O presidente do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Ricardo Galvão, admitiu nesta terça-feira, 17, que o pagamento de bolsas de pesquisadores está atrasado. Segundo ele informou nas redes sociais, isso ocorre por causa de “trâmites burocráticos de transição da documentação para a nova gestão” do órgão, ligado ao Ministério da Ciência e Tecnologia.
Galvão afirmou que os recursos “estão todos garantidos”. Ele disse também que o CNPq tenta “agilizar o processo para fazer os depósitos o mais rápido possível”. Na publicação no Twitter, porém, ele não falou em um prazo para que o depósito seja feito. Algo que só foi anunciado horas depois, quando o perfil oficial do órgão se pronunciou na mesma rede social.
O CNPq afirmou que os depósitos serão feitos nesta quarta-feira, 8. O órgão também disse que “em regra e tradicionalmente, o pagamento das bolsas do CNPq é feito no quinto dia útil de cada mês”. “No mês corrente, a data é neste dia 7, terça-feira”, escreveu.
Ao Estadão, o presidente da ANPG, Vinícius Soares, contou que entre a segunda-feira, 6, e esta terça, mais de cem estudantes buscaram associação para relatar que o pagamento não havia sido liberado. O atraso, para eles, é sinônimo de preocupação. “Ficamos preocupados, porque as contas não esperam.”
Segundo ele, alguns bolsistas até chegaram a receber o valor cheio e outros apenas a taxa de bancada (valor destinado a gastos com a pesquisa).
Soares conta que as agências de fomento costumam fazer os depósitos até o quinto dia útil do mês. O CNPq, porém, conforme os estudantes geralmente é o primeiro a fazer os pagamentos.
Questionado pelo Estadão sobre quais trâmites bloquearam o pagamento, o CNPq apenas encaminhou as mesmas informações publicadas no Twitter da instituição. O Ministério da Fazenda também foi procurado, mas não respondeu.
Hoje, as bolsas de iniciação científica, mestrado e doutorado têm os valores de R$400, R$1,5 mil e R$2,2 mil, respectivamente. Neste ano, as bolsas completam dez anos sem reajuste e acumulam defasagem. Segundo Soares, o valor atual equivale a 1/4 do que era em 2013.
Mesmo com o valor defasado, muitas dessas bolsas exigem do pesquisador dedicação exclusiva (permitem-se apenas outra atividade laboral quando comprovada relação com a pesquisa), sendo, dessa forma, a única fonte de renda dos estudantes.
Ao Estadão, os estudantes dizem que foram pegos de surpresa pelo atraso. Doutoranda em Linguística da Unicamp, Larissa da Silva Fontana, de 25 anos, conta que percebeu que algo estava estranho quando, no terceiro dia do mês, o aplicativo do banco não indicava nem mesmo que um lançamento futuro seria feito - o que não ocorreu até agora. Ela não recebeu nem a bolsa nem a taxa de bancada. “É um pouco frustrante, porque a bolsa é o nosso salário. Pós-graduando é trabalhador e só tem essa verba.”
“No final do ano, nossos colegas da Capes (órgão de fomento à pesquisa ligado ao Ministério da Educação) com atraso, porque o governo não tinha dinheiro para pagar, e bate essa insegurança de que isso pode estar acontecendo com o CNPq”, afirma. “É uma questão que afeta a nossa saúde mental e as nossas condições psicológicas de desenvolver nossa pesquisa porque se a bolsa não cai, muitos de nós não temos com o que pagar nossas contas.”
Primeira da família a entrar para uma universidade, Larissa veio do Paraná para estudar em Campinas, e tem a bolsa como principal fonte de renda. Para se sustentar na cidade paulista, ela divide moradia com outros estudantes - alguns também bolsistas do CNPq, com bolsa igualmente atrasada. Caso não receba até o dia 10, vai precisar atrasar o pagamento do aluguel.
Ângela Maria Pereira, doutoranda em Saúde Pública do Instituto Aggeu Magalhães (Fiocruz/PE), de 39 anos, conta que o companheiro teve de arcar com todo o aluguel deste mês. “Depois, vou repor.”
“Em vez de receber aquele recurso e pensar ‘vou pagar minhas contas, volto e foco no que preciso estudar e ler’, a gente acaba se perdendo e fica nessa ansiedade”, afirma a pesquisadora.
Ângela avalia que é necessário melhorar a comunicação do órgão para com os estudantes. “Com exposição de nota nos canais de comunicação oficiais”, diz. “Isso já diminui a ansiedade, caso aconteça atraso.” O perfil oficial do CNPq só se pronunciou horas depois da publicação do presidente da instituição, no Twitter.
Reajuste
O atraso acontece em um cenário de forte pressão dos estudantes pelo reajuste das bolsas de fomento à pesquisa. Aumentar os investimentos de campanha foi uma das bandeiras de campanha do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), após quatro anos de cortes orçamentários no setor durante o governo Jair Bolsonaro (PL). O novo governo havia prometido anunciar reajuste dos bolsistas da pós-graduação (CNPq e Capes) ainda em janeiro, mas isso não ocorreu.
Já em evento na semana passada, a ministra da Ciência, Luciana Santos, disse que o reajuste seria anunciado por Lula ainda “no primeiro semestre”. A expectativa é de reajuste de cerca de 40% no valor, que não tem aumento desde 2013.
A falta de valorização dos profissionais que optam pela área da pesquisa é apontada como um dos principais fatores para o desestímulo de jovens seguirem essa carreira. O problema também impulsiona a chamada “fuga de cérebros” - quando talentos brasileiros da ciência migram para estudar e trabalhar fora do País.
Souza, presidente da ANPG, destaca que o reajuste é urgente, pois, com valores defasados, muitos estudantes encontram-se em situação de vulnerabilidade social. Ele conta que a associação segue mobilizada e pressionando pelo reajuste imediato
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.