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Como um neurocientista superou a prisão e o que isso tem a ver com o que se sabe sobre o cérebro?

Roberto Lent, da UFRJ, está lançando o livro ‘Existo, Logo Penso’, no qual resgata memórias pessoais para falar sobre novos estudos sobre o cérebro

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Foto do author Roberta Jansen

Em junho de 1969, quando ainda era um estudante de Medicina de apenas 21 anos e vivia com a família, Roberto Lent foi preso pela Ditadura Militar e levado para o quartel que funcionava na Ilha das Flores, no Rio. Ele ficou durante 25 dias incomunicável, numa solitária. Para não enlouquecer, o futuro neurocientista resolveu ocupar o seu cérebro, ainda que com coisas prosaicas.

“Sozinho, com os piores pensamentos, lutava para não enfraquecer. Resgatei uma estopa que achei ali e dediquei várias horas, de vários dias, a desfiá-la e refiá-la, transformando-a em um longo barbante que só serviria para conectar minhas emoções desarrumadas”, conta.

O neurocientista Roberto Lent é pesquisador da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e do Instituto D’Or. Foto: Pedro Kirilos/Estadão

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A história está no livro Existo, Logo penso: Histórias de um Cérebro Inquieto (Editora IHC), no qual Lent parte de suas experiências pessoais para falar, de forma simples e acessível, sobre os mais recentes trabalhos da neurociência.

“Não há nenhum experimento feito em situação tão extrema (de prisão numa solitária), mas imagino que, pela minha experiência pessoal, encontrar uma coisa para fazer, ainda que seja ridícula, como desfiar uma estopa e transformá-la em barbante, é uma atividade que te distrai de ficar pensando besteira. Porque você fica desesperado numa situação dessa. E, quando encontra uma atividade que te distrai, que preenche o seu tempo, você se descola dos pensamentos ruins, das emoções ruins”, explicou o pesquisador da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e do Instituto D’Or, em entrevista ao Estadão.

“São várias estratégias. Neste mesmo episódio, lembro também do gesto de solidariedade do cabo Haroldo, que me trouxe uma refeição embrulhada numa página de jornal. A comida nunca tinha vindo assim antes. Ele piscou um olho para mim e disse ‘boa leitura’. Quer dizer, ele sacou que se eu tivesse uma folha de jornal para ler, isso ia me fazer bem, como fez”, recorda Lent.

O então estudante de Medicina usou aquela página do jornal Última Hora para manter a cabeça ocupada. “Li aquela folha inteira em menos de meia hora. Aí, comecei a contar as letras. Por exemplo, quantas letras A tinham em cada linha de cada coluna? E anotava do lado, com um lápis. Depois, quantas letras B, C, D... Aí resolvi variar e comecei a contar as sílabas e, assim, ia passando o tempo com coisas ridículas, mas que me ajudaram muito a superar a solidão e os meus pensamentos.”

Segundo Lent, a noção popularizada de que, em situações emocionalmente difíceis, “temos que ocupar a cabeça” é correta.

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“Pessoas com depressão, por exemplo, têm que ter um projeto”, afirmou. “Não precisa ser nada complexo ou grandioso, pode ser colecionar tampinha de garrafa, fotos de artistas, qualquer coisa que a pessoa goste de fazer e a desvie dos pensamentos ruins. Em situações psiquiátricas mais extremas isso é útil.”

Em seu novo livro, Lent reúne estudos que tratam do cérebro em formação dos bebês ao cérebro sobrecarregado dos idosos, passando pelo cérebro em ebulição dos adolescentes. São citadas pesquisas que falam da música, do sexo e da morte, sempre entrelaçadas a eventos biográficos resgatados por Lent. Além disso, ele discute como as novas mídias digitais podem embotar nossa imaginação e criatividade.

O neurocientista explica também que, à medida em que envelhecemos, nossos cérebros, sobrecarregados de informação, começam a esquecer com mais frequência – uma forma de abrir espaço para novos dados. Mas as memórias ligadas a fortes eventos emocionais dificilmente se perdem.

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