Um estudo da Universidade York, no Canadá, mostrou pela primeira vez como o medicamento misoprostol, que tem sido associado a defeitos no desenvolvimento neural relacionados ao autismo, interfere na função das células neurais. A descoberta é importante porque o misoprostol é semelhante em estrutura a prostaglandinas naturais - moléculas-chave na sinalização produzida por ácidos graxos no cérebro.
Estudos anteriores demonstraram uma associação entre o misoprostol e defeitos graves no desenvolvimento neurológico, incluindo sintomas do autismo. Estes trabalhos analisaram os casos brasileiros em que mulheres usaram a droga no início da gravidez na tentativa fracassada de provocar um aborto.
Na pesquisa em questão, a equipe analisou células neuronais de ratos para descobrir como a droga interfere em nível molecular com prostaglandinas, importantes para o desenvolvimento e comunicação das células no cérebro.
"No início do primeiro trimestre de gestação, as células neurais começam a se comunicar umas com as outras", diz Dorota Crawford, professora assistente na Faculdade de Cinesiologia e Ciências da Saúde em York. "Nosso estudo mostra que o misoprostol interfere no processo, aumentando o nível de íons de cálcio nas extensões dos neurônios, o que reduz o número e o comprimento das mesmas. Isso impede que as células se comuniquem. Se as mudanças nos níveis de prostaglandinas alteram o desenvolvimento e a diferenciação das células, pode ter um impacto fisiológico".
Não apenas o misoprostol, que também é usado de forma segura para o tratamento e prevenção de úlceras gastrointestinais, por exemplo, pode afetar o desenvolvimento neural. Fatores ambientais, infecções ou inflamações, também podem aumentar o nível de prostaglandinas interferindo na função normal do cérebro.
Entretanto, os pesquisadores voltaram suas atenções no medicamento já que estudos clínicos anteriores indicavam efeitos perigosos da droga. Usando o misoprostol e prostaglandinas no trabalho, descobriram que ambos os compostos produziam os mesmos resultados sobre a célula neural. Os resultados mostram que quanto maior é a dose dos compostos, maior é o problema criado.
Prostaglandinas e misoprostol
São ácidos graxos produzidos por quase todas as células do corpo e que agem como hormônios. Sua ação varia conforme a célula-alvo, e sua síntese e liberação são reguladas pelo estrógeno e progesterona. Na gravidez, o excesso de estrógeno aumenta a contração do endométrio, induzindo ao aborto.
O misoprostol é a versão sintética da prostaglandina E1, usado para tratar úlceras no estômago. Entretanto, algumas mulheres usam o medicamento para abortar. Sua comercialização no Brasil é proibida para o público geral desde 1998.
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