Um estudo desenvolvido por pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP), campus de Ribeirão Preto, identificou que corantes de tonalidade vermelha, despejados em rios e outros afluentes, vindos da indústria, podem causar cegueira e outros problemas para os peixes. O estudo científico teve colaboração de pesquisadores da Universidade de Lisboa, Portugal, e foi publicado este ano no periódico internacional Science Direct.
De acordo com a pesquisa, a análise foi feita com os peixes em fase embrionária para identificar o efeito dos corantes químicos nos animais. A espécie escolhida foi o zebrafish - ou peixe zebra, peixe ornamental conhecido também como paulistinha, uma das principais espécies escolhidas pela comunidade científica pela facilidade de manejo em laboratório.
Para o trabalho, foram selecionados três tipos diferentes de corantes vermelhos, comumente usados pela indústria: o Disperse Red 60 (DR 60), o DR 73 e o DR 78. Essas substâncias são principalmente usadas na indústria têxtil em larga escala, mas também em outros setores, como as indústrias farmacêutica, alimentícia, cosmética e fotográfica.
“Esses corantes podem causar vários tipos de efeitos, em diversos organismos. A gente expôs os embriões dos peixes a esses corantes vermelhos, que são muito usados na indústria têxtil. Usamos (os produtos químicos) em concentrações baixas, simulando a contaminação aquática, para avaliar como e quais seriam esses efeitos na espécie”, explicou a pesquisadora responsável, professora Danielle Palma de Oliveira, da Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto (FCFRP).
Os pesquisadores realizaram testes em relação à toxicidade dos tingidores nas larvas de peixes, que foram expostas aos três pigmentos. A pesquisa apontou que os produtos químicos causam malformação congênita nos embriões. A avaliação com o DR 60, por exemplo, mostrou que a estrutura ocular da espécie foi afetada, já que reduziu a área dos olhos e o padrão de nado, consequência da cegueira.
Para o corante DR 73, a pesquisa indica problemas ainda mais graves, que afetaram o desenvolvimento dos peixes como um todo. A substância fez com que a bexiga natatória não inflasse, ou seja, prejudicou a capacidade de nado do animal. Essa alteração representa um efeito neurotóxico, por causar problemas no sistema nervoso, além das outras deformações evidentes.
No caso do químico DR 78, o experimento mostrou ainda outros diferentes efeitos negativos. A substância tóxica deixou os peixes “mais lentos”, pela redução na velocidade natatória e aumento do estresse oxidativo, quando os animais acionam o sistema de defesa para tentar a desintoxicação do organismo.
A publicação informa que é a primeira vez que se observa a cegueira em peixes por ação de corantes químicos. “São vários os efeitos nesses organismos, mas o que mais chamou nossa atenção foi a alteração na formação dos olhos. Descobrimos que os peixes não conseguiram diferenciar claro de escuro, representando a grande probabilidade de terem ficado cegos. A formação dos olhos dessa espécie parece muito com a formação ocular de outras espécies, inclusive mamíferos. Ou seja, existe o risco desse efeito acontecer em outras espécies”, explicou Danielle.
O trabalho conclui que os tipos de corantes DR 60 e DR 73 são considerados os mais tóxicos entre os testes realizados, já que o DR 78 parece ser o menos tóxico pelos efeitos identificados somente no nado do animal.
Mesmo que em baixas concentrações das substâncias químicas de tingimento, o estudo ressalta o alerta para as autoridades sanitárias sobre o registro e despejo de corantes no meio ambiente. “Não existe legislação no Brasil e poucos países fazem a regulamentação do descarte de corantes em água, o corante como substância isolada, existem outros tipos de legislação. A pesquisa liga um alerta de que esses compostos que a gente usa no cotidiano podem afetar a saúde dos organismo aquáticos”, enfatizou Danielle.
Muitos desses produtos resistem aos processos de tratamento de águas residuais, que podem gerar substâncias ainda mais tóxicas. Segundo a pesquisa, não existe legislação que regulamente o uso e descarte desses compostos em rios e outros efluentes.
“As vias de exposição desses organismos aquáticos a esses compostos têxteis são diferentes das possíveis vias de exposição de humanos, o que torna este modelo, em teoria, ‘mais suscetível do que um humano’ aos efeitos tóxicos”, completou Bianca de Arruda Leite, uma das pesquisadoras responsáveis pelo estudo.
A publicação completa está disponível na revista Science Direct.
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