O próximo grande telescópio espacial estudará galáxias distantes e planetas longínquos a partir de um posto orbital a cerca de 1,6 milhões de quilômetros da Terra. Mas antes, ele precisa ser montado peça por peça em uma câmara cavernosa no Centro de Voo Espacial Goddard da Agência Espacial Americana (Nasa), em Greenbelt, Maryland.
O local é conhecido como sala limpa, ou às vezes Grande Baía. Tem 38 metros de comprimento, 30 metros de largura, 27 metros de altura, com quase tanto volume quanto a Rotunda do Capitólio. A Nasa se gaba de que na Sala Limpa seria possível colocar quase 30 caminhões reboque lado a lado no chão e empilhá-los até 10 deles em altura.
“Esta é a maior sala limpa do mundo livre”, disse Mike Drury, um veterano de 40 anos da Goddard, ao levar visitantes para a movimentada câmara em uma sexta-feira recente. “É um privilégio trabalhar aqui.” Cerca de duas dúzias de trabalhadores se agrupavam em torno de peças de hardware imponentes, algumas com o dobro ou o triplo da altura de uma pessoa típica. Quando empilhados e integrados, esses componentes formarão o Telescópio Espacial Nancy Grace Roman.
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A montagem do telescópio acelerou neste outono, com 600 trabalhadores visando obter a integração e os testes completos até o final de 2026. A Nasa se comprometeu a lançar o telescópio, no mais tardar, em maio de 2027. O telescópio terá aproximadamente o tamanho do Telescópio Espacial Hubble, mas não tão longo (um “Hubble atarracado”, como alguns dizem).
O que a comunidade astronômica e o público em geral receberão em troca do considerável investimento do contribuinte de quase US$ 4 bilhões é um instrumento que pode fazer o que outros telescópios não podem. Ele terá um enorme campo de visão, cerca de 100 vezes o do Hubble ou dos telescópios espaciais Webb. E será capaz de girar rapidamente pelo céu noturno para novos alvos e baixar quantidades tremendas de dados que estarão imediatamente disponíveis para os pesquisadores.
Um objetivo primário do Roman é entender a “energia escura”, a misteriosa força motriz da expansão acelerada do espaço. Mas ele também tentará estudar as atmosferas de exoplanetas - mundos orbitando estrelas distantes.
Qualquer pessoa que possa pensar que dois anos e meio é um cronograma tranquilo para montar um telescópio e levá-lo à plataforma de lançamento não está familiarizada com a delicadeza de tais empreendimentos e os requisitos de engenharia para a astronomia de última geração.
O padrão que todos visam é a perfeição. Na sala limpa, os trabalhadores são praticamente indistinguíveis. Todos usam batas brancas, capuzes brancos, botas brancas, máscaras cirúrgicas brancas e, adicionando um toque de cor à cena, luvas cirúrgicas azuis. O objetivo é evitar que o hardware seja contaminado por humanos. Nenhuma poeira é permitida. Nenhum cabelo solto. Uma parede é inteiramente coberta por filtros HEPA. A sala limpa está cheia de coisas fascinantes, mas um visitante sabe que seria imprudente pegar um objeto e perguntar, “Então, o que essa coisa faz?”
O elemento principal, informalmente referido como “o telescópio”, mas oficialmente chamado de “conjunto de telescópio óptico”, chegou neste outono. Foi originalmente construído como um satélite espião para o Escritório Nacional de Reconhecimento (NRO, na sigla em inglês). Isso mesmo: foi construído para olhar para baixo, na Terra, em vez de para o resto do universo.
O NRO decidiu, mais de uma década atrás, que não precisava dele e o deu, junto com outro satélite espião idêntico, para a Nasa. A ampla visão do espaço profundo do Roman, sua capacidade de manobra e de baixar quantidades massivas de dados o tornam otimizado como um telescópio de energia escura. E também estudará os efeitos da matéria escura, que compreende cerca de 25% do universo, mas permanece uma presença fantasmagórica.
“O Roman não será capaz de detectar matéria escura diretamente, mas ajudará a entender seu papel na formação da estrutura do universo”, disse o astrofísico da Nasa Joshua Schlieder, parte da equipe científica do Roman, enquanto ele e a cientista sênior do projeto Webb, Jane Rigby, se preparavam para entrar na Sala Limpa.
“Qualquer que seja a matéria escura, ela tem que ser estranha”, disse Rigby. “A matéria escura não pode estar na tabela periódica. Tem que ser mais estranho que isso.”
Idade de ouro da astronomia
O Roman recebeu o nome da primeira chefe de astronomia da Nasa, Nancy Grace Roman, pioneira em seu campo.
“Desde o início me disseram que mulheres não poderiam ser cientistas”, ela frequentemente dizia, segundo uma biografia da Nasa. Roman ingressou na agência quando ela estava apenas começando, em 1959, e se aposentou duas décadas depois, tendo feito lobby pela criação de um telescópio espacial.
Ela morreu aos 93 anos em 2018, e 15 meses depois, a Nasa a homenageou renomeando um telescópio que originalmente havia sido chamado de WFIRST, para Telescópio de Pesquisa Infravermelho de Campo Amplo.
