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Como o cérebro envelhece ao longo da vida? Da infância à velhice, veja o que dizem os estudos

Equipe internacional de pesquisadores coletou dados de vários estudos representando 101.457 cérebros – o mais novo de um feto de 16 semanas e o mais velho de um homem de 100 anos

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Por Caitlin Gilbert
Atualização:

O cérebro chega ao pico na infância? É tudo ladeira abaixo depois dos 30? Pode um cérebro de 65 anos acompanhar um adolescente?

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Embora os gráficos de crescimento que registram métricas como altura e peso forneçam uma imagem relativamente clara da extensão do desenvolvimento físico, pouco se sabe sobre os principais marcos do envelhecimento normal do cérebro.

Para saber mais, uma equipe internacional de pesquisadores coletou dados de varredura cerebral de vários estudos representando 101.457 cérebros em todas as fases da vida. A varredura mais jovem do estudo veio de um feto de 16 semanas; a mais velha era de um homem de 100 anos.

Nesse grande conjunto de dados, surgiram alguns marcos impressionantes.

- A espessura do córtex cerebral, a camada externa enrugada do cérebro, atinge o pico por volta dos 2 anos de idade – a região está envolvida em processos como percepção, linguagem e consciência.

- O volume da massa cinzenta, que representa o número total de células cerebrais, atinge o pico na infância, por volta dos 7 anos de idade.

- A substância branca, composta pelas conexões entre os neurônios que permitem que as regiões do cérebro se comuniquem rapidamente, atinge seu volume mais alto por volta dos 30 anos e começa a declinar mais tarde na idade adulta.

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- O volume dos ventrículos, cavidades cheias de líquido dentro do cérebro, aumenta rapidamente na idade avançada – o aumento do ventrículo vem sendo associado a algumas doenças neurodegenerativas.

É importante ressaltar que o estudo deve servir como uma referência ampla, e não como um roteiro exato e personalizado para indivíduos, disse Jakob Seidlitz, coautor do estudo e cientista pesquisador do Lifespan Brain Institute do Hospital Infantil da Filadélfia e da Universidade da Pensilvânia.

“Diferenças absolutas de tamanho nessas características não têm muito sentido”, disse Seidlitz. “Elas só são úteis na medida em que mapeiam uma referência para uma determinada idade, dada a dinâmica desses processos”.

O desenvolvimento do cérebro também fica cada vez mais variável à medida que envelhecemos. Mesmo diferentes partes do cérebro, como regiões envolvidas na visão e na fala, atingem seus próprios auges em diferentes momentos da vida, disse Sahar Ahmad, instrutora de pesquisa da Escola de Medicina da Universidade da Carolina do Norte, especializada em neuroimagem sobre o desenvolvimento.

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Embora alguns desses elementos estruturais tenham sido associados a certos comportamentos – a substância branca foi associada a uma tomada de decisão mais eficiente, por exemplo –, ainda existem mudanças genéticas, celulares e funcionais mais complexas subjacentes às grandes mudanças estruturais.

E, mesmo que o cérebro seja em grande parte configurado desde o nascimento, com a criação de novos neurônios praticamente concluída, a forma como suas diferentes partes se comunicam umas com as outras muda ao longo da vida.

A boa notícia é que, ao contrário de outras partes do corpo, nosso cérebro é construído para se transformar ao longo dos anos, enfrentando os desafios impostos por cada estágio da vida. Embora ninguém possa prever as idades exatas do desenvolvimento do cérebro, aqui está um guia geral de como o cérebro pode mudar em várias fases.

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Infância

Os cérebros dos bebês são como esponjas, absorvem todos os tipos de informações ambientais, principalmente de suas famílias e cuidadores. No primeiro ano, por exemplo, os bebês podem aprender qualquer idioma, mas essa capacidade é rapidamente reduzida com base nos sons e sinais que veem e ouvem. Esse rápido ajuste fino é o motivo pelo qual fica muito mais difícil aprender novos idiomas mais tarde na vida, especialmente aqueles que são diferentes da sua língua nativa.

