As mortes provocadas por veneno de escorpião poderiam ser evitadas ou reduzidas com o uso de anti-inflamatórios disponíveis em qualquer farmácia, de acordo com um novo estudo feito por cientistas brasileiros e publicado nesta terça-feira, 23, na revista científica Nature Communications.
Em 2015, foram registrados 74.598 casos de acidentes com escorpião no Brasil, resultando em 119 mortes, de acordo com o Ministério da Saúde. O único tratamento disponível atualmente para as vítimas de escorpiões é o soro antiescorpiônico, que fornece apenas uma proteção parcial e pode causar anafilaxia - uma reação alérgica que pode ser fatal.
O estudo, realizado em camundongos, desvendou os mecanismos moleculares, até agora desconhecidos, da ação do veneno do escorpião amarelo (Tytus serrulatus) - uma espécie comum especialmente no Sudeste e Centro-Oeste.
De acordo com a coordenadora da pesquisa, Lúcia Helena Faccioli, da Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto (FCFRP), da Universidade de São Paulo (USP), o veneno do escorpião amarelo induz uma potente resposta inflamatória nos pulmões, matando a vítima - especialmente crianças - em consequência de um edema pulmonar.
Os resultados do novo estudo sugerem que a simples administração de medicamentos anti-inflamatórios amplamente acessíveis -como a indometacina e o celecoxibe - pode salvar a vida das vítimas desses escorpiões.
"O resultado foi espetacular para nós, porque abriu caminho para uma nova abordagem de tratamento. Temos a possibilidade de que pacientes picados por esse escorpião, que podem ter morte por edema pulmonar, sobrevivam graças ao uso de anti-inflamatórios comuns. Ficamos muito felizes com essa aplicação prática do nosso trabalho", disse Lúcia ao Estado.
Para que os anti-inflamatórios sejam adotados como um protocolo de tratamento contra a peçonha do escorpião amarelo, no entanto, ainda será preciso estudar o mecanismo em células humanas.
"Os experimentos foram feitos com camundongos. Mas é bastante provável que os resultados se repitam em humanos, porque os mediadores envolvidos na reação inflamatória nos pulmões são semelhantes nesse caso", explicou Lúcia.
Segundo Lúcia, em dezembro foi encaminhado à Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep) um pedido de autorização para pesquisas com sangue e células humanas. "Com isso, esperamos obter evidências de que os mesmos mediadores da inflamação estão presentes no ser humano após o envenenamento".
A partir daí, segundo ela, haverá a possibilidade de que o uso de anti-inflamatórios possa ser adotado como um protocolo para tratamento para o veneno do escorpião. "Só o tempo dirá se isso será possível. Mas é muito provável que ao menos entre o momento da picada e a chegada ao hospital o paciente possa tomar anti-inflamatórios para minimizar os efeitos da peçonha no pulmão até receber o soro antiescorpiônico", declarou Lúcia.
Experimentos. A pesquisa foi desenvolvida durante o pós-doutorado de Karina Zoccal na FCFRP. A equipe coordenada por Lúcia realizou uma série de experimentos e descobriu que ao injetar doses de peçonha do escorpião em camundongos, os animais têm uma forte reação inflamatória nos pulmões, resultando em morte por parada respiratória.
O grupo demonstrou que camundongos geneticamente modificados para terem uma deficiência de componentes genéticos específicos do inflamassoma - um complexo de proteínas que existe no interior das células de defesa do organismo, que desencadeia o processo inflamatório - sobreviveram a uma dose letal do veneno. Já com os camundongos "selvagens", foi diferente: 100% deles morreram em até três horas.
O estudo mostrou que as enzimas específicas que são ativadas, produzem uma molécula sinalizadora que atrai para o pulmão outras células de defesa, aumentando a inflamação e produzindo o edema pulmonar. Segundo Lúcia, a inflamação é um mecanismo importante de defesa do organismo, mas, quando exacerbada, pode levar à morte.
Os cientistas demonstraram em seguida que os camundongos que não tinham deficiência desses componentes genéticos do inflamassoma podiam ter a morte evitada pela administração de indometacina, uma droga anti-inflamatória que bloqueia a produção de prostaglandinas, um grupo de moléculas que exacerba a inflamação.
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