O Roman é o mais recente em uma era de ouro da astronomia. No Chile, o Telescópio Vera C. Rubin, nomeado em homenagem a outra pioneira astrônoma mulher e financiado pela National Science Foundation e pelo Departamento de Energia, é um telescópio de campo amplo programado para começar observações inaugurais - chamadas de primeira luz - este ano.
E a Nasa está trabalhando avidamente em planos para um telescópio espacial chamado Observatório de Mundos Habitáveis, que tentará fazer jus ao seu nome e ver planetas distantes com sinais de atmosferas adequadas para a vida como a conhecemos.
A questão para os formuladores de políticas americanos é se eles fornecerão os fundos necessários para construir telescópios cada vez maiores ou mais sensíveis em um período em que a astronomia é uma empresa global competitiva.
Há uma corrida para construir grandes observatórios baseados no solo e os Estados Unidos os Estados Unidos estão prestes a ficar de fora, assistindo de camarote enquanto o Observatório Europeu do Sul completa o que é chamado de Telescópio Extremamente Grande em uma montanha no Chile, com a primeira luz esperada em 2028.
Líderes da astronomia nos Estados Unidos desejam construir dois telescópios enormes, o Telescópio Gigante Magalhães e o Telescópio de Trinta Metros, o primeiro cobrindo o céu do sul do Chile e o segundo cobrindo o norte, provavelmente do Havaí. Ambos têm apoio institucional e científico, mas efetivamente estão competindo um com o outro pela benção e financiamento da National Science Foundation (NSF). Parece não haver dinheiro suficiente da NSF para ambos, e financiar mesmo um seria desafiador para a NSF, a menos que o Congresso decida aumentar o orçamento da agência.
O céu noturno não pertence a ninguém. A luz pode viajar a extensão do universo carregando informações cósmicas para quem tiver os meios para olhar na direção certa com o instrumento certo.
Sondando a escuridão cósmica
Construído em Rochester, Nova York, pela L3Harris, o Roman foi transportado em um avião de carga militar para a Base Conjunta Andrews, depois transportado lentamente e com cuidado no meio da noite ao longo da rodovia Beltway para Goddard. (Quando a Nasa, alguns anos atrás, teve que dirigir o extraordinariamente delicado Telescópio Espacial James Webb de Goddard para Andrews, uma pessoa caminhou na frente do caminhão com uma lanterna, procurando por buracos, segundo Rigby.)
O Roman - desculpe, o conjunto de telescópio óptico - foi estacionado em um canto da sala limpa, solitário, parecendo até mesmo um pouco ignorado enquanto os trabalhadores atendiam a outro hardware pela câmara.
A característica central do telescópio é um espelho primário côncavo, perfeitamente polido, com 2,4 metros de diâmetro. O espelho primário fica sob um espelho secundário menor que, conectado por suportes, fica no ápice do telescópio. Quando a luz das estrelas atinge o espelho primário (o “balde de luz”, como alguns o chamam), ela será refletida para o espelho secundário e, em seguida, refletida novamente para um buraco no centro do espelho primário, descendo para uma câmara com mais sete espelhos e dois instrumentos astronômicos. Um deles é um coronógrafo. Ele bloqueará o brilho cegante de uma estrela de maneira que potencialmente permitirá capturar luz refletida de um planeta orbitando. Isso é apelidado de “demonstração de tecnologia”. Ver “exoplanetas” (que orbitam estrelas que não são a nossa) sempre foi um desafio. Um objetivo do Roman é chegar a um censo - uma estimativa - de planetas em nossa galáxia.
O segundo e mais importante instrumento, a câmera de campo amplo, que tem aproximadamente a altura de um carro pequeno, ainda não havia sido instalado naquela sexta-feira. Ele estava no chão, a apenas alguns passos de distância. Em outro canto da sala pairava a sombra solar (ou “capa de abertura desdobrável”), que garantirá que o telescópio possa sondar a escuridão cósmica sem ter o sol em seus olhos. Estava programado para ser acoplado ao que é chamado de montagem do barril externo, descrito pela Nasa como “o exoesqueleto do telescópio”.
O telescópio eventualmente será integrado ao que é chamado de “ônibus espacial”, uma estrutura cilíndrica volumosa que contém hardware eletrônico e de comunicações para a missão. Então, o hardware passará por testes de vibração e, em seguida, será aquecido e resfriado em condições semelhantes às do espaço externo em uma câmara de vácuo.
Uma característica essencial do Roman é que, assim como o Webb, ele não é projetado para ser reparado por astronautas se algo der errado no espaço. Isso ocorre porque, ao contrário do Hubble, ele não estará em órbita baixa da Terra. Ele estará onde o Webb está, em uma órbita solar estável chamada ponto Lagrange 2, ou L2, a cerca de 1,6 milhões de quilômetros de casa e nunca se afastando muito. Portanto, ele precisa ser montado corretamente - em perfeitas condições, imaculadamente limpo - antes de ser lançado ao espaço profundo./THE WASHINGTON POST
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