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Opinião|Como as aranhas usam iscas sexuais para fazer mais vítimas

Vagalumes usam sinais luminosos para atrair parceiros - e cientistas descobriram que seus predadores se aproveitam disso

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Foto do author Fernando Reinach
Atualização:

Nos filmes de James Bond uma cena aparece com frequência: o bandido prende a mocinha no esconderijo e a usa como isca para atrair nosso herói, que é capturado. Nessas cenas, gritos mostrando o desespero da moça são enviados ao herói, que atraído sexualmente, corre para salvá-la.

Muitos vão argumentar que o herói age motivado por um senso de justiça e não atração sexual. Mas, se não me falha a memória, a vítima é sempre do sexo feminino e nosso herói sempre teve fama de garanhão incontrolável.

Comportamento da espécie Araneus ventricosus foi avaliado pelos cientistas Foto: Hanstography/adobe;stock

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A novidade é que uma espécie de aranha usa exatamente o mesmo truque. Mas, ao contrário de 007, que sempre liberta a mocinha, no caso das aranhas o macho heroico acaba morto e devorado.

Nesse exemplo de astúcia produzida ao longo de milhões de anos pela evolução Darwiniana (não acredito que as aranhas tenham lido Ian Fleming), a vítima é uma espécie de vagalume e o bandido é a aranha.

O vagalume da espécie Abscondita terminalis utiliza sinais luminosos para atrair seu parceiro sexual. Os machos possuem dois órgãos luminosos (lanternas) no abdôme e emitem pulsos sequenciais de luz. As fêmeas, que têm somente uma lanterna, emitem sinais únicos espaçados.

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Como os sinais dos dois sexos são diferentes, um pode identificar o outro e ir em sua direção com intenções libidinosas. E é assim que eles se encontram discretamente, protegidos pela escuridão dos pássaros que devoram insetos.

Em 1974, o James Bond do filme 'O Homem com a Pistola de Ouro' Foto: Reprodução

Acontece que, de vez em quando, um vagalume macho acaba capturado nas teias construídas pela aranha Araneus ventricosus. Capturada a presa, a aranha identifica que a vítima é um vagalume. Ele é imobilizado e picado levemente, de modo que continue vivo, mas envenenado.

Em seguida, tal como os vilões, a aranha amarra e imobiliza a vítima, que é enrolada com os mesmos fios que a aranha secreta para a construção da teia. Mas o mais importante é que a picada e a imobilização não impedem que o vagalume continue a piscar, sinalizando sua localização. E isso atrai outros vagalumes para a proximidade da teia onde acabam capturados.

Um detalhe interessante é que os vagalumes machos capturados pela aranha, picados e enrolados, passam a mandar sinais individuais, com padrão semelhante às fêmeas, pois somente uma das duas lanternas continua piscando. Ou seja, o macho aprisionado sinaliza que é fêmea e atrai outros machos (isso eu nunca vi nos filmes).

Mas será que esse estratagema de usar um vagalume macho como isca sexual realmente aumenta o sucesso da aranha?

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Para testar essa hipótese, os cientistas compararam o número de presas capturadas por aranhas em teias que tinham um macho piscando, com teias que não possuíam a isca sexual. A comparação foi feita em um universo de 161 teias.

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O que foi observado é que as teias sem iscas sexuais capturavam, em média, menos que um vagalume por noite, enquanto as teias com vagalumes capturavam, em média, mais de dois vagalumes por noite. Isso demonstra que, como os bandidos do James Bond já sabiam, uma isca sexual, sinalizando a sua presença constantemente, atrai com eficiência a vítima macho.

Mas, ao contrário do que acontece no filme, o herói que vem conquistar a mocinha acaba morto e devorado pela aranha. É por isso que na próxima encarnação, prefiro voltar como James Bond, que desde que foi concebido em 1953, só morreu uma vez. A vida dos vagalumes é mais arriscada.

Mais informações: Spiders manipulate and exploit bioluminescent signals of fireflies. Curr Biol. https://doi.org/10.1016/j.cub.2024.07.011 2024

Opinião por Fernando Reinach

Biólogo, PHD em Biologia Celular e Molecular pela Cornell University e autor de "A Chegada do Novo Coronavírus no Brasil"; "Folha de Lótus, Escorregador de Mosquito"; e "A Longa Marcha dos Grilos Canibais"

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