A bióloga Beatriz Hörmanseder, de 31 anos, costuma olhar para paredes, chão e pilastras por onde passa. Foi assim que ela descobriu, no início deste mês, em uma casa noturna de Belo Horizonte, fósseis chamados estrematólitos, colônias de bactérias que estão no planeta há 2,4 bilhões de anos e são, nas suas palavras, “responsáveis pelo oxigênio que respiramos”.
“Antes dessas bactérias não havia oxigênio. Os estrematólitos e seus descendentes estão vivos no planeta até hoje”, diz. Segundo ela, são bastante presentes na Austrália e no Brasil, como nas colunas de sal de Saquarema, no Rio de Janeiro.
Beatriz explica que muitas rochas com esses fósseis foram usadas na ornamentação de prédios históricos e bem antigos, por isso não é raro encontrá-los em colunas de mármore desses edifícios. “Como esses que encontrei na Casa Sapucaí, em Belo Horizonte”, relatou.
Os estromatólitos são estruturas rochosas construídas por colônias de cianobactérias, organismos microscópicos que se acumulavam sobre sedimentos em águas rasas, construindo camadas e formando colunas.
Sua importância se deve ao fato de que, ao usarem o sol para obter energia, faziam fotossíntese, tendo sido determinantes para aumentar o volume de oxigênio na atmosfera e permitir a evolução da vida no planeta.
Ao Estadão, Beatriz disse acreditar que os estrematólitos encontrados na Casa Sapucaí tenham por volta dos 2 bilhões de anos, assim como os que foram descobertos no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB), no Rio, que saíram da região de Ouro Preto, em Minas.
Porém, Beatriz diz que eles precisam ser estudados antes que seja estabelecida com precisão essa idade. “Precisamos estudá-los ainda, investigar e descobrir de onde as rochas são, sabendo isso conseguimos saber a idade deles.”
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Beatriz Hörmanseder é doutoranda e mestre em Geociências pelo Museu Nacional, mais antiga instituição científica do Brasil, ligada à Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e considerado um dos mais importantes das Américas na área de história natural e de antropologia.
Ela conta que os fósseis encontrados na Casa Sapucaí não são os primeiros que achou por acaso: há pouco mais de um ano identificou “pontinhos” suspeitos no banheiro de um shopping em Vila Velha, no Espírito Santo.
Seriam possivelmente de Plesioptygmatis, espécie de molusco que viveu no fim do período Cretáceo, há 100 milhões de anos. “A gente descobre bicho em pedra”, brinca a especialista, que trabalha com divulgação científica.
Imóvel pode ser tombado
A Casa Sapucaí é um imóvel localizado no bairro Floresta, em BH, em uma região movimentada de muitos bares e restaurantes. O proprietário do estabelecimento, Lucas Almeida, espera que a descoberta dos fósseis ajude a agilizar o processo de tombamento do local junto ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).
“Aqui funcionava uma escola antes, hoje somos um espaço cultural, além de casa noturna. Temos escola de DJ voltada para comunidade carente, permitimos que as pessoas exponham e vendam seus produtos aqui. Gostamos de contribuir com à sociedade”, diz Almeida.
São três andares, 12 salas, algumas alugadas para parceiros, e 740 metros quadrados de área construída. Segundo o dossiê entregue pelos proprietários ao Iphan, o imóvel está inserido em duas regiões de grande importância histórica para Belo Horizonte: o Conjunto Urbano Protegido Bairro Floresta e a Área de Interesse Cultural Zona Cultural Praça da Estação.
Além disso, conforme o documento, encontra-se em Área de Proteção Estadual e Federal ao patrimônio cultural. “No plano da cidade de Belo Horizonte, concebido por Aarão Reis em 1894 (a cidade foi inaugurada em dezembro de 1897), o bairro Floresta estava localizado em duas zonas, a área interna ao perímetro da atual Avenida do Contorno - zona urbana - e área externa ao perímetro - zona suburbana”, descreve o texto.
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Lucas Almeida conta que o local passou por obras de restauração recentemente, a pedido do Iphan, mas o processo não andou, de acordo com ele.
“No momento, o Iphan analisa o caso e, de acordo com informações preliminares, os fósseis encontrados na Casa Sapucaí (MG) não são de origem humana, portanto, não seria atribuição desta autarquia. O Instituto acompanha os desdobramentos do caso e dará mais informações assim que possível”, informou o Iphan.
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