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Descoberta de fóssil de feto de preguiça-gigante na Bahia é divulgada após 40 anos

Corpo petrificado do animal estava dentro da própria mãe e foi encontrado com toda a ossada preservada; artigo científico será publicado nos próximos meses

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Foto do author Caio Possati

O paleontólogo Cástor Cartelle Guerra, diretor do museu de Ciências Naturais da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MG), vai publicar, dentro dos próximos meses, um artigo científico sobre o fóssil raro de um feto de preguiça-gigante que ele mesmo encontrou há 40 anos em uma caverna da cidade de Campo Formoso, na Bahia.

O fóssil foi localizado por Cartelle enquanto o paleontólogo fazia um trabalho de escavação em Toca da Boa Vista, uma das maiores cavernas do Brasil. O corpo petrificado do animal estava dentro da própria mãe e foi encontrado com toda a ossada preservada. O registro histórico data de até 30 mil anos, segundo o pesquisador. Ele acredita que trata-se da menor preguiça terrícula (de características terrestres) extinta já encontrada.

Representação da preguiça-gigante terrícola que foi descoberta pelo paleontólogo Cástor Cartelle. Foto: J. Gonzalez/PUC-MG

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“É um achado raríssimo. Imagina a fragilidade do bichinho dentro da mãe. Tanto que, fósseis de preguiças terrículas extintas não sei se existem mais”, afirmou Cástor Cartelle em entrevista ao Estadão. “Encontrar a mãe e, dentro dela, o feto, depois de 30 mil anos, é algo raro. Dos artigos que já escrevi esse foi o que foi aceito mais rápido”, brincou o paleontólogo, que atualmente está com 85 anos.

O estudo foi aceito pela revista científica internacional The Journal of Mammalian Evolution, um fórum multidisciplinar dedicado a publicar estudos de morfologia comparativa, biologia molecular, paleobiologia, genética, entre outras áreas. Junto com Cartelle, assinam o artigo o biólogo Luciano Vilaboim Santos, do Laboratório de Palentologia do Museu de Ciências Naturais da PUC-MG; e os pesquisadores Gerry De Luliis, da Universidade de Toronto, e François Pujos, do Centro Cientifico Tecnológico Mendonza, na Argentina.

“O intuito maior (com esse estudo) é dar o conhecimento sobre as riquezas naturais que nós temos, tanto no passado, quanto no presente; tanto animais, quanto vegetais. É uma forma de tornar conhecido tudo isso que nós temos”, disse Cástor Cartelle, que nasceu na Espanha, mas desde os 19 anos vive e trabalha no Brasil, país onde, segundo ele, é o lugar “com a maior biodiversidade do mundo.”

O feto encontrado pelo pesquisador pertence à espécie Nothrotherium Maquinense, a mesma localizada pelo dinamarquês Peter Lund, que chegou ao Brasil no século 19 e é considerado o pai da paleontologia e arqueologia no País. O europeu foi primeira pessoa a localizar uma preguiça-gigante terrícola em território brasileiro, mais especificamente na Gruta de Maquiné, na cidade de Cordisburgo, em Minas Gerais.

Cartelle se orgulha de, há 40 anos, encontrar o fóssil que ele considera um “ícone para a paleontologia brasileira”. “Fui escavando de baixo para cima, e caiu na minha mão um ossinho pequeno. Imediatamente eu reconheci: era um fêmur. Troquei a forma de escavar até chegar a conclusão que se tratava de um esqueleto de fêmea, da mesma espécie que o Lund tinha encontrado em Máquiné, mas com o feto dentro”, lembra o paleontólogo.

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Preguiças-gigantes

As preguiças da espécie Nothrotherium Maquinense podiam medir até seis metros, da ponta da cauda ao focinho. Somente a mão, segundo Cartelle, tinha 80 centímetros. Em proporções diferentes, esses animais chegavam a ter um volume comparado ao de um elefante. A pelagem era semelhante a de um tamanduá, e eram herbívoros, isto é, só se alimentavam de folhas.

O paleontólogo Cartelle descobriu fóssil de um feto de preguiça-gigante terrícola dentro da barriga da mãe em uma gruta na Bahia, há 40 anos. Foto: Guilherme Simões/PUC-MG

O pesquisador conta que a demora para oficializar a pesquisa em registro científico aconteceu porque ele adiou o trabalho. “Até que criei vergonha na cara”, brinca. Apesar de submeter a um periódico acadêmico só agora, o paleontólogo, que também é doutor em Morfologia pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), chegou a divulgar esses resultados em revistas informativas (não científicas) e também em palestras que ministrou até fora do Brasil.

No artigo que está em vias de ser publicado, Cartelle explica que o estudo traz informações importantes sobre a funcionalidade dos dentes da preguiça-gigante terrícola, que indica sobre a dependência do animal ao leite materno; a formação de garras e até dados sobre a morfologia do ouvido do animal que, de acordo com o pesquisador, era muito avançado. “São detalhes morfológicos minuciosos que são interessantes”, diz.

O fóssil do feto não está disponível para visualização do público. O material se encontra no laboratório de paleontologia da PUC-MG, e no museu da universidade, coordenado por Cástor Cartelle, o que se encontra é uma fotografia. Pelo menos, por enquanto. O paleontólogo conta pretende dar uma roupagem mais real e próxima de uma de suas principais descobertas.

“Vamos ver se eu consigo um dinheiro para fazer uma cópia em 3D. O processo que não é invasivo e não geraria nenhum problema para o fóssil”, diz o pesquisador.

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