Parte dessa característica esponjosa se deve ao grande número de sinapses, ou conexões entre neurônios, formadas nos primeiros dois anos de vida.

“No início da vida, temos muitas conexões excitatórias, então há muito potencial de aprendizado”, disse B.J. Casey, professora de neurociência e psicóloga do Barnard College, que estuda o desenvolvimento do cérebro adolescente.

Importantes processos celulares e genéticos também estão em andamento. Enquanto a maioria dos neurônios nasce no momento do nascimento, outros tipos de células cerebrais, como as células da glia, estão se desenvolvendo e amadurecendo rapidamente nos primeiros anos de vida. As células gliais – que podem ajudar a formar sinapses, isolar conexões, fornecer nutrientes e destruir patógenos no cérebro – continuam amadurecendo por várias décadas.

Tanto os neurônios quanto a glia também acumulam mutações ao longo das décadas, mas as que “ocorrem durante o desenvolvimento (inicial) parecem ser muito importantes para estabelecer o risco de doenças mais tarde na vida”, disse Chris Walsh, professor de pediatria e neurologia da Escola de Medicina de Harvard, que estuda a genética do desenvolvimento do cérebro.

Ao contrário de outras partes do corpo, nosso cérebro é construído para se transformar ao longo dos anos, enfrentando os desafios impostos por cada estágio da vida. Foto: Robina Weermeijer/Unsplash

Infância: 2 a 10 anos

Começando entre os 18 meses e os 2 anos, o cérebro se volta para o aprendizado, o que envolve o fortalecimento de conexões importantes e a diminuição das que não estão sendo usadas. Para ajudar o cérebro a priorizar certas experiências, mais conexões inibitórias, que atuam como freios para o processamento de informações, se desenvolvem nos circuitos cerebrais.

Para diminuir as conexões, os bebês perdem cerca de metade das sinapses que haviam acabado de formar em um processo conhecido como poda sináptica. Para fortalecer as conexões, a mielinização – processo pelo qual as conexões neuronais são envolvidas e isoladas com uma proteína gordurosa, a mielina – aumenta rapidamente durante a infância e além.

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Essa relação sinal-ruído aumentada para informações que correspondem às experiências das crianças é especialmente importante à medida que elas aprendem a processar emoções, interagir em ambientes sociais e desenvolver habilidades de comunicação mais complexas.

Como há muitas conexões se construindo e se fortalecendo durante a infância, o cérebro fica particularmente sensível às interações com os cuidadores e outras pessoas em seu ambiente. O estresse decorrente de trauma ou negligência nesse período pode, portanto, ter efeitos profundos no resto do desenvolvimento do cérebro de uma criança para o resto da vida.

Adolescência: 10 a 19

Dos 10 aos 19 anos ocorrem mudanças dinâmicas nas redes cerebrais envolvidas no aprendizado de como processar emoções e motivações em torno de diferentes experiências, à medida que os adolescentes navegam pela vida que começa a se afastar da segurança do lar.

“Durante a adolescência, você precisa aprender a se defender sozinho”, pois não terá a mesma proteção da família que tinha quando era mais novo, disse Casey. “Aprender os limites das regras da sociedade é exatamente o objetivo da adolescência, preparando você para ser um adulto funcional.”

Essa maior sensibilidade ao ambiente se reflete em outro surto de mielinização e poda sináptica generalizada, mas especialmente em circuitos subjacentes ao processamento de emoções e recompensas. É por isso que os adolescentes tendem a explorar novas experiências, por mais arriscadas ou ameaçadoras que possam ser.

