Algumas pessoas nascem com maior potencial para serem sábias? Cientistas acham que sim

Possibilidade de herança genética não é, no entanto, consenso entre especialistas; entenda os argumentos

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Por Katherine Kam

THE WASHINGTON POST - Será que algumas pessoas nascem com maior potencial para serem sábias? Alguns cientistas, como o neuropsiquiatra Dilip Jeste, acham que sim. Jeste acredita que a sabedoria é uma característica que pode ser herdada geneticamente, embora o ambiente também tenha um papel importante.

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Jeste, ex-diretor associado de envelhecimento saudável e atendimento ao idoso da Universidade da Califórnia em San Diego, está tentando entender onde a sabedoria se localiza no cérebro.

A sabedoria, diz ele, não é produto apenas da experiência e da idade, mas também de traços e comportamentos associados a regiões cerebrais específicas, mas conectadas. O córtex pré-frontal e a amígdala são fundamentais, disse ele.

“O córtex pré-frontal, sem dúvida, é a parte mais importante da neurobiologia da sabedoria”, disse Jeste. Localizado atrás da testa, o córtex pré-frontal é a parte mais nova do cérebro em termos evolutivos. “É o que faz com que sejamos humanos”, disse ele.

É também a região responsável por raciocínio, julgamento e controle do comportamento. A amígdala, aninhada na parte mais antiga do cérebro humano, nos ajuda a sentir emoções, disse ele, “mas o córtex pré-frontal a controla”.

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Traços de sabedoria

Jeste, agora presidente eleito da Federação Mundial de Psicoterapia, ficou intrigado quando notou que as ideias básicas sobre a sabedoria – expressas em antigos textos espirituais – permaneceram estáveis ao longo de milênios, com algumas diferenças culturais.

Os sábios tendem a ser pessoas compassivas, calmas, decididas e de mente aberta que aprenderam com as experiências.

Essa consistência ao longo de tempos e lugares estimulou Jeste a se perguntar sobre uma possível base neurobiológica da sabedoria – e se ela teria algum valor evolutivo.

Segundo a “hipótese da avó”, por exemplo, as mulheres vivem décadas além de seus anos reprodutivos para transmitir a sabedoria que ajuda filhos e netos. Biologicamente, as avós transmitiram seus genes e talvez já não sejam férteis, mas, ao viverem mais, podem fornecer cuidado e sabedoria que aumentam a saúde física e emocional de seus descendentes.

A sabedoria talvez seja um traço de personalidade que pode ser cerca de 35% a 50% herdado geneticamente, disse Jeste, embora as influências ambientais também moldem a sabedoria.

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Em seu livro, Wiser: The Scientific Roots of Wisdom, Compassion, and What Makes Us Good (algo como Mais sábio: As raízes científicas da sabedoria, da compaixão e do que nos torna bons), Jeste propõe que a sabedoria é um traço de personalidade complexo com vários componentes:

  • Comportamento pró-social (empatia, compaixão e altruísmo)
  • Estabilidade emocional
  • Autorreflexão
  • Equilíbrio entre determinação e a aceitação da incerteza
  • Conhecimento pragmático da vida
  • Espiritualidade ou crença em algo maior do que si mesmo
O ambiente também tem um papel importante para determinar a sabedoria, dizem cientistas. Foto: Alex Silva/Estadão

Regiões do cérebro envolvidas nos traços de sabedoria

O comportamento pró-social é o mais importante, disse Jeste. Elevar-se acima dos interesses próprios e promover o bem comum são essenciais para a sabedoria em todas as culturas, disse ele.

“Agora sabemos que um traço como a empatia reside principalmente no córtex pré-frontal”, escreve Jeste em seu livro. O córtex frontal e o córtex parietal contêm neurônios-espelho, células cerebrais que permitem às pessoas obter uma percepção imediata e instintiva dos sentimentos dos outros.

Em contraste, o transtorno de personalidade antissocial, marcado pela falta de compaixão, aparece entre sociopatas e psicopatas. Fatores ambientais e predisposição genética podem contribuir para uma personalidade antissocial, disse Jeste. Nos cérebros psicopatas, as regiões associadas à empatia, espelhamento, intuição e sintonia são menos ativas.

