Depois de analisar vídeos de décadas atrás de chimpanzés em cativeiro, os cientistas concluíram que os animais podem pronunciar uma palavra humana: “mamãe”.
Não é exatamente o diálogo expansivo do filme O Reino do Planeta dos Macacos deste ano. Mas a descoberta, publicada em julho na revista Scientific Reports, pode oferecer pistas importantes sobre a evolução da fala. Os pesquisadores argumentam que nossos ancestrais comuns com os chimpanzés já tinham cérebros equipados com alguns dos blocos de construção necessários para a fala.
Adriano Lameira, psicólogo evolucionista da Universidade de Warwick, no Reino Unido, e um dos autores do estudo, disse que a capacidade de falar é talvez a característica mais importante que nos diferencia dos outros animais. Conversar entre si permitiu que os primeiros humanos cooperassem e acumulassem conhecimento ao longo de gerações.
“É a única característica que explica o fato de termos conseguido mudar a face da Terra”, disse Lameira. “Sem ela, seríamos um macaco comum”.
Há muito tempo os cientistas se perguntam por que podemos falar e outros macacos, não. A partir do início do século 20, essa curiosidade levou a uma série de experimentos estranhos - e cruéis. Alguns pesquisadores tentaram criar macacos em suas próprias casas para ver se a convivência com humanos poderia levar os jovens animais a falar.
Em 1947, por exemplo, o psicólogo Keith Hayes e sua esposa, Catherine, adotaram um chimpanzé bebê. Eles a chamaram de Viki e, quando ela tinha 5 meses, começaram a ensinar-lhe palavras. Após dois anos de treinamento, o casal afirmou mais tarde que Viki conseguia dizer “papai”, “mamãe”, “para cima” e “xícara”.
Na década de 1980, muitos cientistas já haviam descartado as experiências de Viki e de outros macacos adotados. Por um lado, a separação dos bebês de suas mães provavelmente era traumática. “Não é mais o tipo de coisa que você poderia financiar, e com razão”, disse Axel Ekstrom, cientista da fala do KTH Royal Institute of Technology, em Estocolmo.
Ética à parte, os experimentos de adoção não resultaram em fala fluente. Os animais tiveram dificuldades até mesmo para produzir padrões sonoros simples.
Esse abismo entre as habilidades humanas e as dos macacos alimentou um debate: chimpanzés eram incapazes de falar por causa de sua anatomia vocal ou por causa de seus cérebros?
Durante décadas, Philip Lieberman, antropólogo da Brown University, defendeu com veemência o trato vocal. Ele observou em 1969 que a laringe e a língua humanas estão mais abaixo na garganta do que em outros primatas. Lieberman, que morreu em 2022, argumentou que essa mudança anatômica permitiu que as pessoas produzissem a ampla gama de sons necessários para a fala complexa.
Mas, em 2016, uma equipe de cientistas fez filmes de raio X de macacos vocalizando e descobriu que o trato vocal dos primatas estava realmente “pronto para a fala”. Isso levou alguns pesquisadores a considerar se o cérebro dos macacos não tinha algo essencial para a fala.
Alguns estudos sugerem que o cérebro humano é excepcional porque pode enviar comandos coordenados à mandíbula e à garganta. Esse passo evolutivo pode ter permitido que nossos ancestrais combinassem consoantes e vogais em sílabas, que poderiam então ser combinadas em palavras.
E os humanos, diferentemente da grande maioria dos animais, podem aprender novos sons com os outros.
Mas os autores do novo estudo suspeitaram que os macacos foram subestimados. Em sua própria pesquisa sobre orangotangos, Lameira se convenceu de que macacos são capazes de aprender a vocalizar sons. Orangotangos selvagens em grupos vizinhos fazem chamados diferentes, por exemplo. Em zoológicos, aprenderam a imitar o apito de um zelador.
