Um novo estudo desafiou o senso comum na comunidade científica de que apenas seres humanos têm capacidade de aprender conhecimentos e comportamentos tão complexos que não podem partir apenas da experiência de um único indivíduo.
O estudo britânico, publicado neste mês na revista científica Nature, descreve experimentos com abelhas da espécie Bombus terrestris, mais conhecida como Abelhão. Os resultados mostram que elas conseguiram aprender a conseguir alimento em um caixa projetada por cientistas ao observar as demais. É a primeira vez que essa habilidade é observada em invertebrados.
Quase todas as tarefas que os humanos fazem dependem de conhecimento e tecnologia que foram desenvolvidos por gerações anteriores. Ninguém conseguiria dividir um átomo, por exemplo, dentro de seu próprio tempo de vida. São necessários séculos de conhecimento científico acumulado.
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Essa cultura cumulativa, argumentava a comunidade científica, depende de métodos complexos de repassar ensinamentos que apenas seres humanos detêm, como aulas e professores.
Entretanto, os pesquisadores desse novo trabalho - a equipe é da Universidade de Sheffield e da Universidade de Londres Queen Mary, no Reino Unido - afirmam que o ponto central da cultura cumulativa nada mais é do que um comportamento transmitido socialmente entre indivíduos.
Os mesmos estudiosos já haviam realizado alguns experimentos em laboratório com as abelhas Bambus terrestris, e elas já haviam mostrado capacidade de adquirir comportamentos complexos e não naturais por meio da aprendizagem social. Mas, houve casos de alguns indivíduos conseguirem cumprir os desafios propostos sozinhos, sem precisar observar outras abelhas.
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Para ter certeza de que criariam um experimento em que nenhum indivíduo da espécie conseguisse aprender sozinho, os pesquisadores desenvolveram uma caixa de quebra-cabeça em que os animais precisavam superar dois obstáculos para chegar a uma recompensa. Era uma solução de sacarose, que é uma substância que compõe o néctar, alimento das abelhas.
Um dos desafios era tão complexo para os pequenos insetos que os pesquisadores precisaram colocar uma recompensa provisória para que as abelhas demonstradoras conseguissem completar o quebra-cabeça da caixa. Aos poucos, os cientistas retiraram a recompensa provisória, até que elas conseguissem resolver o desafio sem ele.
Um segundo grupo de abelhas observou as demonstradoras solucionarem o quebra-cabeça. E o que os cientistas observaram é que, ao aprender com as demonstradoras, o segundo grupo de abelhas completou o desafio sem precisar da recompensa provisória. Outra amostra de abelhas tentou fazer o mesmo desafio, dessa vez, sem as demonstradoras, mas elas não foram bem sucedidas.
Os animais foram colocados em uma caixa com duas alavancas, uma azul e a outra vermelha. Já a sacarose, ficava bloqueada por um tampa de acrílico. A única forma das abelhas conseguirem chegar até a recompensa era arrastar a alavanca vermelha que tinha um buraco no acrílico até a recompensa. Porém, antes disso, o animal deveria uma alavanca azul que ficava no caminho da vermelha, a impedindo de ser arrastada.
O estudo destaca que não há registro de qualquer tipo de cultura entre as espécies Bombus terrestris, muito menos a cumulativa. Mas, para os cientistas, o experimento indica que essa ausência pode ser resultado de que essas abelhas não precisam de cultura para sobreviver na natureza. Isso porque elas não irão cruzar com caixas quebra-cabeça na vida selvagem.
Insetos que vivem em sociedade têm um rico repertório de comportamento em grupo. Abelhas que produzem mel, por exemplo, são capazes de comunicar a distância e a direção de recursos umas com as outras a partir de uma espécie de dança.
A comunidade científica avaliava que todos esses comportamentos eram, na verdade, produtos do instinto dos animais. Mas surgem evidências de que pelo menos alguns desses comportamentos têm origem social.
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