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Mas biologia não é destino, disse ele. Uma boa educação e outros fatores ambientais positivos podem fazer com que pessoas com predisposições antissociais se tornem mais compassivas.

No caso da regulação ou estabilidade emocional, outra característica crucial, os genes têm um papel na capacidade de controlar a impulsividade, disse Jeste. Mas as pessoas também podem aprender a controlar os impulsos. “Não existe sabedoria imprudente”, afirmou ele.

Uma terceira característica importante, a autorreflexão, ocorre no córtex pré-frontal medial, disse Jeste.

Quando o córtex pré-frontal está danificado ou doente, as pessoas podem perder certos traços componentes da sabedoria. Por exemplo, Jeste tratou pacientes com demência frontotemporal, que afeta áreas cerebrais associadas a personalidade, comportamento e linguagem.

Os pacientes geralmente mostram uma perda dramática de empatia, capacidade de julgamento e contenção, mesmo quando sua inteligência geral permanece praticamente intacta. Eles começam a agir impulsivamente ou de maneira socialmente inadequada.

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Nem todos os cientistas pensam que a sabedoria pode ser estudada empiricamente. “Existe ceticismo sobre conceitos que as pessoas acham vagos”, disse Jeste. E, no entanto, observou ele, cientistas agora estudam o estresse, a resiliência e outras qualidades antes consideradas intangíveis demais para serem pesquisadas.

Em um artigo de 2019 que Jeste coescreveu para a Harvard Review of Psychiatry, ele descreve a sabedoria como uma ciência empírica emergente com um número crescente de estudos. Psicólogos e sociólogos criaram escalas de medição de sabedoria e neurocientistas conduziram estudos de neuroimagem, mas também surgiram muitos debates.

Sabedoria como habilidade

Howard C. Nusbaum, professor de Psicologia e diretor do Centro de Sabedoria Prática da Universidade de Chicago, que existe há uma década, discorda que a sabedoria seja um traço de personalidade com raízes biológicas.

As pessoas podem ser sábias em uma situação e insensatas em outra, disse ele. O raciocínio sábio, disse ele, é uma habilidade que pode ser aprendida e aprimorada, para o benefício de si mesmo e dos outros. “A sabedoria prática”, disse ele, “leva à prosperidade humana”.

A sabedoria pode melhorar gradualmente, disse Nusbaum. “Não penso na sabedoria como tudo ou nada: ou você é uma pessoa sábia ou é uma pessoa tola”, afirmou ele. Em vez de se esforçar para ser um indivíduo sábio, disse ele, “podemos ficar um pouco mais sábios com o tempo”.

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Por exemplo, pode-se pensar mais profundamente sobre como uma decisão futura afetará outras pessoas. É difícil ser sábio no isolamento, disse ele. “Sabedoria é essa noção de um tipo de estado positivo e enriquecido que está conectado a outras pessoas”, afirmou Nusbaum.

Os pesquisadores da sabedoria concordam, porém, que sabedoria não é o mesmo que inteligência, embora as duas muitas vezes sejam confundidas. Pessoas inteligentes nem sempre são sábias. Como escreveu o psiquiatra canadense Harvey Max Chochinov: “A inteligência fala. A sabedoria escuta. A inteligência sempre tem respostas. A sabedoria tenta entender as perguntas”.

A sabedoria não vem automaticamente com a idade, disse Monika Ardelt, professora de Sociologia da Universidade da Flórida e pesquisadora da sabedoria. “Você tem de aprender com suas experiências”, disse ela.

Um forte preditor de sabedoria é a abertura a experiências, disse ela. Em vez de adotar uma mentalidade rígida do tipo “eu já sei tudo”, as pessoas sábias ficam abertas ao aprendizado, inclusive de outras pessoas, afirmou.

Os jovens também podem ser sábios, disse ela, e isso depende das circunstâncias.

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“Os adolescentes podem ser muito sábios, principalmente se tiveram de lidar com experiências de vida pesadas”, disse Ardelt. “Alguns adolescentes têm doenças terminais e muitos deles se tornam bastante sábios por meio dessas experiências.” / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

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