação correta de acordo com a lei", adverte.
Os vistos portugueses são solicitados única e exclusivamente no país de origem do estrangeiro. Walazak explica que atualmente quem capta os documentos e informações dos requerentes de vistos para encaminhar ao consulado português é a VFS, uma empresa que faz a análise prévia dos documentos e intermediação com o consulado. Cada região brasileira tem uma filial da VSF com escritório físico. Os pedidos são feitos, em sua maioria, pelos correios, mas algumas filiais já começaram a receber os documentos presencialmente mediante agendamento, explica a advogada.
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.