Ekstrom também se perguntou se os cientistas tinham sido rápidos demais em descartar os experimentos como fracassos. Ninguém jamais havia analisado os sons que Viki e outros chimpanzés faziam.
Ele começou a procurar gravações e descobriu que Viki apareceu em um documentário de 1959. No filme, o jovem chimpanzé parece dizer “papa” três vezes e “cup” uma vez.
Ekstrom gravou a si mesmo dizendo “papa” e “cup” e então comparou sua voz com a de Viki. Cada vez que ela dizia “papa”, ela produzia o mesmo padrão sonoro, sugerindo que ela realmente havia aprendido a dizer algo novo.
Mas, como Ekstrom relatou no ano passado, a versão de “papa” de Viki era fundamentalmente diferente da sua. Ela só fez dois sons de “puh” estalados, sem nenhuma vogal. Ela disse “cup” da mesma forma, fazendo apenas um som de “c” seguido de um “p”.
“Isso não é muito convincente se você está tentando dizer: ‘Olha, esse chimpanzé aprendeu a falar’”, disse Ekstrom.
Ekstrom e Lameira se uniram para procurar mais gravações. Eles encontraram um pequeno vídeo no YouTube de um chimpanzé chamado Johnny que vivia no Santuário de Primatas Suncoast em Palm Harbor, Flórida. No vídeo, enviado anonimamente em 2007, Johnny parece dizer “mamãe” em resposta ao incentivo de uma mulher.
Nancy Nagel, membro do conselho do santuário por 30 anos, confirmou que o chimpanzé no vídeo era Johnny. “Ele dizia um ‘mamãe’ muito rouco”, ela disse em uma entrevista. “Isso era tudo o que ele dizia.”
Ekstrom e Lameira então encontraram um noticiário de 1962 apresentando uma chimpanzé na Itália chamada Renata. Ela também pronunciou algo que soava como “mamãe”.
No novo estudo, os cientistas analisaram como Johnny e Renata disseram a palavra. Seus sons se assemelhavam mais à versão de Ekstrom de “mamãe”. Ao contrário de Viki, Johnny e Renata podiam adicionar uma vogal após uma consoante.
“Parece essencialmente uma palavra”, disse Ekstrom. “É um perfil acústico muito particular e único. Você não pode confundi-lo com outra coisa.”
Ekstrom então tocou as gravações para 61 voluntários, que então anotaram os sons que ouviram. A maioria deles concordou que Renata e Johnny estavam dizendo “mamãe”.
“Este artigo é um bom exemplo do cabo de guerra no campo da ‘linguagem dos macacos’”, disse Julia Fischer, cientista cognitiva do Centro Alemão de Primatas em Göttingen, em um e-mail. Ela não ficou convencida pelo estudo. “O que os macacos estão fazendo vocalmente não tem nada a ver com a fala humana”, disse ela.
Em vez disso, Fischer sugeriu que Renata e Johnny podem estar fazendo um som padrão de chimpanzé, conhecido como um grunhido ofegante. “A explicação mais simples é que eles simplesmente juntaram dois desses grunhidos e foram recompensados por isso”, ela disse.
Mas Michel Belyk, psicólogo da Edge Hill University na Grã-Bretanha, disse que os resultados de fato sugeriram que os macacos antigos podem já ter tido alguns dos requisitos mentais para a fala.
“A humanidade, apesar de todas as suas particularidades, não surgiu debaixo de uma pedra, mas foi moldada pela evolução a partir do barro de nossos ancestrais primatas”, ele disse.
Ekstrom disse que não acha que Johnny e Renata sozinhos podem resolver a questão das origens da fala. “Isso mostra claramente que algumas teorias são simples demais para explicar todos os fatos”, ele disse.
Para encontrar novas pistas, ele agora está estudando fósseis de nossos ancestrais depois que eles se separaram de outros macacos.
“Esta caixa preta abrange algo como 6 milhões de anos, então é bem espaçosa”, ele disse.
Este artigo foi publicado originalmente no The New York Times.
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