Você viu esse cachorro? Gaúchos vasculham abrigos e redes sociais em busca dos pets perdidos

Desabrigados e desalojados no Rio Grande do Sul vivem angústia da procura e alívio ao reencontrar cães, gatos e outros animais perdidos nas enchentes

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Foto do author Priscila Mengue
Por Priscila Mengue e Vincenzo Calcopietro
Atualização:

“Perdemos tudo o que tínhamos e peço ajuda para encontrar nossos bens mais preciosos”, diz uma mensagem seguida de informações sobre os vira-latas caramelo Guri e Rapariga, desaparecidos em Eldorado do Sul — município quase inteiramente tomado pelas enchentes que atingem a região metropolitana de Porto Alegre e mais cidades do Rio Grande do Sul. Outras tantas famílias têm feito publicações semelhantes, assim como peregrinado de abrigo em abrigo e revirado as redes sociais atrás de pistas sobre o paradeiro de seus animais de estimação.

Nas publicações, muitos lamentam a situação que os separou de seus pets. Há aqueles que estavam trabalhando e não conseguiram voltar, quem foi separado na urgência do resgate, outros que não imaginavam que a inundação duraria por tanto tempo. São pessoas que estão lidando com o trauma do desastre climático, muitas em abrigos, e a angústia de não ter notícia de seus bichinhos. Algumas perderam os celulares e ficaram (ou ainda estão) com dificuldade de locomoção.

Diversos animais foram resgatados em Porto Alegre e outros municípios do Rio Grande do Sul Foto: Nelson Almeida/AFP

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Uma força-tarefa tem sido criada nas redes sociais e em diferentes cidades para facilitar esses reencontros. Grupos de resgate e abrigos provisórios têm postado vídeos emocionantes desses momentos, enquanto busca-se disseminar fotos e dados básicos de milhares de cães, gatos, cavalos e outros animais perdidos e encontrados.

Em uma das postagens, um grupo mostra o reencontro de um animal que estava sinalizado como “cachorro bravo” com um idoso, por exemplo. Os voluntários brincam se ainda há dúvida se são da mesma família diante do comportamento bem mais dócil do bichinho.

Além das dificuldades de comunicação, os dados sobre animais resgatados e desaparecidos seguem pulverizados por páginas e perfis de redes sociais criados por voluntários. O governo do Estado chegou a anunciar um mapeamento dos abrigos, mas não há informações oficiais de como facilitaria a identificação das famílias dos pets resgatados.

O processo de busca não tem sido fácil para muitas pessoas. Um caso é o da auxiliar de administrativo Sofia Todeschini Adami, de 24 anos, que busca as gatas Flor, Bela e Pretinha há quase duas semanas após a inundação invadir o bairro São Geraldo, no 4º Distrito, em Porto Alegre.

“Estou divulgando no Insta, colocando nos sites, nos grupos de buscas também. Meu namorado, os grupos de procura, os sites de procura, as contas do Instagram estão ajudando nisso”, conta. “A parte mais difícil é não conseguir saber sobre elas, se estão ilhadas, a dificuldade de ir atrás resgatar...”

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Foto dizia ser um cachorro, mas a menina tinha certeza que era a sua cachorrinha. E estava certa

Dona de uma clínica estética, Brenda Diaz, de 24 anos, está há dias visitando abrigos e áreas de resgate junto com o pai e, ainda, procurando em páginas virtuais pistas das duas cachorrinhas da irmã, Gabriela, de 15 anos, moradora do Sarandi, um dos bairros mais afetados em Porto Alegre, na zona norte. Por enquanto, a força-tarefa resultou na identificação da Pantera, enquanto Lili segue desaparecida.

Brenda tem encaminhado fotos de todos os animais fisicamente semelhantes às cadelinhas para a irmã. Meio contrariada, enviou também a imagem de um cachorro. A adolescente não teve dúvidas: era a Pantera.

Lili (à esquerda) segue desaparecida, enquanto Pantera foi encontrada pela família de Brenda Foto: Arquivo pessoal/Brenda Diaz

“Falei: ‘está escrito macho e castrado’. Ainda chamei a guria, que confirmou que a veterinária tinha atestado como macho e castrado. E ela (irmã) bateu o pé que era a cachorra dela”, conta.

