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Opinião | As cotas raciais e a regra de impedimento no futebol

Regras que parecem simples podem ser difíceis de serem cumpridas

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Foto do author Fernando Reinach

Adoramos criar regras que parecem simples, mas são difíceis ou impossíveis de serem cumpridas. Duas regras importantes para os brasileiros caem nessa categoria. Uma é a regra do impedimento no futebol, outra é a regra de definição de raça na lei de cotas raciais. Por incrível que pareça existem muitas semelhanças entre esses dois casos.

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Na lei de cotas, para não ter que definir por escrito o que é uma pessoa branca, negra ou indígena, os legisladores optaram pela auto-declaração. Ou seja, se eu me autodeclaro negro, devo ser considerado negro.

Parece um jeito simples de resolver o problema até o dia que uma pessoa que todos julgam ser branca se declara negra e ingressa na universidade na cota dos negros. Aí aparecem os protestos. Como isso é permitido? Se a lei define que o que vale é a autodeclaração, é isso que tem que valer. E se me considero negro ninguém tem nada a ver com isso e todos precisam respeitar minha decisão e me incluir na cota.

É nesse momento que a ciência é chamada para resolver a questão. Aquela pessoa é negra ou não? Em outras palavras, qual a definição de raça a ser usada se não aceitamos a definida em lei (a autodeclaração)? Acontece que a ciência não pode ajudar conceitualmente.

A biologia e a genética levaram décadas para concluir que as diferenças genéticas entre as diferentes populações é insignificante, principalmente em populações miscigenadas como a brasileira e que, portanto, não existem bases científicas para qualquer tipo de classificação ou discriminação. E isso é uma ótima notícia. Mas a discriminação de fato existe como um fenômeno social e cultural e portanto precisa ser combatida. Vem daí a lei de cotas.

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A ciência só poderia ajudar construindo um fotômetro acoplado a uma câmara e um computador capaz de medir objetivamente a cor da pele e outras características físicas de um indivíduo e definir sua raça através de um software. Seria uma espécie de VAR racial, ou melhor um VARR (Video Assisted Racial Referee).

Mas para isso ser aceito, os legisladores precisariam definir critérios objetivos para classificar uma pessoa como negra, branca ou indígena (e remover o critério de autodeclaração).

Essas novas regras seriam implantadas no VAAR e tudo estaria resolvido. Mas como ninguém tem coragem de definir esses critérios (e talvez isso seja mesmo impossível), criar o tal VAR racial fica impossível. E então temos que conviver com essas bancas ridículas montadas nas universidades onde professores tentam validar ou cancelar a autodeclaração de alunos usando critérios subjetivos, o que é a mais pura forma de discriminação racial.

No caso da regra de impedimento, o problema é um pouco mais simples porque a regra está claramente definida. Ela é a seguinte: nenhuma parte do corpo de um jogador do ataque, que recebe um passe, pode estar adiante de uma linha imaginária que passa pela parte mais recuada do corpo do jogador mais recuado da defesa, no momento que a bola é tocada pelo jogador do ataque que executa o passe. Se isso ocorrer, o jogador que recebe a bola está impedido.

Conceitualmente é simples. Você precisa desenhar essa linha no exato momento que a bola é tocada. O problema é que isso é uma tarefa impossível para o sistema visual de um ser humano. Ele teria que observar sincronicamente dois fenômenos. Ou seja, um olho precisa estar na bola para ver quando ela é tocada e o outro tem que estar alinhado com o último jogador da defesa para imaginar a linha e verificar se alguém do ataque está ultrapassando a linha.

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No caso da regra de impedimento, o problema é um pouco mais simples porque a regra está claramente definida Foto: Fifa

Como isso é humanamente impossível, a tarefa foi dividida entre dois cérebros: o juiz olha para a bola e o bandeirinha olha para a linha. Até funciona, mas como garantir que as imagens criadas em cada cérebro estejam sincronizadas? Ou seja, como garantir que o bandeirinha selecione entre as linhas observadas a cada milisegundo (pois a linha se move constantemente) aquela do instante em que o jogador tocou na bola? É simplesmente impossível, pois ainda somos incapazes de sincronizar dois cérebros independentes.

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Precisamos da ajuda de um VAR (Video Assistant Referee), um computador capaz de fazer por nós esse julgamento de forma objetiva. Um sistema que implemente a regra do impedimento e oriente o juiz. Esse sistema tem evoluído. Primeiro era um rádio entre o juiz e o bandeirinha, depois virou o tira-teima, depois apareceu o sistema que analisa as imagens das câmeras de televisão e agora, nesta copa, temos um sistema ultra sofisticado que foi testado na Europa no ano passado.

São doze câmaras distribuídas em volta do campo que filmam constantemente todos os jogadores. São aproximadamente 500 fotos por segundo de cada jogador. Para cada jogador o sistema localiza uma dúzia de pontos no corpo, em cada uma dessas 500 fotos, vindas de cada uma das 12 câmaras, a cada segundo.

São pontos localizados nas pernas, pés, braços, mãos, cabeça e outras partes do corpo. O sistema de computação determina a posição de cada um desses mais de 1,5 milhões de pontos e cria uma imagem 3D do que está ocorrendo no campo. Para completar, o computador também recebe sinais de um equipamento colocado no centro da bola.

Essas imagens são combinadas em um filme tridimensional (pode ser visto de todos os ângulos). É esse filme que pode ser revisado pelos juízes no campo e pelos juízes na sala do VAR. O sistema é tão preciso que tem indicado impedimentos quando somente uma parte da perna do jogador está adiante da linha.

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Além de permitir detectar impedimentos, o sistema pode, teoricamente, ser usado para faltas sem bola e até para contar os passos dados por cada jogador em campo. Essa infinidade de dados vai, no futuro, pelos técnicos para medir a atuação de cada jogador.

O interessante dessa comparação é que no caso das cotas raciais a regra está muito mal definida e isso impede a sua implementação de maneira objetiva. Já no caso do impedimento a regra está bem definida mas a dificuldade está em conseguir um sistema capaz de verificar se ela foi mesmo cumprida.

É biólogo

Opinião por Fernando Reinach

Biólogo, PHD em Biologia Celular e Molecular pela Cornell University e autor de "A Chegada do Novo Coronavírus no Brasil"; "Folha de Lótus, Escorregador de Mosquito"; e "A Longa Marcha dos Grilos Canibais"

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