Idade adulta jovem: 20 a 39

Os vinte e poucos anos muitas vezes são considerados uma espécie de “pico” do desenvolvimento do cérebro ou um exemplo de quando o cérebro “amadureceu”. Esse mito decorre em parte da observação de que o volume da substância branca, referência para a “velocidade” do processamento de informações, atinge um nível alto nessas idades.

As redes neuronais são continuamente aprimoradas e ajustadas na idade adulta, especialmente aquelas envolvidas no pensamento racional e consideração das consequências futuras. No entanto, o desenvolvimento do cérebro não está de forma alguma “concluído”.

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À medida que o cérebro progride para os 30 e 40 anos, acredita-se que a plasticidade sináptica adulta – a capacidade de conexões se fortalecerem ou enfraquecerem em resposta a mudanças de atividade – passe a priorizar em vez de diminuir.

“O sistema está só funcionando de maneira diferente. Mudou para algo que talvez seja um pouco mais estratégico e de longo prazo, e não para ‘Preciso lembrar exatamente o que é isso e ser rápido e certeiro como se tivesse 20 anos’”, disse Mark Harnett, professor associado de cérebro e ciências cognitivas no MIT, que estuda como os neurônios se comunicam em circuitos e redes subjacentes a comportamentos complexos. Mas essas duas coisas “são muito difíceis de implementar simultaneamente”.

Idade adulta tardia: 40 anos e além

Quando você perde as chaves ou esquece um nome, pode parecer que seu cérebro não está funcionando tão bem quanto antes. Mas uma nova pesquisa dissipa a crença de que a plasticidade, a capacidade cerebral de responder à mudança, diminui no cérebro adulto e envelhecido.

O laboratório de Harnett recentemente demonstrou a presença de “sinapses silenciosas” – conexões que ficam inativas até serem recrutadas para ajudar a formar novas memórias – em camundongos adultos. Essas sinapses há muito eram associadas ao desenvolvimento inicial, mas Harnett e seu laboratório agora também confirmaram sua presença generalizada em cérebros humanos adultos de todas as idades e diferentes regiões.

“Todo mundo sente que a plasticidade desaparece à medida que você envelhece e os neurônios simplesmente morrem”, disse Harnett. “Aqui encontramos algo realmente robusto. É como dizer, ei, vejam só todas essas sinapses silenciosas e toda essa capacidade extra de plasticidade no córtex adulto. Isso é incrível, não sabíamos que estava lá. É super emocionante!”

40 a 65

Nos anos 40 e além, a vida se volta para os papéis desafiadores da idade adulta – carreira, cuidar da família e retribuir para a próxima geração. Como as experiências individuais são variáveis, os marcos cerebrais também são mais difíceis de definir em idades específicas mais tarde na vida.

Experiências como envolvimento em uma comunidade, escolhas de estilo de vida ou exposição ao estresse ou toxinas podem afetar drasticamente o desenvolvimento e o envelhecimento do cérebro. Um homem de 50 anos que é altamente social e se exercita regularmente, viaja ou faz voluntariado pode ter um cérebro “mais jovem” do que um homem de 50 anos que vive isolado das outras pessoas e raramente se envolve em atividades significativas.

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Pesquisas sugerem que adultos mais velhos que se envolvem em tarefas de treinamento de memória, palavras cruzadas e até videogames podem melhorar algumas funções cognitivas, mas os mecanismos subjacentes a essas descobertas ainda são desconhecidos.

65 e além

Mais tarde na vida, o cérebro diminui de tamanho e pode começar a degenerar. No entanto, os indivíduos mais velhos também têm o potencial para uma maior sabedoria construída a partir de uma vida inteira de experiências. Alguns pesquisadores sugeriram que os circuitos cerebrais ligados ao processamento emocional e à tomada de decisão moral podem estar envolvidos em diferentes componentes da sabedoria, embora essa pesquisa ainda seja limitada.

“Não acho que temos o devido respeito pelos idosos e pela sabedoria que eles acumularam ao longo da vida”, disse Casey. / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

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