Brenda foi, então, ao abrigo. Depois, soube que o animal tinha sido enviado para um lar temporário e, depois, adotado. “Aconteceu a enchente há 10 dias, muitas pessoas estão em abrigos, muitas sem celular, sem locomoção e impossibilitadas de procurar o seu pet.”

Já as buscas por Lili prosseguem. “É bem difícil, por ela ser uma cachorrinha ‘comum’, caramelo. Mas a gente não vai desistir”, completa.

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‘Temos que percorrer todos os abrigos para encontrar, e são muitos’

A advogada Paula de Araújo Rossi, de 38 anos, tem ajudado nas buscas às cachorras de um tio que mora na Ilha Grande dos Marinheiros — um dos lugares mais afetados pelas enchentes em Porto Alegre. Segundo ela, Branca e Pompom foram salvas da inundação e estavam sob os cuidados dos vizinhos, mas foram levadas por terceiros para um abrigo que ninguém sabe onde fica.

Desde então, uma força-tarefa de seis pessoas procura as duas cadelas. “Nossa busca está sendo feita através de contato pela internet e telefone com os abrigos, compartilhamento em redes sociais e, principalmente, temos ido pessoalmente nos abrigos”, relata. “As buscas irão continuar.”

Para Paula, a maior dificuldade é a falta de um cadastro unificado de todos os animais resgatados, assim como mais informações sobre aqueles mantidos em cada abrigo (principalmente, a cidade ou o bairro onde foram resgatados). “Temos que percorrer absolutamente todos os abrigos para encontrar elas. E são muitos”, lamenta.

Perfis em redes sociais viram banco de dados de pets encontrados

Para agilizar as buscas, perfis em redes sociais têm organizado informações de animais oriundos ou encontrados em locais específicos. Diversas páginas relatam ter ajudado na reunião de famílias novamente.

Junto do namorado, a social media Gabriela Peixoto Souza criou o “Encontre seu Pet Canoas”, com perfil em rede social e plataforma online. Ao todo, mais de 3 mil animais foram cadastrados.

A motivação foi organizar informações que estavam pulverizadas em diferentes perfis. “Estava ficando confuso, pois misturavam animais sendo procurados com os resgatados, dificultando os reencontros”, conta. “Usamos essa ferramenta rica de informação (Instagram) como alavanca para o acesso ao site, que filtra os pets por cidade, espécie, raça, etc.”

O casal tem se desdobrado para cadastrar todos os animais, com o maior número de características possível, porém há a dificuldade dos abrigos e voluntários em colher tantos dados diante do volume de novos pets resgatados a cada dia. “Tem sido um trabalho incansável, manual e colaborativo de muitas horas da equipe”, relata. “Nem sempre há alguém que possa tirar fotos de todos animais e postar nas plataformas, quem dirá informando se é macho ou fêmea”, explica.

Ela avalia que ainda ocorrerão mais reencontros. “Muitas pessoas já sabem que seus pets foram resgatados mas não sabem em qual abrigo esse animal se encontra. Nosso trabalho é facilitar esse reencontro quando tudo já está tão difícil”, explica. “Queremos dizer para os tutores que ainda estão à procura de seus bichinhos que não percam a esperança, já são muitos reencontros acontecendo.”

Proposta semelhante tem o perfil “Tô Salvo Charqueadas Pet”, relativo a animais resgatados no município citado, na região metropolitana da capital gaúcha. “Muitos pets já conseguiram voltar para casa, quando recebo um feedback de reencontro, aquece o coração”, conta a idealizadora, Tairine Silveira da Silveira, de 30 anos. Segundo ela, dos cerca de 50 animais divulgados no perfil por enquanto, 20 voltaram para as famílias.

Ela considera que o impacto sofrido pelos pets também pode dificultar a identificação, assim como o deslocamento para outras localidades. “Nem sempre é fácil, ele pode estar sujo, debilitado. Ou, então, caminhou muito e está longe de onde se perdeu”, analisa.

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