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Opinião|A ciência disruptiva, que muda a maneira como vemos o mundo, está em queda

Pesquisadores calcularam o índice de disruptividade de cada um dos 45 milhões de trabalhos científicos publicados durante 65 anos

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Foto do author Fernando Reinach

A vida de um cientista é dedicada a retirar os véus que encobrem a realidade. É por isso que usamos a palavra descobrir para descrever um sucesso científico. Mas nem todas as descobertas têm a mesma importância. Algumas modificam a maneira como vemos o mundo e são chamadas de descobertas disruptivas. Um exemplo clássico é a descoberta de Galileu de que a Terra gira em torno do Sol e não o Sol que gira em torno da Terra.

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Galileu tirou o véu que cobria a estrutura do Sistema Solar. Depois dele, a astronomia tomou um outro caminho. É uma descoberta disruptiva. Mas a maioria das descobertas são incrementais. Um bom exemplo é o trabalho dos naturalistas que passaram séculos descobrindo e descrevendo novas espécies de plantas e animais, e continuam a fazer isso até hoje. Cada nova espécie descoberta adiciona um tijolinho no nosso conhecimento sobre a biodiversidade do planeta, mas não muda radicalmente nossa visão sobre a realidade. Essas são descobertas chamadas incrementais.

Você pode imaginar que a ciência incremental é menos importante, pois sem dúvida ela é menos glamorosa e dificilmente vai ser agraciada com um prêmio Nobel. Mas a verdade é que as descobertas disruptivas dependem do conhecimento acumulado por centenas ou milhares de descobertas incrementais para acontecerem.

Um bom exemplo é a descoberta feita por Darwin. Centenas de cientistas haviam descrito as diferenças e semelhanças entre espécies e as diferenças de forma entre seres vivos da mesma espécie. Foi nessa coleção de descobertas incrementais que Darwin se apoiou para propor uma explicação de como essas diferenças surgiam e se fixavam, gerando novas espécies através da seleção natural. E foi assim que surgiu a Teoria da Evolução, uma descoberta disruptiva que mudou os rumos da Biologia.

Nas últimas décadas, com a profissionalização crescente da carreira de cientista, e com a avaliação dos cientistas sendo baseada no número de descobertas publicadas, surgiu a desconfiança que cada vez menos cientistas estavam buscando descobertas disruptivas e que a maioria dos cientistas estava trilhando o caminho da ciência incremental, onde os riscos e os desafios são menores. Mas como medir se isso é verdade?

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As descobertas disruptivas, com a Teoria da Evolução de Charles Darwin, dependem do conhecimento acumulado por centenas ou milhares de descobertas incrementais para acontecerem.  Foto: Jonne Roriz/Estadão

Método

A novidade é que um grupo de cientistas descobriu um método capaz de distinguir trabalhos científicos disruptivos de trabalhos científicos incrementais. É um índice que mede a disruptividade de cada trabalho. Com essa metodologia, eles calcularam a disruptividade de cada um dos 45 milhões de trabalhos científicos publicados durante 65 anos (1945-2010). Isso exigiu um esforço brutal de computação, mas valeu a pena.

O índice de disruptividade envolve matemática e estatística complexa, mas o princípio é fácil de entender. Cada trabalho científico cita em sua bibliografia os trabalhos que foram publicados anteriormente, e nos quais o cientista se baseou. Para calcular o índice de disruptividade de um trabalho, os cientistas mapearam como os trabalhos científicos publicados cinco anos depois citavam o trabalho original. Imagine um trabalho qualquer publicado em 1980. O que foi feito foi identificar nos bancos de dados dos trabalhos publicados em 1985 (cinco anos depois) todos que citavam o trabalho de 1980. E analisar nessa coleção de trabalhos como o trabalho de 1980 era citado.

Quando um trabalho é disruptivo e redireciona um campo científico, ele é citado como a fonte da ideia e os trabalhos anteriores são esquecidos. Exemplo: depois de Galileu, quem escrevesse sobre o Sistema Solar se referia a Galileu e não às pessoas que acreditavam que o Sol girava ao redor da Terra.

Já no caso de um trabalho incremental, ele vai ser citado junto com os trabalhos que vieram antes dele. Exemplo: um cientista que descobre um novo beija-flor em 1985 vai citar no seu trabalho a descoberta do beija-flor feita em 1980 e de todos os beija-flores descobertos nos últimos séculos. Essa diferença de como um trabalho é citado cinco anos depois é o índice de disruptividade do trabalho. E esse índice foi calculado para cada um dos 45 milhões de trabalhos científicos publicados nos 65 anos, em todas as áreas da ciência.

Fração mínima

De posse desses dados, os cientistas fizeram um gráfico onde colocavam, ao longo dos anos, a média do índice de todos os trabalhos publicados em cada ano. O que eles observaram é que a disruptividade média caiu entre 95% a 99% ao longo desse período de 60 anos em todos os ramos da ciência. Ou seja, hoje uma fração mínima dos trabalhos científicos publicados a cada ano são verdadeiramente disruptivos.

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Mas isso não conta toda a história, pois a quantidade total de trabalhos publicados pelos cientistas a cada ano aumentou quase 10 vezes nesses 60 anos. Olhando o número absoluto de trabalhos disruptivos publicados a cada ano (e não a fração do total), foi possível verificar que a quantidade de trabalhos disruptivos se manteve constante (alguns milhares por ano) ao longo dos 60 anos.

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O que isso quer dizer é que o crescimento da produção científica ao longo dessas décadas ocorreu através de um aumento nos trabalhos incrementais sem que os disruptivos acompanhassem esse crescimento. O resultado é que a porcentagem de trabalhos disruptivos caiu violentamente ao longo do tempo.

As possíveis razões para essa mudança são complexas, mas seguramente envolvem a avaliação dos cientistas preferencialmente pela quantidade de trabalhos publicados e não pela originalidade e disruptividade dos trabalhos. Envolve também a preferência das agências financiadoras por projetos incrementais e a aversão ao risco envolvido no financiamento e execução de trabalhos disruptivos.

Agora que sabemos dessa mudança na natureza da ciência, duas grandes questões precisam ser respondidas. Esse aumento na quantidade de trabalhos incrementais é saudável? E como fazer para incentivar que mais projetos disruptivos sejam financiados e executados pela comunidade científica. Esse é um problema que vem sendo atacado por agências financiadoras na Europa e Estados Unidos.

No Brasil, um modelo que privilegia esse tipo de projeto vem sendo posto em prática pelo Instituto Serrapilheira, que somente financia projetos com potencial disruptivo. Em São Paulo, a Fapesp tem caminhado de maneira tímida nessa direção.

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Opinião por Fernando Reinach

Biólogo, PHD em Biologia Celular e Molecular pela Cornell University e autor de "A Chegada do Novo Coronavírus no Brasil"; "Folha de Lótus, Escorregador de Mosquito"; e "A Longa Marcha dos Grilos Canibais"

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