Sólidos porosos fazem parte do nosso cotidiano. Um exemplo são as esponjas de lavar louça. Quando secas, seus poros estão repletos de ar, mas quando as molhamos se enchem de moléculas de água e sabão. Isso nos permite carregar líquidos até os pratos sujos dentro da esponja. Outro exemplo é o papel toalha, um sólido poroso ávido por água. Em ambos os casos quando saturados de líquido mais que dobram de peso.
E os líquidos porosos? Esses são muito raros, principalmente porque em um líquido como a água, as moléculas ocupam todos os espaços e os poros não se formam. Assim, a quantidade de gases que conseguimos manter no interior de um líquido é muito pequena. O gás carbônico presente na cerveja e nas águas gaseificadas está dissolvido e não localizado em poros. É por isso que basta abrir a garrafa, diminuindo a pressão, para o gás sair da água e formar as bolhas que sobem para a superfície.
A novidade é que os cientistas conseguiram produzir água porosa. Uma água idêntica a que consumimos, mas que possui poros no seu interior e, dentro dos poros, ela pode carregar uma enorme quantidade de gases como o oxigênio e o gás carbônico. Achei o truque que eles usaram genial. Vale a pena entender.
O problema a ser resolvido é como criar “buracos” no interior da água sem que eles sejam imediatamente ocupados pela própria água. Parece impossível, mas foi feito. Os cientistas sintetizaram moléculas ocas (imagine uma microesfera). O buraco no seu interior, por causa do seu tamanho e das cargas elétricas na parede interna, é um ambiente em que as moléculas de água não conseguem permanecer. Já a superfície externa tem grande afinidade pela água. Por esse motivo essas moléculas são solúveis e podem ser dissolvidas na água.
As moléculas desaparecem e a água fica límpida e transparente. Mas no interior de cada molécula dissolvida na água existe um poro que pode ser único ou estar conectado aos poros existentes em outras moléculas. Dessa maneira os cientistas obtiveram um líquido que tem no seu interior uma infinidade de espaços que não podem ser invadidos por moléculas de água.
E como você usa esses poros? É simples. Quando você borbulha oxigênio ou gás carbônico na água, num primeiro momento as moléculas se dissolvem na água. Mas em seguida as moléculas do gás migram para dentro dos poros. E à medida que o gás dissolvido vai para o interior dos poros mais gás pode ser dissolvido; e esse gás também acaba no interior dos poros. Dessa maneira aos poucos uma grande quantidade de gás pode ser adicionada à água. E quando você retira o gás do ambiente externo ocorre o contrário, o gás migra dos poros para a água e da água para o ambiente externo. Usando água porosa é possível transportar uma grande quantidade de gás dissolvido na água.
O interessante é que transportar gases dissolvidos em líquidos é exatamente uma das funções do nosso sangue. Ele leva o oxigênio do pulmão para o corpo e leva de volta para o pulmão o gás carbônico. Nosso sangue carrega os gases nos glóbulos vermelhos que estão repletos de hemoglobina. Cada molécula de hemoglobina tem uma espécie de poro onde o oxigênio se liga.
A água porosa pode carregar diferentes quantidades de gás, dependendo de quanto da molécula você adiciona, e os cientistas conseguiram produzir água porosa com a mesma capacidade de transporte de gases que o sangue. Esse sangue artificial é capaz de suprir de oxigênio células animais.
O que vamos fazer com essa possibilidade ainda é um mistério. Mas a engenhosidade humana é enorme e alguma aplicação prática vai aparecer.
Mais informações: Microporous water with high gas solubilities. Nature https://doi.org/10.1038/s41586-022-05029-w 2022
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.