Sérgio Nascimento Stampar, professor do Departamento de Ciências Biológicas da Faculdade de Ciências da Unesp de Bauru, estava em uma expedição com alunos de graduação, em Ubatuba, no litoral norte paulista, quando uma nova espécie de anêmona-do-mar foi coletada sem que ninguém esperasse por isso.
“Foi quase um acidente, pois não estávamos procurando a espécie”, explica Stampar sobre a descoberta, que aconteceu há dois anos, enquanto a turma acompanhava um arrasto de camarões a cerca de 500 metros da costa. O exemplar foi encontrado vivendo sobre conchas de caramujos marinhos a uma profundidade de 5 a 20 metros.
“Não imaginávamos que se tratava de uma espécie nova e muito menos que seria uma família nova, algo muito raro de acontecer atualmente, em especial em um local tão povoado”, diz. A nova espécie, Antholoba fabiani, e a nova família, Antholobidae, foram registradas pela primeira vez este ano, em um artigo científico publicado na revista científica Marine Biodiversity. O nome da nova espécie homenageia Fabián Acuña, um dos poucos especialistas em anêmonas na América do Sul.
Para Stampar, a descoberta alerta para o desconhecimento, inclusive, de espécies presentes em áreas com intenso adensamento populacional e muito exploradas comercialmente, o que ressalta a importância de novos estudos em biodiversidade para garantir a preservação desses animais. “Essa espécie poderia até mesmo ser extinta sem ser conhecida, pois muitos indivíduos devem ser coletados diariamente e provavelmente mortos em arrastos de camarão.”
Desafios na comprovação
Foi no Laboratório de Evolução e Diversidade Aquática (LEDALab), da Faculdade de Ciências da Unesp, que o doutorando colombiano Jeferson Durán Fuentes, orientado por Stampar, constatou diferenças morfológicas na anêmona encontrada pelos colegas em alto mar.
A nova espécie possui coloração marrom na coluna e tentáculos brancos, além de uma parte do corpo, chamada disco oral, ter um formato de copo, diferenciando-a de outros exemplares já conhecidos.
“Antholoba achates, uma espécie evolutivamente próxima, é reportada do sul do Brasil até a Patagônia, Chile, Peru e Nova Zelândia. Pode ser encontrada em várias cores, como amarelo, avermelhado, branco, entre outras”, compara Fuentes, um dos autores do artigo científico que descreve a nova anêmona.
Ainda assim, a semelhança com outra espécie, a A. reticulata, cujo formato do disco oral também é de copo, mas a cor é esverdeada, e a escassez de dados sobre ela, dificultou a comprovação. “O principal desafio foi argumentar que havíamos encontrado uma nova espécie”, diz o biólogo colombiano.
“Como as anêmonas apresentam grande variação morfológica, é comum que alguém afirme ter encontrado uma nova espécie, mas precisamos sempre de dados moleculares para confirmar sua identidade.”
Por isso, além das diferenças visíveis, os pesquisadores usaram informações de DNA para atestar a descoberta. “Há muito poucos taxonomistas especializados em anêmonas marinhas no Brasil. Esse grupo é complexo e requer critérios rigorosos para sua descrição taxonômica”, argumenta Fuentes.
Como a comprovação envolvia o estudo de espécies que não ocorrem apenas no Brasil, foi necessário contar com apoio internacional. A pesquisa para o artigo, que durou cerca de dois anos, contou com a colaboração de cientistas da Universidade Nacional de Mar del Plata, na Argentina, e da Ohio State University, nos Estados Unidos.
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Próximos passos
A estimativa é de que existam 46 espécies de anêmonas-do-mar descritas no Brasil e 1.173 em todo o mundo. “Acreditamos que ainda não conhecemos nem 50% das espécies existentes”, afirma Stampar. Para Fuentes, o Brasil e seus mais de 8 mil quilômetros de litoral representam um “mundo de espécies a serem descobertas”.
Segundo os pesquisadores, o grupo LEDAlab pretende realizar coletas em novos locais do Estado de São Paulo e do Brasil, treinar mais alunos e colaborar com outros grupos de estudo para ampliar as chances de novas descobertas. O objetivo é entender a biodiversidade desses animais no território nacional e seus possíveis usos nas áreas de biotecnologia e farmácia.
“As anêmonas, em particular, apresentam uma grande variedade de formas e cores, podendo ser encontradas aderidas em rochas, enterradas na areia, debaixo de pedras e em grandes profundidades. Com esse tipo de pesquisa, podemos encontrar muitas surpresa”, aposta Fuentes.
Para os cientistas, a descoberta ajudará a aprofundar as discussões sobre políticas de preservação e a iniciar novas linhas de pesquisa sobre as anêmonas e sua importância para os ecossistemas marinhos, mostrando, no meio acadêmico e fora dele, a relevância da pesquisa em biodiversidade.
Por que as anêmonas importam?
Além de se destacarem pela beleza de seus diversos formatos e cores vibrantes, as anêmonas desempenham um papel crucial à biodiversidade de seus habitats, proporcionando abrigo e alimento para inúmeras espécies. Elas mantêm relações de simbiose, em que as duas partes se beneficiam, com várias espécies. Uma delas é o peixe-palhaço, retratado na animação Procurando Nemo, que encontra proteção em seus tentáculos.
Suas interações com outros animais também contribuem para a saúde dos recifes de corais, ecossistemas vitais para diversas formas de vida marinha. As anêmonas possuem ainda uma função de limpeza no oceano ao se alimentarem de pedaços de organismos que poderiam apodrecer no fundo do mar, causando uma indesejada proliferação de microorganismos no local.
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