O aumento no porcentual de sucesso na germinação de sementes no Cerrado e a redução nos custos de reflorestamento do bioma podem estar próximos de se tornar realidade. Uma cápsula de papelão biodegradável foi capaz de trazer resultados promissores para o desenvolvimento de três espécies. O estudo, publicado no periódico científico Ciência Rural, foi desenvolvido por pesquisadores da Universidade Federal de Jataí (UFJ) e da Universidade Federal de Rondonópolis (UFR).
As cápsulas – feitas com embalagens de ovo – aumentaram as chances de germinação de baru, angico branco e tamboril, se comparado com a semeadura direta, quando as sementes são plantadas diretamente no solo. Apesar de ser uma alternativa barata, já que a técnica elimina a necessidade da produção de mudas em viveiros, não está ilesa às interferências externas que prejudicam a germinação e crescimento das plantas.
As espécies têm importância cultural, alimentar e ecológica no Cerrado. O baru produz a oleaginosa conhecida como castanha de baru, rica em nutrientes, e o angico-branco e o tamboril têm partes utilizadas em preparos terapêuticos, como infusões.
Custo reduzido, eficácia garantida
O estudo demonstrou que as cápsulas – que custam menos de R$ 1 – foram responsáveis por 97% de germinação dos barus. As sementes de angico-branco e tamboril alcançaram taxas de 42% e 12%, respectivamente. Por outro lado, no tratamento de semeadura direta, as taxas de germinação foram de 15%, 21% e 8%. O material foi recentemente patenteado no Instituto Nacional da Propriedade Intelectual (INPI).
Entre os fatores de sucesso, um deles pode estar atribuído ao conforto térmico oferecido pelas cápsulas biodegradáveis. As sementes beneficiaram-se de condições mais adequadas à germinação, como retenção de umidade e proteção contra exposição direta à luz solar intensa, segundo o estudo.
“Como a cápsula é fechada, quando umedece com o calor cria um efeito estufa, que acelera a germinação”, explica Karine Lopes, doutora em Geografia pela UFJ e uma das autoras do estudo. Na semeadura direta, algumas sementes sofrem desidratação, enquanto as plântulas – embriões das sementes – apresentam baixas taxas de sobrevivência devido à exposição excessiva.
Um outro estudo, publicado em 2020, reforçou que o sucesso das cápsulas está relacionado à retenção da umidade, que é um fator crucial para a ativação das enzimas responsáveis pelo processo de germinação. Além da semeadura direta não proteger as sementes de desidratação, as tornam mais expostas aos predadores naturais.
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Iniciativa pode reduzir os custos de reflorestamento no Cerrado
Os biomas brasileiros sofrem sucessivamente com o avanço do desmatamento. No Cerrado, mais de 50% da cobertura vegetal original sofreu alterações significativas.
Segundo o professor Normandes Matos da Silva, que também participou da pesquisa, os custos de reflorestamento giram em torno de R$ 25 mil a R$ 30 mil por hectare no Cerrado e no Pantanal. Ao elevar a taxa de germinação, os custos podem ser mais reduzidos, especialmente nas três espécies avaliadas na pesquisa.
“Elas são amplamente utilizadas em projetos de recuperação de áreas degradadas no Cerrado, pois possuem um crescimento mais rápido. Por isso, pensamos em utilizá-las para obter respostas em um tempo mais curto, testando-as com as cápsulas e observando o comportamento de germinação”, diz.
Uso de drones torna a restauração da cobertura vegetal mais rápida
Com a participação de Normandes, pesquisadores brasileiros desenvolveram um drone dispersor de sementes da América do Sul. O equipamento, produzido a baixo custo, é capaz de dispersar até 10 kg de sementes. “Evoluímos essa tecnologia para dispersar cápsulas em grandes áreas, especialmente em locais de difícil acesso, onde seria arriscado ou inviável enviar pessoas”, comenta o professor da UFR.
Os drones dispersam uma cápsula a cada 20 segundos, com uma precisão de um metro por um metro, ajustável conforme necessário, segundo explica Karine Lopes. Os resultados gerais mostraram que as sementes encapsuladas costumam germinar em um tempo médio de cinco dias.
Na pesquisa sobre as cápsulas biodegradáveis, um experimento foi realizado para dispersar no solo as sementes utilizadas na pesquisa. O estudo é parte do desdobramento da tese de doutorado da pesquisadora Karina Lopes, que teve a fase experimental desenvolvida por quatro meses em uma estufa do Centro Universitário de Mineiros, em Goiânia.
O maior sucesso de germinação em cápsula foi registrada no baru, com uma menor eficiência no caso do tamboril. Isso acontece especialmente por características biológicas de cada semente. Além disso, o Cerrado é naturalmente mais lento em germinação devido à resiliência de suas sementes, que precisam ser duráveis para sobreviver às condições adversas do clima, de acordo com a pesquisadora.
“Não fizemos nenhum tipo de preparação, como a escarificação, que seria basicamente ralar a casca da semente para deixá-la mais fina. Deixamos ela natural, como seria na natureza. Por isso, o tamboril demora muito mais para germinar”, esclarece Karine. Já o angico e o baru são de germinação mais fácil, por isso os resultados foram melhores.
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Novas pesquisas e aplicações
Apesar de haver evidências concretas em três árvores nativas, o uso das cápsulas biodegradáveis pode trazer resultados promissores em outras espécies. “Elas podem ser utilizadas no reflorestamento, na restauração ecológica e, dependendo da necessidade, podem ser adaptadas para diferentes tipos de sementes e tamanhos”, diz Karine.
Apesar de considerar uma área ainda embrionária, com pesquisas iniciais, Normandes explica que já foram encontrados resultados interessantes para algumas espécies e o objetivo é expandir os testes para outras, avaliando como elas respondem ao uso das cápsulas.
“Estamos avançando também no uso de nanomateriais derivados de plantas, como a aroeira-pimenteira e o eucalipto, que têm propriedades antifúngicas. Isso protege as sementes de predadores, como formigas, e evita perdas por fungos”, diz.
A pesquisa, publicada neste ano, contou também com a participação da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS) e teve apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Além disso, o Ministério Público de Mato Grosso tem destinado os valores de multas ambientais para investir na produção científica que aprimora os processos de reflorestamento.
Como próximos passos, os pesquisadores pretendem avaliar o crescimento e a sobrevivência das plantas recém-germinadas em campo, além de realizar uma análise detalhada dos custos financeiros envolvidos. Eles também pretendem implementar a metodologia em áreas de difícil acesso para monitorar o crescimento das plantas e avaliar a eficácia do processo em outras condições ambientais.
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