Como a cocaína está contaminando peixes e mexilhões no mar de Santos

Aumento do consumo da droga e uso da região como rota do tráfico são hipóteses; Cetesb afirma que faz monitoramento e que índice de contaminação não causa risco a banhistas.

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Por Elton Alisson (Agência Fapesp)
Atualização:

Além dos poluentes já conhecidos, o mar de Santos, no litoral paulista, tem sido contaminado por um produto diferente, que, segundo pesquisas, está tanto na água como em sedimentos e seres vivos marinhos da região: a cocaína.

Mergulhadores da Marinha inspecionam cascos de navios no Porto de Santos em busca de cocaína escondida Foto: Tiago Queiroz/Estadão

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A droga causa graves efeitos toxicológicos em animais como mexilhões-marrons (Perna perna), ostras de mangue (Crassostrea gasar) e peixes (enguias), indicam análises feitas por pesquisadores da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).

“Encontramos contaminação pela droga espalhada por toda a região”, diz Camilo Dias Seabra, da Unifesp, em painel sobre água na Fapesp Week Illinois em 9 e 10 de abril em Chicago (EUA).

Em 2017, por meio de projeto apoiado pela Fapesp, em colaboração com colegas da Unifesp e da Universidade Santa Cecília (Unisanta), Seabra identificou pela primeira vez o acúmulo de cocaína e de outras substâncias derivadas de remédios em água superficial na baía de Santos.

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Em amostras, encontraram ibuprofeno, paracetamol e diclofenaco e cocaína em concentração equivalente à da cafeína – indicador tradicional de contaminação porque, além de consumida por meio de bebidas como café, chá e refrigerante, está presente em vários medicamentos.

Praia de Santos: pesquisa do professor da Unifesp Camilo Dias Seabra identificou cocaína na água pela primeira vez em 2017 Foto: Maurício de Souza/Estadão Conteúdo

Análises em laboratório revelaram que o fator de bioacumulação de cocaína em mexilhões-marrons foi mais de mil vezes maior que a concentração de água.

Após uma semana de exposição à cocaína, os animais apresentaram níveis elevados de dois neurotransmissores: dopamina e serotonina. A alteração foi interpretada como resposta neuroendócrina que poderia causar impactos no sistema reprodutivo.

Para avaliar a hipótese, foram feitos estudos com outros animais, como enguias. As análises revelaram que a exposição crônica à cocaína afeta a formação de óvulos e a produção de hormônios esteroides. “Os ovos de enguia expostos à cocaína apresentaram menor taxa de maturação”, afirma Seabra.

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Também analisaram o risco ecológico da exposição à cocaína em ostras de mangue. Os resultados indicam graves efeitos citotóxicos e genotóxicos.

Procurada pela Agência Fapesp, a Companhia Ambiental de São Paulo (Cetesb) diz que “monitora sistematicamente a qualidade das águas costeiras do Estado, incluindo a área de influência do emissário submarino de Santos, e realiza ensaios ecotoxicológicos com amostras dessa área para avaliar possíveis efeitos da presença de contaminantes na fauna aquática.”

Segundo a nota, com base nos resultados do estudo, “pode-se concluir que as concentrações encontradas na água do mar da baía de Santos, na ocasião, não causariam efeitos no mexilhão estudado e não implicariam risco para os banhistas.”

Cocaína se acumula na região desde os anos 1930

Estudos geoquímicos com testemunhos de sedimento estuarino indicam que a cocaína passou a se acumular no estuário de Santos a partir da década de 1930, mas as concentrações saltaram nas últimas décadas, afirma Seabra.

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Algumas explicações para o aumento é que a região é uma das principais rotas de tráfico da droga da América do Sul para a Europa. Além disso, a região, a exemplo de outras no país e no mundo, enfrenta o problema do aumento de usuários de drogas ilícitas, como a cocaína e o crack.

Outro problema é a falta de tratamento de esgoto, diz Seabra. “O esgoto sem tratamento pode estar relacionado com as altas concentrações de cocaína que encontramos na baía de Santos. Mas também temos um problema de saúde pública na região, relacionado ao uso de crack e outras drogas, e de segurança pública”, avalia.

Os pesquisadores pretendem iniciar um programa epidemiológico baseado em águas residuais, para identificar o consumo de drogas. Um dos objetivos de programas como esse é contribuir para a detecção de problemas de saúde relacionados não só a drogas ilícitas, mas também álcool e tabagismo.

Além da cocaína, outro contaminante estudado é o material particulado atmosférico – composto de origem metalúrgica que pode precipitar em regiões costeiras e causar efeitos tóxicos em organismos aquáticos, além de bioacumular no pescado.

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“O ‘pó preto’ contém micro e nanopartículas metálicas, incluindo terras- raras, cujos efeitos ainda são desconhecidos”, afirmou Seabra.

Agrotóxicos e outras análises

Além de drogas ilícitas e medicamentos, pesquisadores do Instituto de Oceanografia da Universidade de São Paulo (USP) têm analisado a presença de outros compostos químicos, como hidrocarbonetos policíclicos aromáticos (HPAs) e compostos organoclorados, em registros sedimentares dos sistemas estuários de Santos e de São Vicente.

As análises dos registros indicam que o início da concentração desses compostos na região, uma das mais povoadas e industrializadas da costa brasileira, ocorreu entre os anos de 1940 e 1950, quando foram instaladas as refinarias do polo siderúrgico.

“Por volta dos anos 1960 começou a aumentar a concentração dos níveis desses contaminantes na região. Podemos dizer que o Antropoceno nos estuários de Santos e São Vicente foi iniciado nessa época”, disse César de Castro Martins, professor da USP.

Já um grupo de pesquisadores da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) analisou a presença de 14 tipos de agrotóxicos usados em plantações de cana-de-açúcar nas águas superficiais e subterrâneas em São Paulo.

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Os resultados das análises indicaram que, em águas superficiais, todos os 14 compostos estudados foram detectados em pelo menos uma amostra. Alguns compostos apresentaram possível risco para a vida aquática.

“Esses contaminantes estão espalhados em baixas concentrações em todas as nossas bacias hidrográficas, e é muito difícil encontrar a fonte deles. Por isso estamos estudando sua mobilidade no solo e como podem chegar às águas subterrâneas”, disse Cassiana Carolina Montagner, professora da Unicamp e coordenadora do projeto.