Sedimentos depositados no lago Crawford, um pequeno e profundo corpo de água localizado na província de Ontário, no Canadá, ofereceu provas de que a Terra entrou numa nova era geológica, o Antropoceno, induzida pela ação humana sobre o meio ambiente. De acordo com cientistas responsáveis pelo estudo, a mudança ocorreu há cerca de 70 anos.
Integrantes do Grupo de Trabalho do Antropoceno (GTA) planejam submeter as provas à entidade científica internacional responsável por nomear as eras geológicas na história da Terra. Os cientistas conduziram pesquisas em pelo menos 12 sítios em diferentes países e citaram o lago Crawford como o local que ofereceu provas particularmente persuasivas da ocorrência de marcadores geológicos do Antropoceno – essencialmente, a era dos humanos.
“O importante é a comunidade científica reconhecer que, efetivamente, estamos tendo um papel extremamente importante na mudança climática do nosso planeta”, afirmou, em entrevista ao Estadão, o físico da USP Paulo Artaxo, que integra o Painel Intergovernamental do Clima da ONU. “Se os segmentos são desse lago ou de outro lugar é uma preciosidade científica; o importante é reconhecer o impacto relevante do ponto de vista social, econômico e ambiental.”
O importante é a comunidade científica reconhecer que, efetivamente, estamos tendo um papel extremamente importante na mudança climática do nosso planeta.
Paulo Artaxo, físico da USP e integrante do Painel Intergovernamental do Clima da ONU
Eras geológicas são uma subdivisão do tempo geológico do planeta. Representam intervalos de milhões ou bilhões de anos, que demarcam eventos considerados significativos para o desenvolvimento da Terra.
Plutônio proveniente de testes de armas nucleares nos anos 1950 é “um claro marcador” da transição para o Antropoceno e foi acompanhado pela exploração desenfreada de combustível fóssil, consumo de fertilizantes, mudanças no uso da terra e declínio da biodiversidade, segundo Colin Waters, presidente da GTA e professor da Universidade de Leicester, no Reino Unido. A presença de plutônio e outras evidências foram encontradas nas amostras de sedimentos do lago Crawford.
“O fundamental é o processo de reconhecimento do papel do homem na mudança climática, refletido nos sedimentos desse lago, com o aumento da presença de poluentes produzidos pelo homem, como combustível fóssil, radioisótopos, e produtos químicos”, disse Artaxo.
“Atualmente, temos 70 anos de Antropoceno”, disse Waters, em entrevista à agência de notícias Reuters. “Isso já é tempo suficiente por conta da rapidez das mudanças e da precisão (das provas) para reconhecer que estamos em um novo estágio da Terra e que isso deve ser definido como uma nova era geológica.”
O Antropoceno é proposto como um capítulo da história da Terra que reflete a transformação do clima e da ecologia do planeta como resultado direto da atividade humana. Mas, até agora, não havia consenso na comunidade científica sobre quando essa era teria começado e a presença de provas para comprová-la.
“Julgo que faz sentido simbolicamente tomar 1950 como início da nova época geológica”, afirmou o climatologista Carlos Nobre. “Claro que épocas geológicas não começam em poucos anos, mas também as atividades humanas trouxeram novas transformações como nunca antes, como as partículas radioativas.”
O Antropoceno não foi ainda formalmente reconhecido por um corpo científico chamado Comissão Internacional de Estratigrafia. Se o Antropoceno ganhar reconhecimento formal, ele substituirá o Holoceno, que começou há 11,7 mil anos com o fim da última Idade do Gelo.
“Claramente, a biologia do planeta mudou abruptamente”, afirmou Waters. “Não podemos voltar ao Holoceno mais.”
Camadas de sedimento depositadas sob corpos de água oferecem registros das condições ambientais ao longo do tempo. Os cientistas obtiveram amostras de sedimento do lago Crawford e também de solos, corais e gelo de outros onze lugares.
O sedimento do lago Crawford, segundo os especialistas, revelaram uma mudança súbita (em termos geológicos) e irreversível das condições da Terra. Foram encontrados traços de cinzas provenientes da queima de combustíveis fósseis, além de mudanças na composição dos sedimentos que indicam chuva ácida, aquecimento global e perda da biodiversidade.
O registro do sedimento do Crawford é representativo das mudanças que tornam esse tempo geologicamente diferente do que veio antes.
Francine McCarthy, professora da Universidade de Brock, no Canadá
“O registro do sedimento do Crawford é representativo das mudanças que tornam esse tempo geologicamente diferente do que veio antes”, afirmou em entrevista à agência Reuters a professora de ciências da terra Francine McCarthy, da Universidade de Brock, no Canadá.
Alguns cientistas defendem, no entanto, que o Antropoceno teria começado na época da Revolução Industrial – entre o fim do século 18 e o início do 19. Já a GTA sustenta que não houve mudanças profundas até meados dos anos 1950, quando o crescimento econômico e populacional fez crescer exponencialmente as emissões de gases do efeito estufa e substâncias químicas provenientes de testes de armas nucleares começaram a se infiltrar nos solos, sedimentos, árvores e geleiras.
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