Cientistas de instituições da China, da Espanha e dos Estados Unidos cultivaram células embrionárias humanas em blastocistos (um dos estágios do desenvolvimento embrionário) de macacos pela primeira vez. Os pesquisadores responsáveis pelo estudo afirmam que esse é um passo importante para avançar no estudo sobre doenças genéticas, mas a iniciativa também levanta dilemas éticos. A pesquisa foi divulgada na revista científica Cell neste mês.
Para o trabalho, os cientistas injetaram células embrionárias humanas em 132 blastocistos de macacos. O blastocisto é um conjunto de células com uma cavidade. Foi nessa cavidade que entraram as células embrionárias humanas. Os pesquisadores fizeram marcações nessas células injetadas e puderam acompanhar o seu desenvolvimento.
Até o 11º dia de cultivo, 91 células continuavam vivas. Depois, houve uma queda brusca e apenas três chegaram ao 19º dia, mas acabaram morrendo. Todo o experimento foi feito in vitro e os cientistas dizem não ter intenção de implantar essa quimera em um útero. O estudo foi conduzido por pesquisadores do Instituto Salk para Estudos Biológicos (EUA), da Universidade Católica Santo Antônio de Múrcia (Espanha) e da Universidade de Ciência e Tecnologia de Kunming (China).
Pesquisadores já tinham tentado fazer esse mesmo experimento um tempo atrás, com embriões de porcos, mas não obtiveram sucesso. Segundo Mayana Zatz, professora do Departamento de Genética e Biologia Evolutiva da USP, a primeira tentativa foi fracassada porque há muita diferença entre as células dos porcos e as humanas. Entre humanos e macacos, há mais semelhanças.
O professor Carlos Menck, do Departamento de Microbiologia da USP, fala que a criação de quimeras é algo comum no meio científico. No entanto, costuma-se fazer isso com ratos. Quimera é essa mistura de células embrionárias de um animal com blastocisto de outro.
Mayana acredita que o modelo desenvolvido pode ajudar a estudar como ocorre a comunicação entre as células. “Uma pergunta que muito nos interessa é como as células ‘sabem’ qual órgão elas devem formar, como acontece essa comunicação”, fala. Outras possibilidades apontadas por ela seriam estudar doenças genéticas ou até testar algumas drogas.
No estudo, os pesquisadores apontam que a quimera humano-animal pode contribuir com a medicina regenerativa, desenvolvendo tecidos e órgãos para transplante. Também poderia servir para aprofundar os estudos sobre a formação inicial do ser humano.
Menck discorda dos possíveis benefícios associados às quimeras. Ele destaca que o embrião híbrido sobreviveu por apenas 19 dias em laboratório e esse tempo seria insuficiente para conduzir os estudos mencionados. Também diz que há outras alternativas menos controversas, como o uso de células pluripotentes, para se chegar aos resultados esperados. Células pluripotentes são aquelas que podem virar quase todos os tecidos.
O dilema ético
Os Estados Unidos não permitem o uso de financiamento federal em pesquisas sobre quimera humano-animal por considerar que há problemas éticos envolvidos. Por isso, segundo a revista Science, o estudo foi conduzido na China, onde não há impeditivos para a sua realização.
Mayana Zatz não vê problemas éticos envolvidos na pesquisa porque não houve a implantação do embrião no útero e não se trata de um embrião viável, mas sim de um híbrido sem chance de vingar. “Seria totalmente antiético fazer isso em embriões humanos, as legislações não permitem. Mas, sendo um híbrido, não há problema”, explica Mayana.
Já Carlos Menck acredita que há, sim, um problema ético por trás da pesquisa. Apesar de os cientistas terem afirmado que não pretendem implantar esse tipo de embrião híbrido em um útero, Menck diz que isso poderia ser necessário para mantê-lo vivo por mais tempo e conseguir desenvolver estudos em cima disso. “A implantação seria um desastre ético”, comenta.
Ele também diz que, eticamente, seria melhor fazer esse tipo de pesquisa com espécies mais diferentes, mais distantes dos seres humanos. No entanto, isso provavelmente não traria o resultado esperado - como aconteceu nos testes feitos com blastocistos de porcos.
“Me pergunto até por que eles fizeram esse experimento. É muito limitado, a quimera tem dificuldade para sobreviver. Não conseguimos estudar muita coisa em cima disso. Não vejo nada novo e me preocupa eticamente”, diz Menck.
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